Brasil tem estrutura para ser líder e pautar a discussão climática global?
Nosso país vai receber, ano que vem, a maior conferência do clima no mundo em um palco amazônico que precisa sair do blábláblá.
A
cada edição da COP (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), ou, como eu gosto de chamar, “a grande reunião sobre o futuro do nosso planeta” ficamos com as mesmas perguntas ressoando na mente: afinal, quais decisões foram tomadas? Ou melhor, quais decisões deixaram de ser tomadas pelos líderes mundiais?
Em 2023, a conferência foi essencial para o planejamento de ações importantes para o nosso futuro. Mas não podemos dizer que, foi um bom momento para os países e negociadores se comprometerem com o que chamamos de “virada de chave” na transição climática do planeta.
Isso não aconteceu. As Partes, como são chamados os países negociadores, optaram por um acordo que não é suficiente para emergência climática que vivemos. E todo ano parece que é a mesma coisa (já falamos sobre isso aqui, lembra?).
Não é à toa, que a COP estava cercada de algo que a gente gosta de compartilhar (leia esta frase com ironia): fofocas climáticas. Uma delas que é pouco conhecida do público em geral, é o quanto o Brasil pode ser acusado de uma prática super controversa chamada greenwashing.
Ele é um termo em inglês para se referir referir a empresas e governos que usam marketing ambiental mentiroso, omitindo seus crimes ambientais. A ideia é tentar surfar na onda pró meio-ambiente, mesmo sem se comprometer com o controle do aquecimento global. Isso te lembra alguma coisa? Pois é.
O Brasil, mesmo tomando para si o protagonismo de querer ser uma liderança ambiental no combate ao desmatamento e até mesmo sediando uma COP por aqui, tomou decisões extremamente arriscadas nos últimos tempos.
A mais preocupante delas foi a sua entrada na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). O grupo é responsável pelo cartel internacional do petróleo, definindo preços e controlando a distribuição do combustível no mundo.
O governo brasileiro alega ser uma importante aproximação política com os maiores países produtores de petróleo, sendo um ator essencial e um agente de mudança. Nós até poderíamos cair nesse papinho, mas sabemos que existe um projeto de exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas – e isso pode ser muito danoso não só à própria fauna e flora do local, como às comunidades que habitam a região.
E, sim, você não leu errado: o Brasil pretende autorizar a exploração de petróleo no local onde mais deveríamos voltar nossa preocupação pela preservação.
Precisamos da Amazônia de pé, e isso não inclui a exploração de petróleo na região. Afinal, as consequências de um eventual e possível desastre ambiental na vida das populações ribeirinhas e da biodiversidade do território são inimagináveis.
Mas e a COP desse ano, hein, CAPRICHO?
O que preocupa é que estamos saindo de uma COP com um país sede produtor de petróleo, Dubai, para uma COP do gás. Neste ano, a COP 29 acontece no Azerbaijão, cercado pelo Mar Cáspio e por grandes bacias produtoras de gás. Ou seja, teremos muitas fofocas climáticas ainda.
Mais adiante, a COP 30, que ocorre em 2030, em Belém, terá como palco território amazônico e brasileiro. Será que teremos o Brasil como nova governança climática global? Bom, só tenho certeza de que a conexão de pessoas de todo o mundo, sentindo na pele o que é a nossa terra, transformará indivíduos.
O que ficou combinado em 2023?
É tradicional que ao final de todas as conferências seja lançado o chamado “acordo final entre as Partes”. Esse documento é que consolida o compromisso das nações com o que foi combinado no evento.
Mas, diferente das outras, a COP 28 lançou o chamado Global Stocktake (GST), que é basicamente uma atualização geral global do acordo de Paris. Assinado em 1995, por mais de 196 países para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, o acordo nunca chegou a ser cumprido, de fato. O documento atual também conclui as bases das NDCs (metas climáticas dos países) para 2025.
Vamos aos fatos: analisando, é possível notar que o documento faz referência à ciência, mas de uma forma incoerente. Além disso, o texto, que possui mais de 11 mil palavras, contém o termo “combustíveis fósseis” mencionado apenas três vezes. Também apresenta muitos dados imprecisos sobre financiamento. Ou seja, quem vai pagar esta conta, hein?
Apesar dos pesares, o texto também deixa um caminho para a COP 30, a partir do momento em que estabelece um roteiro para a cooperação internacional. Foi a primeira vez que se falou em redução do uso de combustíveis fósseis, mesmo sem se estabelecer um prazo para sua extinção. É a primeira vez que um texto final cita a ideia de acabar com o uso de combustíveis fósseis e uma transição energética justa.
Outro ponto relevante foi o reconhecimento de que é preciso um meio de implementação. O que é curioso, no entanto, pois no Brasil não temos pesquisas e dados o suficiente de territórios vulneráveis ao clima, que passam pelo racismo ambiental a partir de deslizamentos, enchentes etc. Não colhendo esses dados de vulnerabilidade, não há como implementar financiamento, ou seja, precisamos da valorização da ciência e pesquisa.
E falando em financiamento, Mahryan, ativista climática e diretora do Perifa Sustentável, esteve presente na COP. Ela comenta sua participação no evento.
“Assistir um painel da ex-secretária de estado dos EUA Hillary Clinton dividindo a mesa com pessoas do Sul Global, me deixou com o coração cheio de esperança… Fico imaginando como a gente vai discutir essa construção de política públicas pensando as pautas de forma interseccional. Como isso se reverbera em cada discussão? Além disso, nesse mesmo dia estava sendo tratada a agenda de gênero e de financiamento. As duas pautas são extremamente importantes e precisam atenção para não dividir o público.”
Pois é. E 2024 vem aí. O corre foi longo até aqui, e ainda tem muita caminhada. Vem comigo?