Justiça derruba norma que impedia acesso ao aborto por vítimas de estupro
Não compete ao Conselho Federal de Medicina restringir um direito legalmente garantido, decidiu juíza. A gente te explica.
Justiça Federal no Rio Grande do Sul suspendeu uma norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) que dificultava o acesso ao aborto legal em casos de estupro.
A decisão foi uma resposta a um questionamento encaminhado pelo Ministério Público Federal (MPF) com apoio da Sociedade Brasileira de Bioética e do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde.
Desde o dia 3 de abril, este assunto veio à discussão e gerou um debate público sobre direitos reprodutivos. Isso porque, nesta data, foi publicada uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), que proibia profissionais de utilizarem um procedimento médico chamado “assistolia fetal” nas vítimas de abuso sexual com gestação de mais de 22 semanas.
Conforme explica o órgão, o procedimento consiste na administração de certas drogas durante o processo abortivo. Na prática, a medida impossibilitava o acesso ao direito pelas vítimas de violência.
Na decisão atual, emitida pela juíza Paula Weber Rosito, da 8ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, ela lembrou ainda que não é da competência do órgão restringir o procedimento. O Conselho tem função apenas de orientar os profissionais e não de legislar.
Questão chegou a ser discutida até no Congresso
Em sessão sobre o tema na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, a deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) fez uma fala na mesma linha: “Este é um debate do parlamento”.
A deputada reforçou ainda que a discussão do Congresso já estabeleceu o direito ao aborto em casos de estupro, de perigo à gestante ou de anacefalia do feto.
“Já existe uma legislação que discute sobre o tema e garante que mulheres, meninas e pessoas que gestam possam ter direito ao acesso à saúde”, afirmou.
Segundo dados da PNA (Pesquisa Nacional Sobre Aborto), realizada em 2021, uma a cada duas mulheres fez um aborto antes dos 19 anos. Dessas, 6% antes dos 14 anos.
A violência é cometida na maioria das vezes, segundo o estudo, em um espaço que deveria ser de cuidados e proteções: os violentadores são tios, avós, pais e padrastos e acontece dentro de casa.
Talvez você não saiba, mas, aqui no Brasil, a interrupção voluntária de gravidez é proibida em todas as situações, a não ser em casos em que não há outro meio de salvar a vida da pessoa grávida, quando a gestação é resultado de estupro ou quando o feto tem anencefalia (ausência total ou parcial do cérebro) — este último caso foi garantido por uma decisão do STF (Tribunal Superior Federal) em 2012. Pessoas que abortam estão sujeitas à pena de um a três anos de detenção.
- O Código Penal atual diz que:
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário:
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Acesso ao aborto é direito à saúde
Erika Hilton (PSOL) também quer que serviços de saúde, delegacias da mulher e serviços de assistência social, em todo o país, sejam obrigados a informar vítimas de violência sexual sobre direitos reprodutivos, em especial, o direito ao aborto legal.
“O direito ao aborto legal já é extremamente restrito no Brasil: autorizado apenas em casos de estupro, risco de vida para a mulher e em caso de anencefalia do feto. Mas, mesmo assim, a extrema-direita e fundamentalistas religiosos atentam contra esse direito das mulheres e pessoas que gestam”, disse a deputada em suas redes sociais.
O projeto de lei foi apresentado pela deputada no final de março se segue em tramitação na Câmara dos Deputados. Ou seja, ainda não passou pelas instâncias em que será discutido, como comissões ou plenários. No momento, o projeto aguarda designação da deputada Ana Pimentel (PT-MG), que é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER).
Segundo dados da PNA (Pesquisa Nacional Sobre Aborto), realizada em 2021, uma a cada duas mulheres fez um aborto antes dos 19 anos.
As informações compartilhadas com as vítimas devem seguir as diretrizes da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre direitos reprodutivos. Além de informar à paciente os “cuidados abrangentes no aborto, como disponibilização de informação segura sobre a gestão do aborto, que estão inclusas o aborto induzido e os cuidados relacionados com as perdas de gravidez, aborto espontâneo e os cuidados pós-aborto.”
Entre as informações sobre a legislação vigente, o PL afirma que as unidades de saúde devem deixar claro o direito das vítimas de violência sexual à interrupção da gravidez; funcionamento do procedimento para acesso ao aborto legal, incluindo os documentos necessários e os locais de atendimento e informações sobre direitos durante todo o processo de aborto e pós-aborto, incluindo o direito à privacidade, sigilo e acompanhamento de um profissional de sua confiança.
Quanto às punições para o agente de saúde que praticar ato descriminatório ou não informar a paciente sobre o direito em específico “estará sujeito à instauração de procedimento administrativo, em consonância com as disposições legais pertinentes a sua categoria funcional”. Ou seja, poderá sofrer punições caso não cumpra com o que diz a lei.