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Leia trecho exclusivo do ‘Livro do Clima’, organizado por Greta Thunberg

CAPRICHO publica com exclusividade páginas do que pode ser um guia da juventude para o clima

Por Andréa Martinelli Atualizado em 29 jul 2023, 15h30 - Publicado em 28 jul 2023, 15h23
E

stamos no momento mais decisivo de nossa história: é urgente que exista uma união global para reduzir os dados das mudanças climáticas e, principalmente, que ela seja eficaz e protagonizada pela juventude. Este argumento pode ser óbvio para alguns, mas para Greta Thunberg, 20, é o principal argumento para não só agir imediatamente, mas imaginar o futuro.

Em “Livro do Clima” (Companhia das Letras, 2023), lançado nos na Europa e Estados Unidos no ano passado e publicado no Brasil nesta sexta-feira (28), a escocesa juntou mais de cem especialistas — entre oceanógrafos, economistas, historiadores, filósofos e líderes indígenas – super didáticos que constroem juntos quase que um “guia da juventude para o clima”.

Abaixo, CAPRICHO te conta mais sobre este livro e publica um trecho exclusivo para você não ficar de fora da discussão.

E, olha só: não espere ler um livro escrito pela própria Greta, ok? Mas temos um gostinho de sua experiência quando ela compartilha, na abertura de cada capítulo, histórias de protesto e como descobriu táticas da chamada “greenwashing” – práticas de uma falsa sustentabilidade – e nos convida a pensar que, se cuidar do planeta é o nosso maior desafio, essa pode ser também a nossa maior esperança.

Uma 'menina' contra todos

Foi em agosto de 2018, na frente do parlamento sueco, que a jovem iniciou uma greve escolar em defesa do clima e desencadeou um movimento global. É ativista do Fridays for Future e já discursou em comícios em todo o mundo, bem como no Fórum Econômico Mundial em Davos, no Congresso dos EUA e nas Nações Unidas.

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Ano passado, a ativista decidiu não comparecer à COP27 – a conferência climática da ONU (Organizações das Nações Unidas), em Sharm el-Sheikh, no Egito – e se posicionou dizendo que acreditava que o evento era mais sobre “ação e menos sobre conversa”. A gente te explica aqui.

Apesar de o evento ser um dos mais significativos para pautas da agenda climática, segundo Greta, precisa ser atualizado já que não tem acompanhado as necessidades urgentes para proteger o planeta e atender às demandas da juventude (inclusive, junto com a Girl Up, nós fomos até lá acompanhar tudo de pertinho, lembra?)

Leia um trecho exclusivo de texto da jovem abaixo:

“Eles continuam dizendo uma coisa e fazendo outra”

O primeiro passo para resolver uma crise não é fazer um exame completo da situação ou agir de imediato. Isso vem depois. A primeira etapa é tomar consciência de que estamos em crise. Ainda não fizemos isso. Não temos plena consciência do que estamos vivendo uma emergência climática. Mas esse não é o maior problema.

O pior é que nem sequer estamos cientes de que não temos essa consciência. O reconhecimento dessa falta de consciência dupla é indispensável para entender a crise climática. No entanto, é exatamente isso o que não conseguimos entender. Não apenas como sociedade, mas também enquanto indivíduos. Todos partem do pressuposto de que os outros sabem, e com isso o círculo da ignorância não tem fim.

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Precisamos deixar de definir o progresso apenas pelo crescimento econômico

Greta Thunberg

Antes da COP 26 em Glasgow, fui convidada para ajudar na organização de uma pesquisa de opinião na Suécia. Entre outros objetivos, esse levantamento pretendia investigar o nível geral de consciência da crise climática. A ideia é que seria um relatório inovador — o primeiro desse tipo —, uma vez que não havia estatísticas referentes a esses parâmetros. Porém, concluída a pesquisa, eles me disseram que não conseguiam entender os resultados. Aparentemente o nível de conhecimento era tão baixo que os dados coletados não serviam para nada. As respostas eram tão imprecisas ou despropositadas que toda aquela seção do levantamento acabou sendo descartada.

Para mim, no entanto, isso confirmou o que eu já sabia por experiência pessoal — não só pelas incontáveis conversas que mantive com gente do mundo todo, mas também por encontros com jornalistas, empresários, políticos e até líderes mundiais.

Eis alguns dos comentários que costumo ouvir:

“O Acordo de Paris […], bem, para ser sincero, não acho que fazíamos alguma ideia do que estávamos assinando.”

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“Gostaria que os detentores do poder soubessem a metade do que você e outras crianças sabem sobre as mudanças climáticas.”

“Por que é importante que eu saiba esses fatos?”

“Prefiro, por favor, não falar dos fatos, pois na verdade não estou a par disso no que se refere às mudanças no clima.”

Eu ouvi essas frases em conversas particulares com alguns dos chefes de Estado mais poderosos e dos porta-vozes das instituições mais influentes do mundo. São pessoas que têm acesso a todos os recursos imagináveis para sanar a sua ignorância; mesmo assim, é chocante ver que tantas não se deram ao trabalho. Pelos motivos mais diversos, escolheram não se manter informadas e, mesmo quando se trata da física mais elementar, em muitos casos elas têm um nível de entendimento das questões climáticas constrangedoramente baixo. Na verdade, a quantidade de pessoas que têm consciência da crise climática é talvez bem menor do que a maioria de nós imagina. E, no entanto, há um consenso de que todos entendemos o problema. Nós ouvimos e balançamos a cabeça quando recebemos de todos os lados informações novas e desconhecidas. Ninguém gosta de parecer estúpido, e todos acham que os outros estão entendendo, e assim a situação segue.

Claro que há muita gente que vai discordar do que estou dizendo. Por isso, vamos explorar brevemente a possibilidade de que essas pessoas estejam certas, e de que eu estou enganada. Vamos supor, por um instante, que elas não falharam, que os imperadores não estão nus, mas completamente vestidos. Os políticos e os meios de comunicação foram bem-sucedidos em seus deveres democráticos e informaram de forma adequada cidadãos como nós sobre a natureza da situação em que nos encontramos hoje. Vamos supor também que tenham explicado todas as consequências de continuarmos a agir como sempre e que tenham ressaltado a injustiça histórica que está no cerne do problema. Bem, o que isso na verdade significaria?

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Significaria que as populações das nações que mais emitem gases do efeito estufa, entre as quais está o meu país, estão causando toda essa destruição de propósito. Essas pessoas estão de maneira consciente colocando em risco a sobrevivência da civilização e da vida na Terra como a conhecemos. Estão condenando seus irmãos e suas irmãs nas áreas mais afetadas a um sofrimento inimaginável tanto agora como no futuro. Um sofrimento que pode levar até 1,2 bilhão de seres humanos a abandonarem as suas casas em meados deste século.

Se aqueles em posição de poder de fato cumpriram os seus deveres pedagógicos, então sem dúvida isso significa que pessoas como você e eu estamos causando de modo deliberado danos irreparáveis aos sistemas que nos mantêm vivos. Que estamos desencadeando de forma voluntária uma extinção em massa que vai, em última análise, ameaçar a sobrevivência de toda a nossa espécie. Pois, se não é o caso de que falharam em nos informar de maneira adequada, então nós — o povo — estamos causando toda essa destruição inimaginável de propósito. E se for assim, então somos malignos, e pouco importa o que fizermos pois já estamos todos condenados — mas eu me recuso a acreditar nisso.

O que importa é o seguinte: no que se refere à crise climática, todos sabemos que algo está errado. O que não sabemos exatamente é o que é esse algo. Temos plena consciência de que muitos cientistas dizem que estamos diante de uma crise existencial que vai acabar pondo em risco a sobrevivência da nossa civilização. Mas há outras pessoas que, embora afirmem coisas similares, também acrescentam um ou outro comentário, sugerindo que podemos “consertar” a situação sem precisar fazer mudanças em nosso modo de vida ou em nossa sociedade como um todo.

Na verdade, alguns chegam a dizer que, com apenas alguns ajustes técnicos, podemos limitar o aquecimento global a 1,5°C, mesmo que já estejamos rumando para 3,2°C — no mínimo, dado que essa estimativa está baseada em números imprecisos ou muito subestimados. Essas mesmas pessoas também afirmam que muitos países já reduziram de forma significativa as suas emissões nas últimas três décadas, mesmo que isso seja em grande parte consequência da terceirização de indústrias e da exclusão de grandes parcelas de nossas emissões efetivas (por exemplo, as decorrentes do uso de biomassa).

O problema é quem está dizendo isso: são presidentes, primeiros – ministros, grandes empresários e jornais internacionais importantes. Sim, fomos informados de que estamos diante da maior ameaça que a humanidade já enfrentou. Fomos alertados de que estamos prestes a ultrapassar limiares irreversíveis. Fomos até mesmo informados de que toda a nossa civilização corre o risco de desaparecer se não tomarmos medidas imediatas e sem precedentes. Mas nada disso nos foi dito da maneira correta. E, com certeza, tampouco fomos informados disso pelas pessoas certas. Além disso, as mesmas pessoas que nos alertaram simplesmente continuaram agindo como se não houvesse nada errado.

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As celebridades escolhidas como porta-vozes em favor do clima continuam a voar em jatinhos particulares. Os órgãos de imprensa que se empenham em relatar a crise climática continuam a exibir anúncios que promovem o uso de combustíveis fósseis etc. Enquanto essas pessoas continuarem a dizer uma coisa e fazer outra, ninguém vai acreditar nelas. Enquanto continuarem a viver como se não houvesse amanhã, a grande maioria de nós vai querer fazer exatamente o mesmo. Não temos, no âmbito do sistema atual, todas as soluções para a crise. Mas isso não pode nos impedir de recorrer sempre que possível às soluções disponíveis. Já sabemos um pouco do que devemos fazer, e um pouco do que não devemos.

Fomos alertados de que estamos prestes a ultrapassar limiares irreversíveis

Greta Thunberg

Precisamos aproveitar, aperfeiçoar e continuar avançando com os milagres já em curso, como a transição para as energias solar e eólica. Porém, é tão importante quanto, à medida que nos esforçamos ao máximo, sempre lembrar a nós mesmos e aos outros de que isso não vai ser suficiente, porque na verdade precisamos de uma mudança de sistema. A nossa principal prioridade deve continuar a ser despertar as pessoas — e não colocá-las de novo para dormir com relatos de avanços num sistema muito imperfeito e que opera num quadro concebido para garantir a continuidade dos negócios. Por exemplo, é claro que devemos processar os grandes poluidores — governos e companhias petrolíferas — com frequência e sempre que possível.

Mas também cabe lembrar que ainda não dispomos de legislação para manter o petróleo nas jazidas e preservar a nossa civilização a longo prazo. Precisamos de novas leis, novas estruturas, novos parâmetros. Precisamos deixar de definir o progresso apenas pelo crescimento econômico, pelo produto interno bruto ou pela taxa de lucros conferidos aos acionistas. Precisamos abandonar o consumismo compulsivo e redefinir o crescimento. Enfim, precisamos de uma forma inteiramente nova de pensar.

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