Existe representatividade dentro do K-Pop?
Em especial ao Mês do Orgulho LGBT, conversamos com alguns youtubers sobre o tema. Quer ver?
O mês de junho marca mundialmente o Mês do Orgulho LGBT. Este ano, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo colocou em pauta as eleições presidenciais e também a falta de políticas públicas voltadas para a comunidade. Porém, a causa LGBT vai além e, mais do que aprovar projetos de lei, ela grita por mudança e também visa atingir outros meios, como representatividade no entretenimento e na arte.
Na música, sabemos sobre o papel inclusivo já feito por nomes fortes durante a história: Madonna, Lady Gaga, Sam Smith e o falecido ícone Freddie Mercury. No Brasil, vivemos também um momento de aceitação e empoderamento dentro da mídia – hoje o fenômeno Pabllo Vittar significa um enorme avanço para a causa –, em que o cenário musical dos últimos anos foi tomado por letras que falam sobre amor entre pessoas do mesmo sexo e artistas publicamente declarados homossexuais, que atraem a atenção ao colocar a sexualidade em cima do palco.
Quando olhamos para a música pop sul-coreana, notamos uma breve sensação de dúvida, uma espécie de nuvem que deve ser dissolvida para dar luz ao questionamento: “existe representatividade no Kpop?”. A primeira resposta que pode surgir diz respeito ao próprio gênero musical, construído em uma cultura totalmente diferente das tradições ocidentais. Mas isso não é suficiente para responder a falta de representação.
A Coreia do Sul ainda é um país conservador e homofóbico, e assim como em outros lugares, a homossexualidade por vezes é tratada como doença ou desvio comportamental. Se assumir está longe de ser uma opção para os idols, uma vez que isso pode acabar com suas carreiras e destruir seus sonhos.
A representação na mídia coreana é quase nula, e foram poucos os que se arriscaram. O ator Hong Seok-cheon foi um dos primeiros a expor sua homossexualidade em público (no começo dos anos 2000) e isso lhe custou não somente a carreira. Inúmeras controvérsias abalaram fortemente seu trabalho e o ator foi alvo de preconceito.
Existem também outros exemplos de quem tenta apoiar a comunidade LGBT no país, como o ex líder do grupo 2AM, Jo Kwon. Jo utiliza suas redes sociais como plataforma de ativismo e, mesmo que esse tipo de declaração seja visto de forma negativa, o cantor não parece ter medo. Com fotos onde aparece dançando de salto alto ou fazendo referência à divas pop e drags do reality Rupaul’s Drag Race, Kwon também se meteu em confusões quando fotos do cantor em um bar gay na Tailândia circularam pelas redes em 2013. Apesar da tentativa, a mídia não conseguiu derrubar a influência de Jo Kwon e ele segue cheio de atitude em seu Instagram:
A musa CL cedeu uma entrevista para a revista ELLE, em que foi questionada sobre a grande quantidade de gays que seguiam seu perfil no Instagram. Sua resposta não poderia ser melhor: “E lésbicas também. E drag queens também. Adoro eles! Eu tenho muitos amigos gays e eu os amo muito porque são divertidos. Eles são tão especiais e talentosos. Eu posso perguntar se minha roupa está boa para as minhas amigas, mas se eu perguntar para os meus amigos gays eles vão ser sinceros e responder: ‘não, garota'”.
Em junho de 2016, o rapper G-Dragon também se manifestou em prol das vítimas no ataque a tiros dentro de uma boate gay em Orlando. A catástrofe – considerada uma das piores na história americana – matou 50 pessoas e feriu outras 53. O post feito em sua conta do Twitter acabou sendo removido logo após a reação negativa de alguns fãs e possivelmente seus agentes, por estar apoiando o movimento.
Talvez o cantor Holland seja nosso primeiro grande exemplo. O jovem estreou em janeiro deste ano como o primeiro cantor de K-Pop assumidamente LGBT. Seu debut fala abertamente sobre sua sexualidade e seu desejo de escapar para um lugar melhor, onde pode ser livre. O nome não poderia ser mais significativo – Neverland. Causando muito barulho em sua estreia, no clipe podemos ver o amor entre dois garotos e uma cena de beijo entre eles:
Apesar da comoção (a tag #HollandDebutDay ocupou a primeira posição nos trending topics do Twitter) e do pouco mais de 9 milhões de views, Holland diz que não recebe nenhuma forma de apoio da mídia coreana e nem mesmo sua agência foi revelada.
Infelizmente, a indústria pop sul-coreana não é um local seguro e libertador como na faixa de Holland. Ainda que outros ídolos – integrantes do BTS, EXO e Amber do f(x) – demonstrem algum tipo de posicionamento através de entrevistas ou redes sociais, o jogo se inverte quando falamos sobre quem consome K-pop. Convidamos alguns representantes do K-Pop no Brasil para contar com exclusividade sua vivência LGBT dentro do movimento:
O Pedro e o Hugo, do canal Predugo, são dois youtubers e escritores brasileiros. Juntos, eles criaram um dos primeiros livros sobre K-Pop do país: O melhor guia de K-Pop real oficial. No Youtube, o casal retrata parte da sua relação e mostra como o K-Pop está inserido no cotidiano. “Ele acaba nos inspirando em todos os sentidos: na hora de se vestir, como matéria prima para trabalho e até mesmo nas mensagens por trás das faixas que ouvimos. É um universo tão rico que está presente na nossa vida, se tornando impossível não criar conteúdo sobre ele”.
Quando conversamos sobre ser gay e fazer parte do universo kpopper, os dois contam sobre a força do fandom e o quão diversificado ele é. “A gente encontra pessoas de todas as idades, gêneros, raças e sexualidade. Então acaba sendo um ambiente muito acolhedor”. Pedrugo ainda apoia a comunidade LGBT através de uma iniciativa também construída em ambiente virtual, o grupo K-POC. “O K-POC surgiu da dificuldade em encontrar um grupo no Facebook onde a gente se sentisse bem para postar e comentar o que pensamos, sem nos preocupar com hate gratuito, brigas de fandoms ou pessoas tóxicas.” Em colaboração com os criadores do grupo League of Divas, os dois resolveram criar uma espécie de zona segura para os fãs de K-pop se sentirem à vontade. “O grupo cresceu de forma gigantesca em pouquíssimo tempo (atualmente com quase 12 mil membros). Além disso tudo, também fizemos do grupo uma casa LGBT para os kpoppers. É muito gratificante ver ele super movimentado, pessoas fazendo amigos sem vergonha de ser quem são.”
Sem dúvidas a dança é outro complemento para a febre do K-Pop existir. Coreografias mega elaboradas e passos cravados sempre atraíram o público. O fato chama atenção do dançarino e professor de dança Lucas Olly: “Não existe sexo na dança. É algo que não podemos rotular, ela é feita pra todos” – e completa – “Quando uma pessoa sabe a coreografia, ela acaba passando para os amigos e dentro desse meio é tudo bem misturado, meninos dançando girl group, meninas dançando boy band. O que importa mesmo é saber as coreografias e se divertir, independente de sexo ou gênero.” O dançarino também lamenta a falta de cantores que levantam a bandeira dentro dos grupos coreanos, mas comemora o interesse que o estilo musical desperta em pessoas que jamais dançaram ou não praticam exercícios físicos. “Depois de entrar pra esse mundo – não tem volta! É um lugar onde se descobre quem você quer ser, o que quer fazer, onde quer estar, – e o melhor –, fazer aquilo que ama da melhor forma possível e com pessoas que têm o mesmo gosto que você.”
A dança também chamou atenção do estudante de cinema e youtuber Gustavo Kawashita: “faço dance cover de grupos de K-Pop desde 2012. A partir disso descobri muito sobre mim mesmo e passei a me conhecer melhor. Assistindo aos clipes super produzidos e tentando executar aquelas coreografias impecáveis, sentia que estava conseguindo expressar minha essência de alguma forma. Essa sensação de saber que estou mostrando minhas cores de verdade enquanto danço é umas melhores coisas que já senti na vida; e era algo que eu nem imaginava ser possível antes de entrar nesse universo. Além disso, fazer parte da comunidade de fãs de K-pop me fez conhecer muitos dos meus melhores amigos, os quais foram extremamente essenciais nessa minha busca pela auto-aceitação.”
Gustavo vive na Coreia do Sul desde 2016 e merece destaque por levantar a pauta em seu canal sobre como é ser gay na Coreia. “Tem seus lados positivos e negativos, assim como no Brasil. Em resumo, é um lugar onde gays são quase invisíveis aos olhos da população, onde não se sofre violência física, mas sim psicológica”. Se compararmos essa relação com o Brasil, a falta de informação e diálogo prejudicam muito o entendimento da sociedade. Lá, muitos nativos não acreditam na existência de gays coreanos, tornando o fato algo causado por vínculos estrangeiros e aumento de turistas no país. “Casamento entre duas pessoas do mesmo sexo nem parece uma possibilidade. Aqui a família e a linhagem de filhos é algo extremamente importante. Há diversas pressões sociais que sufocam o movimento na Coreia, fazendo muita gente passar a vida se escondendo de si mesmo”. Por outro lado, a situação muda quando comparamos os padrões sociais de “masculinidade” entre Coreia do Sul e Brasil. “Aqui, raramente você vai ser julgado por usar maquiagem, vestir certas roupas ou se portar de certa forma. No Brasil você seria considerado gay.”
Kawashita descobriu o K-Pop aos 14 anos e tem certeza que o estilo musical contribuiu muito para a formação da sua personalidade, sua aceitação e também a forma como entende o mundo. “Pode parecer algo bobo de se dizer, mas a música pop coreana realmente mudou a minha vida pra melhor.”
Outra brasileira se aventurando no país asiático é a youtuber Amanda Guimarães, mais conhecida por seu nickname Mandy Candy. Transexual assumida, Amanda busca mostrar parte da sua história e trazer inspiração para outras pessoas em seu canal. Criando conteúdos engraçados e vlogs sobre o dia-a-dia, a youtuber, que acompanha K-pop desde as primeiras gerações, diz ter recebido influência direta em sua transição. “Minha inspiração era a cantora e atriz trans sul-coreana Harisu. Conheci ela enquanto procurava sobre o que era transexualidade, além de relatos sobre pessoas que passavam o mesmo que eu estava atravessando naquele momento.” Após a descoberta, Mandy passou a ter contato com outros artistas e sobretudo com a cultura coreana, que transformou sua paixão em decisão para se mudar do Brasil e criar conteúdos a partir de lá para a Internet.
Assim como Gustavo Kawashita, ela sente a quase inexistência sobre discussões LGBT na sociedade coreana, e deseja que no futuro a situação melhore uma vez que o mercado musical esteja ganhando o mundo. Sobre ser uma mulher trans vivendo na Coreia, Amanda relata que nunca sofreu preconceito, embora acredite que, assim como ser gay, lésbica ou bi, ser trans na Coreia do Sul seja um enorme tabu, já que ninguém comenta sobre o assunto.
De volta ao Brasil, uma persona da noite paulistana assume o alter-ego Duda Dello Russo, e ganha notoriedade por tomar frente das picapes e levar os maiores hits do K-Pop para as pistas de dança. Mas a drag queen revela que o K-Pop veio depois do entendimento de sua sexualidade. “Me assumi bem cedo, aos 14 anos, e falo que passei por uma nova saída de armário quando comecei a me montar, aos 18 anos –, que foi quando comecei a escutar K-Pop. Sempre me perguntam em quais drags me inspiro, mas o que me dá caminho para criar looks são desfiles, músicas e clipes, que é onde o K-Pop assume. O apelo visual deles é fortíssimo, a estética de cores é perfeita, tudo é muito detalhado.”
No Ocidente, grande parte do consumo musical coreano se faz através da comunidade LGBT. Duda não acredita em representatividade no K-Pop por parte da indústria. “Em um país onde mal se fala a palavra gay, fica muito difícil cobrar posicionamento e militância. Toda vez que vemos idols apoiando a causa é porque curtiram a foto de algum gay assumido, colocaram arco-íris em algum post ou realizaram um conceito forçado. Não são migalhas que a comunidade precisa para alcançar uma igualdade de direitos na Coreia. A discussão e a cobrança acaba sendo feita bem mais pelos fãs internacionais.”
Dello Russo consegue unir duas paixões em seu trabalho: ser drag queen e poder tocar o que escuta nas suas playlists. A drag ainda organiza uma festa 100% K-Pop na rua Augusta, que atualmente é tomada pelo Funk em São Paulo. “É bem difícil de fazer tudo acontecer, mas ver a galera dançando, curtindo e mandando todo o amor possível é surreal –, e pensar numa drag queen nesse cenário tão careta é incrível. A vontade da comunidade LGBT brasileira de criar conteúdo e mostrar que essa é a fanbase do K-Pop mostra que realmente existimos.”
No Brasil, temos enormes eventos e movimentos em prol da comunidade LGBT, enquanto na Coreia raramente fala-se sobre o assunto, onde a representatividade dentro da produção musical falha miseravelmente. A indústria fonográfica coreana precisa reconhecer melhor seu público, valorizar as diferenças para atuar como porta voz. Só assim poderá agir como ferramenta de mudança social dentro de seu país de origem.
A sociedade precisa repensar seu passado, e é sempre bom lembrar que nossa orientação sexual se fomenta de influências bio-psico-socio-culturais e vale esclarecer que gostar de meninos ou meninas está ligado a sua orientação sexual, e não é portanto, uma opção. A representatividade importa e saiba que você não está sozinho. Existe muito amor e apoio dentro da comunidade Kpopper. Devemos cobrar mais de nossos idols e grupos favoritos, o mesmo vale para suas produtoras. Ser LGBT é mais que existir, é um ato de resistência.