Vinícius Grossos sobre censura na Bienal: “caça às bruxas homofóbica”
Feitos de Sol, novo livro do autor, estava entre os que Crivella tentou censurar na Bienal do Livro
Neste final de semana, depois que o prefeito Marcelo Crivella determinou que fosse retirada da Bienal do Livro do Rio uma HQ mostrava dois homens se beijando na capa, diversos escritores que marcaram presença no evento se manifestaram contra a ação e fizeram um vídeo no qual recitavam versos de Apesar de Você, canção de Chico Buarque que defende a liberdade de expressão. Entre esses autores estava Vinícius Grossos, que lançou em agosto deste ano seu terceiro livro, Feitos de Sol: Um Amor Capaz de Incendiar o Mundo.
A obra se passa na virada dos anos 2000 e conta a história de Cícero, um garoto nerd de 15 anos que morre de medo do fim do mundo e do bug do milênio (no final do século XX, acreditava-se que uma falha no sistema de softwares dos computadores levaria o mundo a uma crise mundial). Tudo na vida de Cícero muda depois que conhece Vicente, um menino que tem muito a ver com ele, tirando a parte da família super religiosa. Aos poucos, os dois se aproximam e descobrem que o que pode estar rolando entre eles é algo muito além de amizade…
A CAPRICHO conversou com Vinícius para saber um pouco mais das inspirações dele para o livro e da reação dele ao saber da tentativa de censura que aconteceu na Bienal.
CH: Como recebeu a ação do Crivella de tentar proibir livros com a temática LGBTQ+ na Bienal do Livro?
VINÍCIUS GROSSOS: Inicialmente foi devastador. Fiquei assustado, temeroso com o que poderia acontecer e, de certa forma, revoltado. Os livros não têm conteúdo impróprio. Não há nada erótico ou pornográfico. São apenas histórias de drama e amor protagonizados por personagens gays. Não havia motivo para todo o circo criado. Foi uma caça às bruxas homofóbica.
CH: Como se sentiu ao saber que seus livros estavam entre os distribuídos gratuitamente por Felipe Neto como uma forma de se manifestação contra a ação da prefeitura?
VINÍCIUS: Foi tudo muito rápido. Ele foi responsável por esgotar o estoque de O Garoto Quase-Atropelado. Eu não sabia bem o que sentir, no primeiro momento, porque eram muitas emoções dentro de mim. Depois, senti a atitude dele como algo muito empoderador. Foi lindo ver alguém que não se identifica com a orientação LGBTQI+ tendo uma atitude como essa e acendendo um fósforo para uma revolução literária pautada no amor e nos livros – que foi o que se tornou a bienal.
CH: Qual foi a parte mais bonita da resposta à ação de Crivella que você viu por lá?
VINÍCIUS: As pessoas. A empatia. O amor. Todos estávamos conectados pela revolta, mas principalmente pelo amor. Pelo amor à liberdade, à literatura, às histórias, ao movimento LGBTQI+ e, principalmente, ao respeito.
CH: Antes de Feitos de Sol começar, você escreve uma carta emocionante ao leitor, relacionando sua vida com o que é contado no livro. Quais foram os maiores desafios de revelar sua história e se expor desse jeito?
VINÍCIUS: Escrever é um grande paradoxo para mim. Eu crio histórias, invento personagens, mas no fundo, muito dos sentimentos são meus. Eu tive um relacionamento que durou uns bons 6 anos e me marcou muito, e eu não conseguia seguir em frente após ter tomado um pé na bunda. Já havia se passado mais de um ano e ainda doía de uma forma paralisante. Então decidi escrever. Sabia que doeria enquanto o processo todo acontecesse, mas no final, eu me sentiria em um lugar melhor dentro de mim. Um lugar em que eu poderia me olhar com mais clareza. A carta foi feita porque prezo sempre por uma relação de sinceridade com meus leitores. Queria que eles soubessem que todos nós temos medos, traumas e dores, e tudo bem. Faz parte da vida.
CH: Quando foi que você teve certeza de que era gay? E como foi se abrir sobre isso com as pessoas?
VINÍCIUS: Com 16 anos eu já tinha certa certeza, e é engraçado porque eu não tive uma relutância interna. Sempre aceitei as diferenças de braços abertos, inclusive as minhas próprias. O problema maior foram os outros mesmo. Vim de um lar religioso que me trouxe alguns problemas. Demorou alguns anos, mas tudo melhorou bastante com o tempo.
CH: Porque decidiu escrever um livro que se passa nos anos 2000? Foi divertido revisitar detalhes do passado, como as músicas e as locadoras de vídeo?
VINÍCIUS: Eu já tinha uma versão do livro escrito, mas nos tempos atuais, em 2019 mesmo. Cícero e Vicente sempre foram meus protagonistas e viveriam a história de amor deles. A essência sempre se manteve. Mas depois de escrito, me peguei pensando que Feitos de Sol estaria num mar de boas histórias sobre descoberta, sem nada muito diferente para oferecer. Aí, por algum motivo, lembrei do meu medo a respeito do fim do mundo, e automaticamente esse pensamento me levou ao bug do milênio. Foi simplesmente um daqueles insights que acontecem do nada, no banho ou andando pela rua. Tive um brainstorm com o pessoal da minha editora e eles apoiaram minha decisão de escrever o livro todo do 0. Entre 1999 e 2000 eu era uma criança, mas tenho algumas lembranças bem gostosas da época, como os filmes, as animações, o ritual de ir à uma locadora. Quis trazer isso de volta com o livro.
CH: A dona Emir é uma avó cheia de personalidade. Foi inspirada em alguém especial?
VINÍCIUS: Em algumas mulheres. As minhas avós são figuras muito fortes, com convicções firmes, pensamentos livres, sabe? E além delas, uma vó emprestada que tive e que já faleceu se chamava Emir. Quis fazer uma espécie de homenagem à ela.
CH: Vicente sofre violência dentro da família por ser gay. Que palavras de conforto você daria para quem também passa por isso?
VINÍCIUS: Antes de tudo, é importante ter noção de que não há nada de errado com você. Nadinha mesmo. Sua orientação sexual e suas particularidades como indivíduo ainda serão exaltadas e são alguns dos fatores que o torna alguém especial. Nem todo mundo quer te ferir. E logo, logo você encontrará o amor e a aceitação da forma mais linda possível. Não desista de quem você é.