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Rafa Silva: Garotas podem sair da comunidade e conquistar o mundo

A judoca que conquistou o primeiro ouro para o Brasil nas Olimpíadas de 2016 falou com a CAPRICHO sobre superação

Por Márcio Gomes|Fotos: Getty Images e Reprodução/Instagram Atualizado em 23 ago 2016, 15h17 - Publicado em 10 ago 2016, 19h50

É impossível não se emocionar com Rafaela Silva, a judoca de 24 anos que saiu da comunidade da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, para ganhar o mundo e conquistar a primeira medalha de ouro do Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio 2016Simples e risonha, ela conta em entrevista exclusiva à CAPRICHO como se sentiu quando subiu no pódio. O exemplo de superação dessa brasileira toca fundo, emociona e se mistura com a sua própria história.

CH: Depois de tantas dificuldades enfrentadas na vida, você deu a volta por cima e hoje é uma campeã olímpica. Como que é ser a melhor judoca do mundo na sua categoria? 
RAFAELA SILVA: É uma maravilha! O ouro olímpico foi um alívio, uma conquista, principalmente depois das críticas que eu sofri. Realizei um sonho, em especial após a derrota em Londres (nas Olimpíadas de 2012, ela foi desclassificada por uma catada de perna ilegal e sofreu racismo por parte de alguns torcedores). Eu sofri muito, foi um golpe duro, tanto a derrota quanto o racismo. As pessoas falavam que o judô não era esporte pra mim, mas persisti e venci.
CH: Em algum momento você pensou em parar com o judô? 
RAFAELA: Eu fiquei muito chateada com o que aconteceu logo após as Olimpíadas de Londres e até pensei em parar com o judô. Mas, no fundo, eu acho que tudo serviu como um incentivo para que eu tivesse a certeza de que não podia desistir, de que eu teria que continuar lutando para conquistar a minha medalha. E foi o que eu fiz. Passei por cima de tudo e continuei a minha luta.
CH: De onde vem essa superação? 
RAFAELA: A gente que nasce em uma comunidade se supera todos os dias, sente a necessidade de querer conquistar alguma coisa na vida, até para conseguir melhorá-la. Foi o que eu procurei fazer. Meu professor do Instituto Reação (projeto que leva o judô e outros tipos de luta para as comunidades no Rio de Janeiro) me falava para eu canalizar toda minha agressão na luta, para me tornar uma grande atleta, e foi o que eu fiz.
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CH: No momento em que você derrotou a judoca Dorjsürengiin Sumiya, da Mongólia, o que passou pela sua cabeça?
RAFAELA: Me lembrei das Olimpíadas de Londres, da atleta da Hungria (Hedvig Karakas) que me derrotou nas quartas de final. Eu só pensava na sensação que tinha sentido nas últimas Olimpíadas e que não queria sentir aquilo novamente. Por isso, me concentrei e deixei tudo passar.
CH: Foi difícil segurar a emoção ao receber a medalha?
RAFAELA: Demais! Na hora, foi um misto de emoções. Veio tudo na minha cabeça, desde a época em que cresci na comunidade, as lembranças da minha infância complicada, até o duro que dei para chegar aqui. Eu estava focada no meu objetivo, que era disputar a final olímpica e sair vencedora. Ainda bem que deu certo. (risos)
CH: Você acha que teria chegado até aqui sem o projeto do Instituto Reação?
RAFAELA: De jeito nenhum. O Instituto Reação foi fundamental na minha vida. Sem ele, a minha história seria totalmente diferente. O Instituto não cobra só a parte de ser um atleta com alto rendimento, mas cobra também que você se torne um cidadão de verdade. Eu não gostava de ir para a escola, até que apareceu o Reação e tudo mudou. Eles cobram o boletim escolar e quem tem nota ruim não pode trocar de faixa, coisa que é o sonho de todo judoca, né? Eles mudam vidas, mudam a realidades das crianças carentes, que querem continuar no esporte para ter um futuro melhor. Isso é lindo!
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CH: Como era a infância na comunidade da Cidade de Deus? 
RAFAELA: Era bem complicado brincar na rua. Quando tinha tiroteio na comunidade, a gente não podia ficar na rua nem ir para o judô treinar. Eu ficava triste porque queria treinar. Não foi fácil chegar até aqui. Eu poderia não estar aqui hoje contando a minha história, mas, graças a Deus, estou.
CH: E a medalha?
RAFAELA: Eu não paro de olhar para ela. (risos)  Estou muito feliz e não largo a minha medalha por nada. A levo sempre comigo, para todos os cantos. É muita felicidade.
CH: Você encara isso com tanta naturalidade… 
RAFAELA: Eu sou assim, uma pessoa simples. É a minha essência. Aprendi dentro de casa que a gente tem que ser humilde. Sempre fui cobrada para ter os pés no chão e saber o que queria na vida, mas sem passar por cima de ninguém. Meus pais me ensinaram esses valores. Não tenho como me deslumbrar com a fama por ser uma campeã olímpica. Tenho é que curtir e agradecer muito tudo o que eu consegui conquistar.
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CH: Uma curiosidade: como é a Rafaela fora do tatame?
RAFAELA: O meu dia a dia é viver do judô. São treinos, viagens… Quando não estou ocupada com o esporte, gosto de ficar em casa vendo um filme, sair com os amigos, comer fora – mas sempre cuidando do corpo por conta do esporte, que me exige um corpo saudável.
CH: Para os que se espelham em você, qual a mensagem que gostaria de deixar? 
RAFAELA: A mensagem que eu gostaria de passar, em especial para as crianças das comunidades, é que elas podem sonhar grande. Um dia outras garotas podem sair da comunidade e conquistar o mundo, assim como eu consegui. Acreditar vale a pena. Isso, com certeza, vale.