CAPRICHO invadiu os bastidores de Wicked para falar com Elphaba e Glinda
Conversamos com Myra Ruiz e Fabi Bang, que interpretam as personagens e registramos todo o processo de caracterização antes de brilhar no palco.
Mais do que um espetáculo visual surpreendente, com figurinos e maquiagens refletindo as características de cada personagem, Wicked traz uma história de amizade e aborda injustiças sociais e preconceito de forma bem-humorada e emocionante ao mesmo tempo.
A CAPRICHO invadiu os bastidores da peça para conversar com Myra Ruiz e Fabi Bang, que interpretam, respectivamente Elphaba e Glinda, em seus camarins e saber como tem sido fazer parte desse retorno tão especial (além de mostrar todo o processo de transformação das duas).
O musical, grande sucesso da Broadway, voltou ao Brasil em março deste ano com as mesmas atrizes que fizeram parte do elenco em 2016 – ano em que o musical veio ao país pela primeira vez.
Agora, a peça está em cartaz no Teatro Santander, em São Paulo, onde fica até dia 23 de julho, com uma montagem nova que possui toques únicos e brasileiros, além de um impressionante voo da Bruxa Má do Oeste.
“É tudo novo nessa montagem. Figurino, direção, cenário, tudo! Menos as músicas. A gente teve uma liberdade maior de criar, de chegar nessas personagens”, compartilhou Myra à CAPRICHO. Para Fabi, “sempre é uma experiência além do que só fazer uma peça de teatro, que já é minha profissão, minha paixão, que eu acredito, mas Wicked tem a diferença de ter essa base de fãs absurda”, complementou.
E a gente sabe que a fanbase é gigante como elas disseram – e nós estamos incluídos nessa viu? Depois desse contato, nos tornamos mais fãs ainda ao descobrir algumas curiosidades. A maquiagem da Glinda, por exemplo, é a própria Fabi que faz. “Não tem muita dificuldade como a da Elphaba. A minha é muito tranquila e eu gosto, eu acho prazeroso fazer no meu camarim, onde normalmente eu fico mais introspectiva.”
Muito diferente de toda caracterização de Elphaba que, bem… é toda verde! Myra chega bem mais cedo do que todo mundo em dia de apresentação e confessou só para a CAPRICHO que tem horas que “é muito chato e intenso”, até porque ela também é a última a sair. Mas a maquiagem é o que faz sua personagem crescer ainda mais.
“Ela não tem muito glamour no figurino dela, tirando o segundo ato. Então, o figurino me ajuda muito a entrar nessa coisa ‘desleixada’ da Elphaba”, disse.
Leia a entrevista completa com as atrizes abaixo (junto com todas as fotos que a gente registrou da tarde que passamos juntinho delas):
CAPRICHO: Como é voltar para Wicked após sete anos e reviver personagens que mudaram a vida de vocês?
Myra Ruiz: Wicked é muito especial, principalmente por conta dos fãs. Sempre é uma experiência além do que só fazer uma peça de teatro, que já é minha profissão, minha paixão, que eu acredito, mas Wicked tem a diferença de ter essa base de fãs absurda. As pessoas têm um carinho enorme pela peça, então é mais gratificante ainda, porque a gente está realizando o sonho de muita gente que virou fã depois da última temporada, tem gente que virou fã pelo YouTube, então é muito legal poder apresentar para essas pessoas que não viram e também para quem já viu ou para quem não é fã mas vai se tornar agora.
Fabi Bang: Na minha carreira, eu tenho antes e depois de Wicked. Quando veio o convite, já chegou batendo forte, primeiro porque a gente sabe o apelo que tem com o público, segundo pelo convite. Normalmente, a gente aciona os espetáculos, e dessa vez a gente foi convidada, então tem todo um reconhecimento do quanto a gente emprestou para a obra, tanto eu quanto a Myra, do quão importante a gente foi para o projeto. Isso mexeu muito com a gente, então foi um momento muito especial. E, aí, é impossível falar de Wicked e pensar que vai acontecer em poucas semanas, porque é inviável, é um fenômeno mundial. E, aqui, ainda se comunica de uma forma com o público brasileiro que eu acho um fenômeno mesmo a repercussão no Brasil. Então, é incrível fazer parte disso!
Quais são as principais diferenças dessa montagem da peça em relação à de 2016 que foi uma réplica da Broadway?
Myra Ruiz: É tudo novo nessa montagem. Figurino, direção, cenário, tudo! Menos as músicas. A gente teve uma liberdade maior de criar, de chegar nessas personagens. A gente já tinha uma base da direção original e, dessa vez, foi legal poder trazer um pouquinho ainda mais a nossa criatividade. É uma honra pro Brasil essa aprovação dos gringos que criaram o show poder criar uma versão brasileira.
O que eu mais gosto? Obviamente o voo, e eu gosto da liberdade que a gente teve com essas personagens, de poder dar um pouquinho mais a minha cara para ela e não ter que seguir tanto a direção cartilha original. Toda a parte estética visual também está muito linda, os figurinos, o cenário. Eu gosto muito da cena do Todo Bem Tem Seu Preço também, que é meu terceiro solo no segundo ato, que eu subo em cima de uma bola gigante, que é bem bonito visualmente e muito diferente da versão original.
Fabi Bang: A gente não tem a cultura Mágico de Oz aqui, a gente tem a Turma da Mônica, o Sítio do Picapau Amarelo. Eu acho que o Sítio do Picapau Amarelo é o que mais se aproxima do que significa pra eles Mágico de Oz, e, aí, surgiu essa analogia. Por acaso a gente tem uma figura no nosso folclore que é mencionada na peça e tem por que ser mencionada. Então, eu sempre faço questão disso, de me apropriar da cultura local, de me apropriar das nossas piadas, me apropriar do que funciona para o nosso público, porque essa história está sendo contada no mundo todo, mas aqui a gente tá voltando para o público brasileiro, então é um artifício que eu uso para aproximar o público dessa história cada vez mais, e acho que esse é um dos fatores pelo qual Wicked faz tanto sucesso aqui, porque a gente consegue abrasileirar de uma forma um pouco mais ousada, eu diria. O próprio Stephen Schwartz falou para mim: ‘Nossa, eu nunca vi nenhuma Glinda fazendo esse tipo de abordagem que você faz. Mas mantenha, porque é sensacional’.
A Elphaba tem um voo superalto e surpreendente no primeiro ato. Como foi essa preparação?
Myra Ruiz: A preparação para o voo foi principalmente técnica, entendendo, subindo um pouquinho mais alto. Foi gradual para eu me acostumar com a altura. E, hoje, eu vou meio sem pensar. Obviamente não é um risco, porque tem uma baita segurança, mas se eu for pensar no perigo porque eu tô muito alto, eu tenho que ir sem pensar, tenho que estar muito presente no momento, se eu pensar que talvez possa dar errado ou que isso me dá um pouquinho de medo… Mas eu não não penso nisso. Até porque eu confio muito na equipe técnica e em todo mundo, mas tem que ir e focar no momento e não dá para falar ‘Deixa eu olhar a altura que eu tô’, porque, senão, vai dar medo.
Por que você acredita que Wicked tem uma legião de fãs tão fiéis? Por que essa história causa tanta identificação?
Myra Ruiz: Wicked fala das minorias, do que a gente chama de underdog. E eu acho que todo mundo se sente um pouco isso hoje em dia. Sei lá como é a autoestima das pessoas, mas todo mundo se sente meio deslocado em algum grau ou já se sentiu na vida. Por isso que tanta gente se identifica com a Elphaba. A não ser que você tá na vida pensando ‘Eu sou incrível, eu sei o que eu tô fazendo. Eu sei todas as minhas atitudes, eu não tenho dúvida das minhas atitudes, eu sempre acerto’. Ninguém é assim. E, em um nível mais profundo, a peça fala sobre preconceito, né?
Todo mundo que já se sentiu de alguma forma discriminado na sociedade pode se identificar. Fala um pouco com você, dá força para quem não se sente pertencente à sociedade, o que é basicamente todo mundo menos homens brancos. E acho que é por isso que tanta gente se identifica. ‘Ah, mas vai ser uma versão diferente do original. Será que eles vão gostar?’ Vão, porque Wicked é muito mais do que os cenários e figurinos, é também isso e é maravilhoso, mas acima de tudo é uma história forte, e isso a gente continua tendo, por isso a resposta do público é incrível.
Em 2016, vocês tinham acabado de se conhecer. Em 2023, vocês são grandes amigas, quase família. Como essa relação na vida reflete na dinâmica no palco?
Fabi Bang: Se a gente não conseguir contar essa história com verdade, ela nem vai chegar nas pessoas. Então, foi uma opção na verdade, porque há sete anos, a gente ainda, na verdade até hoje, as pessoas gostam de ter a pauta de duas mulheres rivais. É legal falar disso, não sei se porque vende engajamento falar sobre a rivalidade de duas mulheres, e a gente optou em não ir pelo caminho previsível. Entendemos que se a gente fosse pelo caminho da rivalidade, o que o ambiente favorecia, era uma pegar na mão da outra para puxar para baixo. A gente falou: ‘A gente pode pegar a mão da outra para levar para cima ou para levar para baixo. Vamos para onde? Vamos para cima, né?’. E, aí, conquistamos um respeito, uma admiração, uma fidelidade, uma relação muito madura entre nós duas.
A gente entende o espaço da outra e a gente consegue aplaudir o brilho da outra. Isso é muito lindo e muito louco, porque quando a gente vê a outra brilhando, a gente não se anula e nem se diminui. Pelo contrário, parece que, quanto mais a outra brilha, mais reflete em mim também e vice-versa. Então, é prazeroso, a gente se admira no palco, a gente se olha e fala assim: ‘Uau, que mulher! Uau, que potência!’. E isso é muito legítimo, muito verdadeiro. E eu acho que só faz bem para a nossa química em cena reconhecer, apreciar, respeitar e aplaudir a existência da outra. Então, eu sou muito grata por por essa parceria e por essa conexão que a gente carrega da vida para cima do palco. E, claro, como toda a relação de muita intensidade, eu preciso do meu camarim, e ela precisa do dela. A gente precisa do nosso espaço até para que a gente consiga manter a nossa relação mais saudável possível. É como casamento, né?
“A gente se admira no palco, se olha e fala: ‘Uau, que mulher! Uau, que potência!’. E isso é muito legítimo, muito verdadeiro. Eu acho que só faz bem para a nossa química em cena reconhecer, apreciar, respeitar e aplaudir a existência da outra.”
Fabi Bang
Myra Ruiz: Acho que o motivo pelo qual Wicked seja tão especial é que eu sinto que a gente está muito desconectado. As redes sociais trouxeram uma proximidade que, na minha opinião pode também acabar sendo falsa, e eu acho que a gente está muito sedento por conexão. E na história a gente tem isso, uma história de amizade. Não é uma história de amor, também tem, mas não é uma história de amor da mocinha que encontra um namorado, é uma história sobre duas mulheres que se transformam e que são diferentes e que passam uma na vida da outra.
Outro dia vi a Mônica Martelli falando sobre o Paulo Gustavo, dizendo que tem pessoas que a gente esbarra na vida e tem pessoas que a gente encontra. E a Elphaba e a Glinda são um pouco isso. Existem pessoas que só esbarram, mas elas são um encontro que transforma e tem momentos bons e ruins e tudo que um encontro tão intenso como esse trás, mas é uma história sobre duas amigas.
O que eu levo da minha relação com a Fabi para o palco é que é muita confiança, muita intimidade mesmo. Então, a gente fica muito confortável uma com a outra em cena. A gente tem uma sintonia, uma química, e isso a gente sempre teve mesmo sem se conhecer, mas, agora, sete anos depois, isso só se potencializa ao máximo. A gente realmente tem uma sintonia que eu já nem sei explicar mais.
Como vocês acham que o figurino da Elphaba e da Glinda refletem as personalidades delas?
Myra Ruiz: Ela não tem muito glamour no figurino dela, tirando o segundo ato. Então, o figurino me ajuda muito a entrar nessa coisa ‘desleixada’ da Elphaba. As roupas dela são todas rasgadas, de um pai que claramente renega a existência da filha ao ponto de não comprar nem roupas novas para ela, e a dor que isso deve trazer para ela. Tem a maquiagem verde, que obviamente me ajuda muito em cena. Tem o figurino do segundo ato também, que ela vira mais durona, em que ela passa por todo o peso do segundo ato, e o figurino tem esse peso, a saia pesa pelo menos quatro quilos, o que torna tudo muito maçante, porque é muito pesado, é difícil de correr para um lado para o outro. Tenho que correr o tempo inteiro no segundo ato com essa saia, é muito difícil, é uma sessão de crossfit mesmo, e tem momentos do show que o batimento cardíaco vai lá para o teto, e não fica mais fácil com o tempo. Esse figurino do segundo ato ajuda muito com isso, por mais difícil que seja de carregar, ajuda na interpretação.
Fabi Bang: O figurino é uma alavanca para as personagens. Porque, por exemplo, eu na vida não tenho o guarda-roupa da Glinda. Poder pegar emprestado essas referências visuais, da caracterização, do visagismo, eu acho que super compõe. E, aí, faz com que a história faça sentido realmente. É engraçado, até o nosso diretor, quando ele se deparou comigo, eu acho que ele não me enxergava nesse lugar, sabe? Até me conhecer, entender a minha essência e o que eu trazia para a personagem, de cara não é automático me ver nesse papel. E eu acho que ele realmente deu um voto de confiança ao que eu estava propondo artisticamente, mas o figurino e o visagismo chegam contemplando e arrematando essa construção da personagem. O meu look preferido é o vestido azulzinho.
E a maquiagem? A Elphaba tem o verde, mas a Glinda não. Fabi, você faz sua própria maquiagem?
Fabi Bang: Eu faço minha própria maquiagem, porque eu gosto, faz parte do meu processo de concentração. E também porque ela não tem mistério. Eu tô no palco desde que eu me entendo por gente, então aqui a gente tem o croqui, que seria o original, mas, na verdade, ela é uma maquiagem bonita, só reforçando os olhos, a boca, deixando mais dramática, mas não tem muita dificuldade como a da Elphaba. A minha é muito tranquila e eu gosto, eu acho prazeroso fazer no meu camarim, onde normalmente eu fico mais introspectiva.
Myra Ruiz: A Elphaba tem essa parte mais maçante que é essa maquiagem que todo dia tenho que chegar mais cedo que todo mundo e ficar aqui sentada fazendo isso. Chega uma hora que fica chato, mas acho que chato não é a palavra, é uma rotina muito intensa, e depois todo mundo vai embora e eu tenho que ficar aqui no banho quente. Para tirar, primeiro eu passo um óleo para começar a diluir a maquiagem. Aí, eu uso uma toalha demaquilante, e depois tem um produto que eu trouxe de fora, que chama Dr. Bronner’s, que é um sabonete orgânico com base de vários óleos essenciais, óleo de coco, enfim, e várias Elphabas ao redor do mundo usam.
Wicked vai ganhar dois filmes. O que vocês já leram sobre isso e esperam do resultado?
Myra Ruiz: Pelo o que eu li, eles vão aprofundar um pouco mais na história da infância dessas personagens, então é muito legal de imaginar a gente desenvolver cenas com isso. O que eu espero é que a Cynthia Erivo obviamente vai destruir tudo como Elphaba, porque ela é maravilhosa. Ela é uma atriz incrível, e Ariana Grande também acho que vai arrasar de Glinda, e o elenco todo, tem a Michelle Yeoh, de Tudo Em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, que ganhou Oscar, de Madame Morrible. Tô ansiosa para isso, para ver como eles desenvolvem, o que a magia do cinema vai poder proporcionar para aprofundar ainda mais essa história, sabe?
O que vocês diriam para quem ainda não veio, mas pretende vir assistir à peça?
Fabi Bang: Afivelem os cintos, porque vocês vão se emocionar muito. É impossível você sair daqui do teatro e não gostar da peça e você não se identificar em algum momento com a história de uma das duas. Ninguém sai daqui imparcial. Todo mundo sai tocado por algum ponto ou personagem, não necessariamente a Glinda ou a Elphaba, o Dillamond é um personagem de muita representatividade dentro do espetáculo. Então, eu acho que as pessoas vão sair daqui transformadas.