Luta climática não é sobre ‘futuro da juventude’. É sobre futuro e ponto

Estamos super ansiosas para acompanhar se, de fato, avançaremos significativamente a implementação da justiça climática

Por Helena Branco e Julia Caixeta, especial para CAPRICHO Atualizado em 30 out 2024, 15h23 - Publicado em 7 nov 2022, 12h05
Capricho na COP27
Outra grande expectativa é acompanhar as discussões de gênero e clima, além dos painéis comandados por jovens de vários países Getty Images/CAPRICHO

Foram 26h de viagem até chegar na cidade de Sharm El-Sheikh, no Egito. Mais tempo que eu e a minha parceira de viagem, Júlia Caixeta, tivemos para arrumar nossas malas. A confirmação de que iríamos para a COP 27, a vigésima sétima Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) de Mudanças Climáticas, chegou apenas um dia antes de embarcarmos para a Península do Sinai. Foi só então que conseguimos duas credenciais para sermos delegadas do evento. 

Tudo no evento parece acontecer na correria e aos 45 do segundo tempo (se é que resolve, risos). Nós estávamos um poço de ansiedade, sem saber se íamos de fato conseguir as credenciais para ir ao evento. Parecia uma final de olimpíada em que a diferença do primeiro para o segundo lugar era um centésimo de segundo. No nosso caso, um documento em pdf com nosso nome e um código de barras nos separavam entre ficar aqui ou acompanhar de perto o maior evento mundial sobre o clima. 

Foi mais ou menos como o Galvão narrando a vitória de Michael Phelps nos 100m borboleta na Olimpíada de Pequim, em 2008. Relembre este momento:

 

 

No avião que nos levaria de Cairo para Sharm El-Sheik, me sentei ao lado de uma moça que trabalhava no governo canadense. Ela me disse que acompanhava a COP desde sua quarta edição e que muitas vezes ficava desanimada com a falta de progresso na implementação dos tantos acordos feitos nas conferências desde sua primeira edição.

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Essa é uma preocupação geral do movimento climático. Tanto que, neste ano, colocar a mão na massa é um dos pilares da COP 27, junto com mitigação (o que fazer com o que já não tem volta), adaptação (como nos adaptarmos às mudanças do clima), finanças (como financiar as medidas climáticas desejadas) e colaboração. Palavras difíceis, mas importantes.

Por outro lado, talvez nosso objetivo principal como jovens ativistas seja mobilizar a sociedade civil pelo clima. Existem mil maneiras de fazer isso: com educação climática, pressão política nas redes sociais e fora delas, boicote de produtos e marcas, etc. Em todas elas, trabalhamos por uma sociedade consciente e engajada na justiça climática. 

Um grande símbolo dessa luta é a ativista Greta Thunberg, criadora do movimento de Greve Pelo Clima e da organização Fridays For Future. No entanto, nesta edição do evento, a jovem já confirmou que não estará presente pois “o espaço para a sociedade civil este ano é extremamente limitado”. Ela também chamou atenção ao fato de que as conferências são realizadas principalmente com o objetivo de chamar atenção para os governos e líderes mundiais. 

Sabe aquela pessoa que quer a glória por fazer simplesmente o mínimo? Então. Mas alô, galera em espaços de decisão! Estamos insistindo há tempos que existem grandes chances de não existir um futuro nos próximos anos. Pesquisas indicam que, nos últimos 20 anos, mais de 75% da floresta perdeu capacidade de recuperação, ou seja, se nada for feito a Amazônia pode virar um deserto em um futuro muito próximo. É real, gente.

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Um grande espetáculo e que passa um pano (verde)

Estamos há 27 edições da COP vendo apenas progressos graduais, quando o que a gente precisa é uma mudança estrutural. Exemplo disso é que, no mundo, inundações e eventos de chuvas extremas agora ocorrem com uma frequência 4 vezes maior do que em 1980. 

Lembra do que aconteceu recentemente em Petrópolis e Recife? Pois bem, estes casos começar a ser cada vez mais frequentes. As inundações no Brasil, em maio de 2022, foram um evento de 1 em 1.000 anos que se agravaram e aconteceram com maior frequência devido à crise climática.

Além disso, indicadores sociais são diretamente afetados pelas mudanças climáticas. Todos os anos na América Latina e no Caribe, desastres naturais colocam entre 150 mil e 2 milhões de pessoas em situação de pobreza. Até 2030, esse número pode aumentar para três milhões por ano (isso mesmo, você não leu errado: por ano!).

Tudo isso sem contar que, mudanças climáticas afetam a agricultura e a falta do que comer está levando pessoas a se locomoverem. Esse fenômeno é entendido como fluxos de refugiados climáticos, que deixam suas casas porque se tornou insustentável sobreviver (a maioria dessas pessoas vive de agricultura familiar, inclusive).

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As mudanças climáticas são uma urgência e precisam ser tratadas como tal. Greta Tunberg acredita que a COP utiliza muitos mecanismos de “greenwashing” para aparentar que está resolvendo a emergência climática. Isso significa montar um grande espetáculo e muitas vezes passar um pano (verde) em diversas violações da justiça ambiental e social. Pois é. Estamos super ansiosas para acompanhar se, de fato, avançaremos significativamente a implementação da justiça climática, ou se essa COP servirá apenas de palco para discursos bonitos sem nenhum efeito prático.

Protestos estão restritos nesta edição – e isso tem a ver com o Egito

Outra polêmica que assombra essa edição da conferência é que não temos uma COP no Sul Global há pelo menos seis anos e a escolha do Egito para realizar o evento causou desconforto no contexto internacional. Isso porque o país tem um histórico forte de suprimir protestos e manifestações públicas da sociedade civil, que foram super importantes em COPs passadas.

Assim que chegamos no Egito a delegação brasileira de jovens estava comentando sobre caso do ativista e escritor Alaa ABd El-Fattah, que passou quase uma década preso por conta de seu ativismo contra o governo egípcio e após a decisão de que a COP 27 seria no Egito, entrou em greve de fome e, até a publicação desse artigo, ainda não parou.

No fim, decidimos que poderia ser arriscado protestarmos por isso e, mais tarde, descobrimos que protestos foram proibidos nessa edição. Fiquei em choque ao descobrir que, hoje, metade da população carcerária no Egito é composta por presos políticos – ou seja, ativistas, jornalistas, que se posicionaram contra o atual governo – que já somam mais de 60 mil pessoas.

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A maioria dos jovens que lutam diariamente por justiça climática são esquecidos ou propositalmente deixados de lado nas decisões que nos afetam diretamente

Helena Branco e Julia Caixeta

Jovens ativistas do mundo inteiro sentiram que a decisão de realizar a COP 27 no Egito coloca vidas das pessoas LGBTQIA+ em perigo ao longo do nosso processo de lutar pelo planeta. Por aqui o governo usa legislações que alegam “devassidão, imoralidade e blasfêmia” para prender pessoas da comunidade.

Um estudo de caso da organização Human Rights Watch mostrou que a polícia egípcia chegou a usar apps de encontro  para identificar e prender pessoas por sua orientação sexual. Na delegação brasileira isso também vem sendo um tópico em questão. 

Até que ponto podemos ser afetuosas com amigas nos rolês da juventude da COP? Ficará tudo bem se rolar paquera? Eles de fato podem prender quem não é do Egito por isso? Se alguém for detido a gente faz o quê? Pois bem, aguardo cenas do próximo capítulo e espero que isso aconteça com segurança (e que tenhamos mais diversão do que medo pelo pior).  

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Outra grande expectativa é acompanhar as discussões de gênero e clima, além dos painéis tocados por jovens. Estou muito feliz de poder participar de uma COP histórica para a juventude pois pela primeira vez existirá um dia de negociações focado nos jovens e um pavilhão da conferência dedicado aos direitos de jovens e crianças.

Afinal, nem todo mundo é a Greta, que é ouvida por onde passa. A maioria dos jovens que lutam diariamente por justiça climática são esquecidos ou propositalmente deixados de lado nas decisões que nos afetam diretamente. A luta climática não é mais sobre garantir um futuro melhor para a juventude, mas sobre garantir um futuro e ponto. Esperamos que isso seja reconhecido.

*Este texto foi produzido direto da cidade de Sharm El-Sheikh, no Egito, em que acontece a COP 27, evento mais importante sobre mudanças climáticas a nível global. Helena Branco, 20 anos, Julia Caixeta, 21 anos, e Jahzara Oná, de 18 anos, fazem parte de coletivos regionais da organização Girl Up Brasil que, em parceria com a CAPRICHO, traz a perspectiva da juventude na cobertura do evento. Acompanhe pelas redes sociais e aqui pelo site da CAPRICHO.

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