3 pontos para entender por que igualar aborto a homicídio é um problema
Campanha #CriançaNãoÉMãe tenta barrar PL 1904/24, que criminaliza aborto acima de 22 semanas e equipara a crime de homicídio.
rotestos contra o projeto que equipara aborto ao crime de homicídio tomaram as ruas em diversas capitais pelo Brasil – como São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e Palmas – neste fim de semana. Janja, primeira-dama, e o presidente Lula, se posicionaram sobre, classificando a proposta legislativa como “absurda”, assim como ministros dos Direitos Humanos e da Saúde.
Já as redes sociais foram tomadas pela hashtag #CriançaNãoÉMãe e até fãs do grupo de k-pop BTS lotaram a caixa de e-mail de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados pedindo o arquivamento do projeto. No último domingo (16), o apresentador Luciano Huck deu visibilidade ao tema em seu programa e, no Mais Você, Ana Maria Braga também falou sobre.
Você, leitor e leitora de CAPRICHO, certamente está acompanhando o assunto – que afeta meninas e adolescentes diretamente -, mas talvez ainda tenha algumas dúvidas sobre a questão. Afinal, o que está acontecendo e por que devo me importar?
E, bem, precisamos dizer: o título desta matéria já é autoexplicativo, mas, para que você participe de conversas qualificadas sobre o que está rolando no Congresso Nacional e nas ruas, aqui estão três pontos que mostram porque equiparar aborto ao crime de homicídio é um problema e afeta diretamente a nossa galera – em especial, as meninas e jovens mulheres.
Aqui na CAPRICHO a gente já te contou que, desde 1940, o Código Penal criminaliza o aborto, mas garante às meninas e mulheres brasileiras o direito de interromper a gestação em casos de estupro e risco à vida.
E desde a decisão do STF, em 2012, esta permissão se estendeu aos casos de anencefalia fetal. O PL 1904/24 limita um direito que a população tem há décadas, colocando em risco, principalmente, meninas vítimas de estupro e em situação de vulnerabilidade.
Mas, CH, como assim?
A gente explica: anualmente, 25 mil crianças de até 14 anos têm filhos no País, segundo dados do Sistema de Nascidos Vivos. E ah, é importante lembrar que, por lei, relação sexual com menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável. Por isso, todas elas têm o direito de interromper a gestação legalmente. Esses números já indicam como o acesso ao direito é dificultado e pouco acessado.
Entre 2015 e 2022 foram em média 1.800 abortamentos legais realizados por ano, no Brasil, segundo levantamento da Revista Azmina – este é um dado super difícil de coletar no SUS (Sistema Único de Saúde), já que estamos falando de um crime e a subnotificação é uma realidade.
“Muitas vezes, a situação de abuso demora a ser descoberta e a gravidez identificada, fazendo com que demorem mais a chegar nos serviços de aborto legal ou nem cheguem a eles”, explica Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta.
Somente 3% dos municípios brasileiros contam com um serviço de aborto legal. Além das crianças, muitas mulheres precisam viajar para acessar o direito e não contam com recursos, nem estrutura para isso. Aquelas que são mães ou cuidadoras, precisam também se organizar para realizar essas viagens. Tudo isso explica porque muitas vezes a busca pelo direito ao aborto legal acaba acontecendo após 22 semanas de gestação.
Sim, tem a ver com disputa política – e com as eleições
Pode parecer roteiro de um filme ou série que você já assistiu nas plataformas, mas é a realidade se impondo, viu? Na semana passada, foi apresentado um requerimento de urgência para o PL 1904/24 que foi aprovado em apenas 23 segundos na Câmara dos Deputados. E, ah, lembra que 2024 é ano de eleição municipal, certo? Guarde que já vamos te explicar como ela entra aqui.
Toda essa movimentação acontece em um cenário de complexas disputas políticas em que, mais uma vez, os direitos das mulheres, crianças e pessoas que gestam são usados como moeda de troca no campo das negociações. Diante de decisões que pressionam o Governo no sentido de garantia e ampliação do direito, cresce a pressão no sentido contrário.
O texto altera o Código Penal e estabelece a aplicação de pena de homicídio simples nos casos de aborto em fetos com mais de 22 semanas nas situações em que a gestante:
– provoque o aborto em si mesma ou consente que outra pessoa lhe provoque; pena passa de prisão de 1 a 3 anos para 6 a 20 anos;
– tenha o aborto provocado por terceiro com ou sem o seu consentimento; pena para quem realizar o procedimento com o consentimento da gestante passa de 1 a 4 anos para 6 a 20 anos, mesma pena para quem realizar o aborto sem consentimentos, hoje fixada de 3 a 10 anos.
A proposta também altera o artigo que estabelece casos em que o aborto é legal para restringir a prática em casos de gestação resultantes de estupro.
Conforme o texto, só poderão realizar o procedimento mulheres com gestação até a 22ª semana.
Após esse período, mesmo em caso de estupro, a prática será criminalizada.
Já se tornou comum que parlamentares conservadores utilizem de pautas de “costumes” – como são chamadas as pautas ligadas aos direitos das mulheres, das pessoas LGBT+ e à família – para alimentar uma base de eleitores e descredibilizar seus oponentes, que podem ser obrigados a se posicionar publicamente sobre estes temas e, eventualmente, perder eleitores. Pois é.
Tanto que, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto, disse que bancada evangélica da Câmara quer ‘testar’ Lula sobre veto ao projeto.
Mas como tudo isso começou, CAPRICHO?
Tudo isso começou por que, em 17 de maio, uma decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que tentava coibir o aborto acima de 22 semanas. No mesmo dia, o PL 1904/2024 foi protocolado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) na Câmara Federal.
Ao UOL, o deputado afirmou que tiraria do Congresso o projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio, caso o PSOL também retire a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a assistolia fetal – exatamente a que Moraes suspendeu.
A resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), proibia profissionais de utilizarem um procedimento médico – que induz um parto vaginal com ingestão de medicamento – nas vítimas de abuso sexual com gestação de mais de 22 semanas. O STF acolheu questionamento do PSOL junto à corte e entendeu que não cabe ao Conselho legislar sobre a questão.
Em reação, o deputado apresentou a proposta que equipara o aborto a homicídio. Ela é assinada por 32 deputados, incluindo o vice-presidente da Casa, Sóstenes Cavalcante, e o presidente da Bancada Evangélica, Eli Borges (PL-TO).
No início de junho, o Brasil foi cobrado pelo Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da ONU para descriminalizar e legalizar o aborto no país.