Conjunto listrado da Riachuelo é acusado de remeter a imagem do Holocausto
Reflexão levantada nas redes sociais aponta semelhança a uniforme usado por prisioneiros nos campos de concentração nazistas
Um conjunto da Riachuelo formado por camisa e calça listradas em branco e um tom de verde-azul acinzentado gerou repercussão nas redes sociais. O comentário feito por Maria Eugênya Pacioni, especialista em Cultura Material, Consumo e Semiótica Psicanalítica pela Universidade de São Paulo (USP), viralizou no Twitter e, segundo ela, a roupa remeteria à imagem de inocentes presos em campos de concentração e ao extermínio feito pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Ela publicou uma foto que tirou na loja de departamento e escreveu: “Tá faltando aula de História (e noção) pros estilistas da Riachuelo”.
Tá faltando aula de História – e noção, pros estilistas da Riachuelo. pic.twitter.com/bmqxlXuTus
— Maria Eugênya 🐆 (@myapacioni) September 10, 2023
O uso da estética violenta (holocausto, escravidão) pra gerar polêmica é uma das faces do mkt, não é novidade. Mas insisto q conhecer a história e a construção de pensamento crítico e preservação da memória falta pra mt gente ter no mínimo vergonha de achar isso aí ok.
— Maria Eugênya 🐆 (@myapacioni) September 11, 2023
O Museu do Holocausto localizado em Curitiba, no Paraná, explicou que o incômodo da imagem da roupa tem um motivo histórico. Isso porque os conjuntos com os detalhes que vimos na arara da Riachuelo – a largura das listras verticais, a escolha das cores, da modelagem e da gola – remetem ao Holocausto, genocídio cometido por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Roupas listradas são usadas em prisioneiros com o objetivo de segregá-los e facilitar a identificação e o reconhecimento.
Tais uniformes são impessoais e retiram a individualidade, servindo ainda como forma de humilhação. Listras também são fáceis e baratas para produzir.— Museu do Holocausto (@MuseuHolocausto) September 11, 2023
Esse processo de construção imagética é legítimo e independe de sua historicidade falsa ou verdadeira.
Fato é que imagens carregam sentidos e emoções.
Ver um conjunto estético formado por calça e camisa com essas cores, larguras e gola remetem indiscutivelmente ao Holocausto.+
— Museu do Holocausto (@MuseuHolocausto) September 11, 2023
Embora existam pessoas dizendo que são ‘apenas listras’ e outros argumentos nesse sentido, a reflexão proposta pelo Museu do Holocausto gira em torno do fato de que o conjunto de listras produz sensações dolorosas, que remetem à perseguição feita pelo nazismo, a partir de um imaginário coletivo. Eles destacam a fala da pesquisadora Maria Eugênya Pacioni sobre o assunto: “Tendências de moda não são isoladas da estética, da semiótica, da história, e nenhuma tendência deve estar acima da decência, da memória e do respeito“.
Mas qual o objetivo de uma grande loja ao comercializar um conjunto que, diante de tantos outros exemplos recentes, causaria desconforto em grande parte da sociedade?
Ignorância? Moda? Marketing? Polêmica? Antissemitismo?+
— Museu do Holocausto (@MuseuHolocausto) September 11, 2023
Desde o surgimento da moda, a memória fica atrelada a roupas, que carregam sentido. E essa é uma grande responsabilidade.
Estilistas e publicitários precisam conhecer a História – e a necessidade de construir pensamento crítico que fortaleça noções de empatia e de alteridade.+
— Museu do Holocausto (@MuseuHolocausto) September 11, 2023
Não é que seja proibido usar ou criar peças listradas, mas o que gera incômodo é esse modelo específico, estilo ‘pijama’, a largura das listras, as cores, o corte reto e outros elementos que imediatamente remetem a imagens de prisioneiros do nazismo. Além disso, o argumento proposto pela produtora cultural Maria Eugênya Pacioni é de que a moda não pode se esquecer da história da humanidade e se esvaziar de simbolismos presentes no imaginário coletivo.
Diante da discussão, a Riachuelo se pronunciou dizendo que a escolha das peças foi uma ‘infelicidade’ e que elas serão retiradas das lojas físicas e do e-commerce. Confira a nota emitida pela empresa:
“Nós, da Riachuelo, prezamos pelo respeito por todas as pessoas, e esclarecemos que, em nenhum momento, houve a intenção de fazer qualquer alusão a um período histórico que feriu os direitos humanos de tanta gente.
A escolha do modelo das peças e da cartela de cores realmente foi uma infelicidade, e gostaríamos de reforçar que todas as peças já estão sendo retiradas das nossas lojas e e-commerce.
Entendemos a sensibilidade do assunto, agradecemos o alerta trazido pelos nossos consumidores e pedimos desculpas a todas as pessoas que se sentiram ofendidas pelo que o produto possa ter representado.”
Vale lembrar que essa não é a primeira vez que isso acontece no mundo da moda. Em 2015, por exemplo, a rede norte-americana Urban Outfitters foi alvo de críticas quando colocou à venda peças listradas nas cores branca e cinza com um triângulo rosa, símbolo que prisioneiros homossexuais eram obrigados a usar nos campos de concentração nazistas. Na época, a denúncia foi feita pela organização não-governamental Anti-Defamation League (ADL), que luta contra o antissemitismo e todas as formas de intolerância.