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Mulheres negras: as mais afetadas pela fome no Brasil patriarcal e racista

Lares chefiados por mulheres negras são os mais atingidos pela insegurança alimentar e pela falta de acesso pleno a alimentos

Por Isabella Otto Atualizado em 29 out 2024, 18h48 - Publicado em 5 abr 2023, 10h05

Ser mulher está longe de ser fácil. A sociedade estruturalmente nos nega espaços desde os primórdios da humanidade, nos obrigando a realizar tarefas que nem sempre queremos e a agir de maneiras que nos dizem ser as mais aceitáveis para pessoas do sexo feminino. São muitas imposições. E como se não bastasse lutar diariamente contra o machismo, as mulheres são também as mais afetadas pela insegurança alimentar no Brasil.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta terça-feira (4), que ouviu 2.028 pessoas de 126 cidades a partir dos 16 anos, entre os dias 29 e 30 de março, as mulheres são as que mais sofrem com a fome (27%) no país. A situação é mais grave na região Nordeste. E é impossível não fazer o recorte racial.

Por exemplo, no ano passado, a Universidade Federal da Bahia já havia alertado sobre esse cenário, que apresenta mais um agravante: a cor da pele.

As casas chefiadas por mulheres negras são as mais ameaçadas pela falta de alimentos e refeições. 46,8% dessas famílias se encontram em situação de insegurança alimentar leve, moderada ou grave.

O estudo coletou amostras em 14.713 domicílios em 160 bairros de Salvador. Ele revelou ainda que a maioria dos lares na capital baiana é chefiado por mulheres negras (50,01%). Lares liderados por homens pretos somam 35,4% e os chefiados por homens brancos cai para 6,2%.

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74,5% das residências que têm um homem branco como provedor de renda garantiu não ter preocupações relacionadas à comida – ou à falta dela. A disparidade é grande.

 

Os levantamentos escancaram duas outras problemáticas. A primeira diz respeito ao mercado de trabalho. É evidente que homens brancos continuam ocupando posições de poder e ganhando mais que as mulheres, especialmente as negras.

As pessoas ainda têm uma visão que o lugar da mulher negra é no trabalho doméstico. São alguns estereótipos que estão associados, por exemplo, à falta de oportunidades de ter melhor renda. Mesmo que tenha a escolaridade igual a de uma mulher branca, a mulher negra tende a ter um salário menor porque paira no imaginário social que ela tem uma menor valoração”, analisa a nutricionista Silvana Oliveira em entrevista para a Agência Brasil.

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Outro ponto diz respeito ao racismo estrutural. A discriminação e a desigualdade racial no Brasil impactam diretamente a desigualdade de renda. Quando a escritora muçulmana e ativista Rafia Zakaria publicou em 2021 o livro Contra o Feminismo Branco, ela não quis dizer que o feminismo branco não é importante, mas quis ressaltar que a supremacia branca ainda domina a sociedade no geral, inclusive o movimento e as pautas feministas, que deveriam lutar pela igualdade de todas as mulheres.

No Brasil e no mundo em que vivemos, as mulheres brancas já saem algumas casas na frente. Por isso, é inviável discutir o combate à fome e a equidade de gênero sem discutir o tema raça: “O diálogo só será possível quando todas as mulheres estiverem em patamares iguais”, garante Rafia.

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A pandemia intensificou e aumentou os casos de insegurança alimentar que afetam lares do Brasil. Entre 2020 e 2022, o número de brasileiros que passam fome diariamente subiu 14 milhões, alcançando o patamar de 33 milhões de pessoas. 6 em cada 10 famílias não têm acesso pleno a alimentos e, consequentemente, não conseguem fazer as três refeições recomendadas por dia. As informações são do Instituto Vox Populi.

Fora o fato dessas famílias acabarem sofrendo também com a desnutrição, por não terem acesso a uma alimentação equilibrada.

Foi exatamente por isso que uma das primeiras medidas tomadas por Lula (PT) após sua posse foi recriar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. “Nosso compromisso mais urgente é acabar com a fome outra vez. Não podemos aceitar que milhões de pessoas nesse país não tenham o que comer. Este será novamente o compromisso número um do meu governo”, disse.

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O Consea foi criado em 1993 por Itamar Franco, revogado em 1995 por Fernando Henrique Cardoso e retomado em 2003 por Lula. Em 2019, ao assumir a presidência, Jair Bolsonaro (PL) desativou o conselho. “Não existe fome para valer no Brasil(…) Já viu alguém pedindo pão?”, justificou o ex-presidente na época de seu mandato.

A fome no Brasil tem cor, gênero e endereço – e, algumas vezes, também tem nome.

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