Afinal, as tendências saem de moda quando se tornam acessíveis ao público?
O perigo por trás do discurso elitista propagado pelo comportamento de consumo na internet
Você já ouviu falar que uma tendência de moda ou peça que bombou no street style ficou ‘ultrapassada’ mesmo após pouco tempo circulando por aí? Ou até que aquele tênis que você demorou tanto para conseguir comprar e pagar ‘cansou’ e virou ‘brega’? Hoje, a rapidez da era digital, em meio ao poder do discurso de influenciadores de classes altas, tem diminuído a duração do ciclo das tendências, o que gera mais um debate sobre o perigo do elitismo e da exclusão na moda.
As tendências de moda surgem a partir de um comportamento da sociedade em determinado local e período histórico, mas é fato que, nos últimos tempos, devido à nossa relação com as mídias sociais, temos experienciado uma alta na velocidade do ciclo que diz o que é ou não febre do momento. Não à toa, às vezes nem damos conta de acompanhar as milhares de estéticas (e ‘cores’) que surgem na internet, né?
Juliana Padula, especialista em tendências da WGSN América Latina, explica à CAPRICHO as diferenças entre os tipos de tendências existentes para análise. “Os comportamentos são o que chamamos de macrotendências, que são mais abstratas, mais amplas, são movimentos sociais. Elas, então, dão origem às microtendências, que são manifestações, expressões, coisas mais concretas, como um produto ou uma cor, que respondem às necessidades das pessoas”, afirma. “Quando nos prendemos somente às microtendências, sem entender ao que elas respondem, entramos no looping de ascensão e queda de estéticas e no consumo desenfreado de produtos”, completa.
E é exatamente esse consumo exacerbado que temos visto no conteúdo de muitos influenciadores de moda nas redes sociais. A especialista da WGSN traz o termo early adopters para essa reflexão, que em tradução para o português significa algo como ‘primeiros adotantes’, e refere-se a pessoas que costumam ser as primeiras a aderir uma tendência inovadora (e até esquisita) ainda no seu começo, antes de ela estourar e finalmente chegar ao público geral. No entanto, assim que isso acontece, os early adopters deixam de lado a febre e procuram uma nova e, muitas vezes, passam a julgar como ‘ultrapassadas’ essas tendências que deixaram de usar.
“Essas pessoas [os early adopters] fazem com que as marcas e personalidades influentes acessem essas novas criações, ideias ou estéticas e as transformem em algo ainda mais palatável, ainda mais acessível e que, enfim, se dissemine no mercado entre o público geral, chegando ao mainstream. Com isso em mente, entendemos que o momento em que uma tendência torna-se de fato acessível e massificada é no fim desse ciclo. É nessa etapa que a maior parte da população acessa, consome e adere à tendência. Sendo assim, quando isso acontece, os grupos inovadores, early adopters e os influenciadores já estão no processo de aderir a uma outra inovação e realmente deixando de enxergar aquela que já chegou ao mainstream como inovadora ou até interessante, já que a acessaram muito tempo antes. Lembrando que esse ciclo completo leva, em média, dois anos”, declara Juliana Padula.
Acontece que os produtos não são (ou não deveriam ser) descartáveis. Se alguém que pertence às classes menos privilegiadas da sociedade compra um tênis Samba, da Adidas, por exemplo, que viralizou em 2023, é possível que tenha parcelado em várias vezes e com certeza vai usá-lo até rasgar. Descartar uma peça por puro capricho, porque ‘enjoou’ e ‘agora todo mundo tem’ não é uma realidade da maioria.
@duda.lamounier eu juro que não aguento mais esse tipo de vídeo, nao há nada na moda que é certo ou errado!!!!!! #itgirl #fashion
Aliás, foi esse tal senso de exclusividade, tão almejado pelos grupos de maior poder aquisitivo, que impulsionou o quiet luxury. Por mais que as pessoas tentem reproduzi-lo ao apostar em looks minimalistas, ele nunca será acessível para quem não tem dinheiro para comprar roupas de luxo.
“No momento em que vivemos, cada vez mais se estabelece uma urgência em torno do desejo de se diferenciar, assim como a necessidade de se sentir parte de algo o tempo todo, e isso contribui com a ansiedade que vemos hoje em torno da adesão de todas essas tendências”, acrescenta a especialista da WGSN.
Diante disso, percebemos a responsabilidade dos criadores de conteúdo com seus discursos que influenciam principalmente jovens e adolescentes, que estão experimentando a busca por uma identidade própria e o desejo de ser aceito. É claro que vivemos em um sistema regido pelo consumo que favorece o curto ciclo das tendências, mas o que precisamos é tomar cuidado com as armadilhas desse mercado, que envolve, sobretudo, o preconceito social e a falta de consciência de classe.