Elas não esperam o futuro (estão construindo um agora)
Em clima de COP 30, CAPRICHO conversou com Alice Pataxó, Mikaelle Farias e Catarina Lorenzo. Agir agora é a única forma real de frear a crise climática.
por Barbara Poerner; Edição de texto: Andréa Martinelli; Colagem: Mavi Morais; Diagramação: Jotave Barreto.
Atualizado em 13 nov 2025, 17h17 - Publicado em
13 nov 2025
12h00
É
bem provável que você já tenha visto ou ouvido falar da COP30, que acontece pela primeira vez na Amazônia brasileira, em Belém (PA), entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025. A sigla vem de Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, um megaevento da ONU que reúne líderes mundiais para discutir o futuro do planeta.
A cada edição, cresce o debate sobre a eficácia real da COP: grandes corporações poluidoras participam das negociações e, muitas vezes, os países mais ricos não cumprem o que prometem. Enquanto isso, o Sul Global (nós aqui na América Latina e Brasil) e regiões como a África sofrem os maiores impactos, mesmo sendo quem menos contribui para o problema.
E sim, a sensação de “bem na minha vez o apocalipse climático!” é real — e legítima. Ainda mais quando, no mesmo mês em que se fala de COP30, a gente vê tornados no Sul do Brasil ou leis que enfraquecem a proteção ambiental sendo aprovadas.
Mas nem tudo é desespero. A CAPRICHO conversou com três jovens que estão virando o jogo: Alice Pataxó, Mikaelle Farias e Catarina Lorenzo. Elas mostram que, mesmo em meio ao caos, ainda dá pra agir — com coragem, propósito e esperança. Entre aceitar o colapso ou lutar por um futuro mais justo, elas escolheram a segunda opção. E estão nos provando que o presente ainda é o melhor lugar pra começar.
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Mikaelle Farias
“Ou a gente faz as coisas acontecerem agora — ou não vai dar tempo”
Mikaelle Farias, também atua em espaços institucionais de juventude, como a YOUNGO — grupo oficial da ONU que representa crianças e jovens dentro das negociações da COP. Arquivo Pessoal/ReproduçãoE
m 2019, um derramamento de óleo atingiu o litoral nordestino e mobilizou mutirões de limpeza em várias praias. Em um deles estava Mikaelle Farias, então adolescente. Paraibana, criada no interior e hoje moradora de João Pessoa, ela cresceu acompanhando a avó cigana em movimentos de mulheres e logo se interessou por causas sociais e ambientais — caminho que a levaria ao Fridays For Future, movimento global que ganhou força com Greta Thunberg.
Foi nessa época que Mikaelle participou da COP26, na Escócia, e mergulhou de vez no ativismo climático. Desde então, integrou a campanha SOS Amazônia, que arrecadou doações para comunidades indígenas durante a pandemia, e coordenou a Conferência do Nordeste pelo Clima.
Hoje, aos 24 anos, estuda Engenharia de Energias Renováveis na UFPB, com foco em uma das pautas mais importantes do debate climático: a transição energética justa. Já foi diretora da organização Palmares Lab e faz parte do time da Marcele Oliveira, representante da juventude da COP30.
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O termo significa trocar, de forma responsável, as fontes de energia poluentes — como carvão e petróleo — por alternativas renováveis e limpas, como solar e eólica. Mas Mikaelle lembra: “Por mais que seja uma mudança urgente, ela não pode acontecer às custas de novas violações de direitos. A emergência climática não justifica desrespeitar comunidades e territórios.”
Por isso, ela defende salvaguardas ambientais, ou seja, mecanismos que garantam a proteção e a escuta das populações locais. “A transição só é justa se incluir quem mais sente os impactos da crise climática”, reforça.
Na COP, Mikaelle também atua em espaços institucionais de juventude, como a YOUNGO — grupo oficial da ONU que representa crianças e jovens dentro das negociações. “A gente monitora os textos e tenta garantir que nossas pautas sejam incluídas. Mas tudo depende de consenso entre os países. Se a maioria não concordar, nada avança. E isso é frustrante.”
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Além disso, Mikaelle integra a equipe da Jovem Campeã Climática da Presidência, cargo criado na COP28 para ampliar a presença de lideranças jovens. “Hoje há grupos por biomas, cada um com um papel na presidência. Isso está mudando o jeito de as juventudes participarem das decisões.”
“As maiores revoluções vieram da sociedade. Precisamos nos unir pra pressionar e mudar o que acreditamos que deve ser mudado.”
Entre as pautas que devem guiar a COP30, em Belém, ela destaca a agenda das juventudes afrodescendentes, a transição energética justa, o financiamento climático e a adaptação — temas que, segundo Mikaelle, precisam sair do discurso. “Para avançar, o movimento social precisa estar forte e organizado. As maiores revoluções vieram da sociedade. Precisamos nos unir pra pressionar e mudar o que acreditamos que deve ser mudado.”
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Mesmo ciente dos desafios, ela acredita que o espaço das conferências ainda é essencial: “Se não fossem os acordos e a pressão internacional, o cenário seria muito pior.”
Sua principal inspiração vem de casa — e de uma citação que carrega como mantra. “Minha avó e o escritor Nêgo Bispo me lembram que somos o começo, o meio e o começo — não temos fim. Ou fazemos as coisas acontecerem agora, enquanto somos jovens, ou não teremos mais tempo. No fim das contas, é sobre consciência: o que vamos deixar para o mundo — uma contribuição ou o vazio?”
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Alice Pataxó
“Sou uma esperançosa otimista”
Alice Pataxó vê cenário cauteloso político brasileiro em relação ao meio-ambiente. Antonello Veneri/ReproduçãoA
COP26, em 2021, foi o primeiro grande evento internacional de Alice Pataxó, que na época tinha apenas 20 anos. Em Glasgow, na Escócia, ela chamou atenção com um discurso poderoso sobre as ameaças aos territórios indígenas brasileiros, denunciando o desmatamento, o garimpo e outras violências que atingem seu povo há séculos.
A conexão de Alice com o ativismo começou cedo. “As coisas que pareciam chatas pras outras crianças, eu adorava participar”, lembra, sobre acompanhar reuniões na sua comunidade Pataxó, no sul da Bahia. Na escola, se envolveu com a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e, pouco tempo depois, passou a conectar justiça climática com a luta pelos direitos indígenas. Hoje, é uma das vozes mais influentes da juventude indígena nas redes — com milhares de seguidores e um discurso firme, mas cheio de esperança.
Agora, às vésperas da COP30, que acontece em Belém (PA) em 2025, Alice é embaixadora da iniciativa Voz dos Oceanos, que destaca o vínculo dos povos Pataxó com o mar. “Quero falar sobre essa relação desde a infância, mas também sobre como estamos sendo minados, já que nosso território está constantemente ameaçado”, explica.
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O cenário político, segundo ela, ainda é frustrante. “O Congresso aprovou o PL da Devastação e o governo segue querendo explorar petróleo na Foz do Amazonas. Isso é muito preocupante”, diz. Mesmo assim, ela mantém o olhar esperançoso: “Acredito que na COP30 a gente consiga avançar em debates importantes, como a implementação das NDCs — metas climáticas lindas no papel, mas precisam sair do papel.”
Após três edições da conferência realizadas em países com regimes autoritários (Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão), Alice enxerga um novo fôlego na edição brasileira. “Estar em um espaço democrático muda tudo. Queremos poder nos manifestar, criar debates públicos, com mais participação da sociedade civil — e do nosso jeito, bem brasileiro”, afirma.
Para ela, a COP é um espaço de oportunidade, mas que só faz sentido com alianças reais entre movimentos sociais, comunidades e juventudes. “Os espaços de fala ainda são poucos, mas precisamos usá-los bem. Há muitos jovens produzindo coisas incríveis, mesmo que fora do tema climático. A COP pode ser a vitrine que dá visibilidade a tudo isso”, reflete.
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“Os espaços de fala ainda são poucos, mas precisamos usá-los bem. Há muitos jovens produzindo coisas incríveis, mesmo que fora do tema climático. A COP pode ser a vitrine que dá visibilidade a tudo isso”
Entre tantas responsabilidades, Alice tenta não se deixar paralisar pela ansiedade que o ativismo traz. E cita Ariano Suassuna pra explicar sua postura:
“Sou uma esperançosa otimista. Gosto de me ver como um espelho das coisas boas que construímos. Seja na conversa, na narrativa ou na mão na massa — é isso que me move.”
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Catarina Lorenzo
“Ainda tem tanta vida que vale a pena cuidar e lutar”
Hoje, aos 18 anos, Catarina segue equilibrando o trabalho global com a ação local pelo meio-ambiente. Arquivo Pessoal/DivulgaçãoC
om apenas dois anos, Catarina Lorenzo já deslizava nas ondas do litoral baiano. Nascida em Salvador e criada entre o mar e a mata atlântica, ela cresceu cercada pela natureza — e pela consciência de que precisava protegê-la. O pai é biólogo, a mãe é médica veterinária, e ela aprendeu desde cedo que o meio ambiente é mais que um cenário: é um modo de vida.
“Eu estava sempre no mar, surfando, ou guiando trilhas no Vale Encantado, em Salvador”, conta, lembrando do espaço de um milhão de hectares que marcou sua infância e também seu despertar para o ativismo.
Com o tempo, Catarina começou a notar as mudanças: rios canalizados, praias sujas, árvores derrubadas. Em vez de se calar, escreveu cartas para o prefeito, participou de protestos e se envolveu no movimento SOS Vale Encantado, que luta pela preservação da área. “Tudo isso me fez entender o poder da ação. Que a gente pode — e deve — agir em prol do que acredita.”
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“Por mais que exista coisa feia no mundo, ainda há muita beleza e pessoas solidárias. E é por essa vida que vale a pena cuidar e lutar.”
Mas foi aos 12 anos, em 2019, que ela percebeu que o que fazia tinha nome: ativismo. Naquele ano, Catarina assinou uma petição internacional ao lado de outras 14 crianças — entre elas, Greta Thunberg — denunciando cinco países por violarem os direitos das crianças ao não cumprir metas climáticas.
“Por causa da nossa petição, a ONU reconheceu oficialmente que a falta de ação climática viola o direito das crianças. Isso abriu uma discussão muito importante, que só cresce desde então”, relembra.
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Hoje, aos 18 anos, Catarina segue equilibrando o trabalho global com a ação local. Ela acredita que as duas frentes precisam andar juntas:
“Pra mim, não faz sentido atuar no cenário internacional se o local não estiver funcionando bem. Eu participo dos processos da ONU, mas também co-fundei um clube de compostagem na minha escola, que transforma quatro toneladas de lixo orgânico por ano.”
A caminho da COP30, em Belém, ela defende que os movimentos se organizem com clareza antes, durante e depois da conferência. “É importante ter demandas objetivas, ponto a ponto, pra que nossas vozes realmente sejam consideradas nos textos de negociação.”
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Mesmo cercada por notícias desanimadoras sobre o clima, Catarina não perde o equilíbrio — nem o otimismo. Quando a ansiedade bate, ela volta pro lugar onde tudo começou: a natureza.
“Quando me sinto frustrada, olho pro mar e penso: ainda tem tanta vida. Por mais que exista coisa feia no mundo, ainda há muita beleza e pessoas solidárias. E é por essa vida que vale a pena cuidar e lutar.”