Briguei com pessoas que amo durante as eleições, mas quero resolver
2022 está (finalmente!) chegando ao fim e o saldo são algumas amizades e relações familiares perdidas. Bora rever isso aí?
stamos cansadas de saber que 2022 não foi um ano simples para ninguém. E, sim, estamos falando das Eleições 2022. Há anos vemos a conversa política inflamar nos diferentes locais em que a gente transita: dentro de casa, na internet, com os nossos amigos… até na sala de aula. E, ok, essa eleição foi histórica e a nossa galera compareceu em peso nas urnas. Mas a que custo?
Tem muita gente por aí que precisou se afastar de pessoas queridas porque a conversa política chegou em níveis nunca imaginados: estamos falando de tretas mesmo, de desrespeito, de briga, gritaria… não foi a maioria dos casos, é claro, mas sabemos de histórias de pessoas que precisaram se afastar dos pais, de tios e primos, de amigos próximos… enfim, de pessoas com quem conviviam porque as discordâncias políticas falaram mais alto.
E, não, ninguém gosta disso e longe da gente afirmar que esse afastamento é normal – apesar de, às vezes, ele ser necessário. Por isso, contamos com a ajuda da médica psiquiatra Lorena Caleffi, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS), para entender como lidar com essas relações partidas no ano que está chegando.
Discordar de alguém é um problema? Não!
“A discordância faz parte das relações entre as pessoas”, explica a especialista. “Dificilmente encontraremos alguém que pense igual o tempo inteiro. Nós mesmos podemos mudar de opinião ao longo da vida, o que é bastante saudável, e, nesse sentido, passamos a ‘discordar’ de nós mesmos. A discordância pode levar ao crescimento pessoal e ao aumento das possibilidades de raciocínio e decisão, pois traz novas maneiras de entender uma mesma situação.”
Ou seja, deu para entender que discordar não só faz parte da vida como é saudável – imagina como seria concordar em tudo que todo mundo fala e faz o tempo inteiro? Aliás, é aí que reside o perigo das redes sociais, afinal, é muito fácil você “educar” o algoritmo para mostrar o que você gosta e perder o contato com opiniões diferentes da sua.
“No exemplo da política, que serve para outras áreas também, o debate, a troca de ideias, trazendo os diferentes pontos de vista e ponderações, enriquecem as relações quando as pessoas estão dispostas a escutar de forma tranquila e acolhedora, com a mente aberta, livre de preconceitos”, diz a Dra. Lorena.
Mas, calma, se a discordância é normal e faz parte da vida – sendo até saudável -, por que ela gera tanta polêmica? Acontece que, segundo a psicanalista, as pessoas acreditam que ao se manterem próximas de alguém que pensa muito diferente, elas mesmas vão começar a pensar daquela maneira. Não só isso, mas essas diferenças podem, por outro lado, servir como justificativa para um afastamento.
“Os preconceitos viram certezas e as relações, ao invés de se tornarem mais sólidas e fortalecidas pela intimidade do pensamento, acabam enfraquecendo”, explica.
Briguei por causa de política, e agora?
O principal ponto de atenção quando falamos sobre as brigas políticas que vimos acontecer nos últimos anos é que esse distanciamento afetivo pode levar a um isolamento social e/ou familiar.
Fora isso, pode também empobrecer as suas possibilidades de crescimento pessoal, já que, como comentamos mais acima, você corre o risco de manter relações apenas com quem pensa da mesma maneira, reforçando os preconceitos.
E, em terceiro lugar, é importante entender também que muitas relações que se distanciaram por esse motivo já não eram tão sólidas quanto se imaginava, e não suportam essas diferenças de pensamento – ou seja, a primeira discordância foi o suficiente para gerar a quebra.
Essa análise inicial é importante porque ajuda você a retomar essas relações, se isso é o que você quer. Pense na sua relação com a sua família: se você gosta dessas pessoas, será que vale a pena manter essa briga?
“É possível retomar as relações por meio do diálogo, tendo consciência que existem valores e sentimentos que são mais significativos do que uma diferença na forma de pensar”, continua. “Mantendo uma perspectiva a longo prazo, as pessoas também podem tentar se reaproximar, usando a experiência vivida no passado, pois já tivemos na história do país situações difíceis e as pessoas continuaram a conviver com a família e os amigos. O momento atual vai passar, e o que ficará para quem se desentendeu?”
É importante tentar entender também se a discussão política não está encobrindo outras diferenças, e sendo usada como uma espécie de ‘desculpa’ para o afastamento. A pessoa usa a discussão política (aparentemente mais fácil do ponto de vista emocional) para evitar enfrentar aspectos do relacionamento que parecem mais complicados”, explica.
Como saber se dá para reverter uma relação ‘quebrada’?
Não tem jeito, é praticar o que a Dra. Lorena comentou mais acima; o diálogo. Você só vai saber se existe possibilidade de conversa se tentar conversar com a outra pessoa. Se ela não for receptiva, é melhor esperar mais um tempo antes de tentar de novo e começar novas discussões.
A boa notícia é que se essa pessoa for próxima – como um parente querido ou uma amiga de quem você gosta muito -, o nosso desejo de reaproximação é sempre maior. Nós somos mais tolerantes e compreensivos nesses casos.
“Aceitar o outro, com toda a sua riqueza como ser humano, suas qualidades e suas limitações, faz parte do crescimento, da maturidade e da manutenção das relações”, diz.
Por isso é tão importante ter em mente quais são os seus valores, o que é importante para você e no que você acredita. Fortalecer a sua visão de mundo torna conversas com quem pensa diferente mais fácil – afinal, só porque alguém pensa diferente não significa que você precisa, obrigatoriamente, mudar o que pensa. Mas o crescimento vem do diálogo, das trocas e do entendimento de que as pessoas não vão pensar igual 100% do tempo.
Se você curte k-pop e tem uma amiga que não gosta desse tipo de música, isso não a torna mais ou menos legal, certo? Por que com política seria diferente? Claro, a gente precisa considerar o tipo de discurso defendido, se ele incita o ódio ou a violência (o que jamais aceitaremos), mas pensar diferente não é um problema e não existe certo e errado quando o assunto são as crenças pessoais de alguém. A vida real é bem menos binária do que a gente pensa.
Relacionamentos exigem trabalho, dedicação e, principalmente, compreensão. Não temos o poder de mudar a mente de ninguém, mas podemos demonstrar a tolerância e a gentileza sempre, e isso, sim, é o que importa.