Rosalía faz pop e emoção se encontrarem na orquestra de ‘Lux’

Em seu quarto álbum de estúdio, a cantora espanhola bebe na música clássica sem alienar seus fiéis

Por Matheus Carvalho Atualizado em 7 nov 2025, 17h57 - Publicado em 7 nov 2025, 16h23
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uma noite quente de primavera, cerca de quarenta fãs se reuniram em uma sala toda branca, localizada no centro de São Paulo, com um objetivo em comum: ouvir o novo projeto da cantora espanhola Rosalía. Encarando uma cortina branca drapeada, os convidados embarcaram em um registro que parece sintetizar ao mesmo tempo que expande o universo criado pela artista.

 

Antes de qualquer nota sonora ser emitida pelas caixas de som levemente escondidas pelo tecido, Rosalía nos convidou a relembrar a última vez que estivemos em um ambiente completamente escuro e silencioso, privados de qualquer estímulo que não os provocados por nós mesmos. Se não fosse pela iluminação de segurança e pela própria projeção que assistimos, teria sido aquele local mesmo.

Lux’ começou de maneira até que tímida, com ‘Sexo, Violencia y Llantas’ título que remete a algo diretamente saído do álbum anterior da cantora, o ‘Motomami’, mas as semelhanças pararam por aí, pelo menos por ora. Se estabelece aqui um fio narrativo que nos apresenta uma relação entre duas partes, sendo esse relacionamento, nas palavras cantadas, uma espécie de prova da existência de Deus. Junto com ‘Relíquia’ e ‘Divinize’,  a faixa forma uma espécie de trilogia introdutória, com sonoridades crescentes, melancólicas e esperançosas.

Relíquia’, em especial, parece um guia para o resto das músicas, sendo uma das canções mais pop e de fácil digestão que encontramos nas 15 faixas do disco. Várias cidades e países são citados na letra, ilustrando locais onde a cantora encontrou muitas coisas e perdeu tantas outras, criando referências para os 13 idiomas utilizados por ela no decorrer do disco. Já ‘Porcelana’ traz o lado mais teatral e dramático do álbum com elementos eletrônicos atrelados à uma base de instrumentos de cordas.

Inteiramente produzida, composta e interpretada por Rosalía, ‘Mio Cristo Piange Diamanti’ consolida essa mesma energia e é toda cantada em italiano, com forte inspiração em árias, explorando liricamente interações que contextualizam a intimidade entre a protagonista e seu amado.

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Primeiro single do álbum, ‘Berghain’ foi inspirada em óperas alemãs que se destacam pela grandiosidade e intensidade. É nela que a cantora leva às últimas os temas de intimidade, amor e entrelaços em linhas como “O medo dele é o meu medo / A raiva dele é a minha raiva / O amor dele é o meu amor / O sangue dele é o meu sangue”. A faixa parece ser uma extrapolação da canção anterior, seguindo numa crescente da sonoridade até acabar em uma outro picotada e passional com os gritos de Yves Tumor.

Essa simbiose emocional que vem surgindo nas letras se torna tema recorrente a partir desse ponto, bem como o mote da “intervenção divina”, cantada por Björk em ‘Berghain’ e ecoada por Rosalía nas faixas restantes. A influência da cantora e compositora islandesa vai além da participação no single, podendo ser percebida no álbum inteiro, tanto pelo caráter de experimentação quanto por ter lançado diversos projetos com forte presença de orquestras.

O momento de intermissão ou intervalo vem com La Perla’. Por meio de uma melodia divertida de valsa em comédia romântica francesa, Rosalía passa 3 minutos e 14 segundos chamando seu ex-namorado, o cantor Rauw Alejandro, de encostado, interesseiro, sem noção e terrorista emocional. Em seguida, Novo Mundo’ trouxe sons do flamenco, se aproximando de ‘El Mal Querer’, segundo álbum da artista, enquanto ‘De Madrugá‘, a mais curta do projeto, virou um ponto enérgico na tracklist.

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Adentrando territórios mais pop, chegamos em ‘Dios Es Un Stalker’ – que resgata o tema da intervenção divina de forma peculiar, num esforço quase obsessivo para encantar o pretendente desejado. E, apesar de diversas declarações de amor, devoção e confissões íntimas, ‘La Yugular’ toma o posto de música mais romântica do álbum. “Eu ocupo o mundo e o mundo me ocupa”. Highlight total. ‘Sauvignon Blanc” segue a deixa e se derrama em romance com rimas simples e grudentas.

Há uma grande força narrativa em ‘La Rumba del Perdón’, que conta uma história de afastamentos e reaproximações. Vele mencionar como este álbum se torna um registro do controle e criatividade vocal que Rosalía possui. É interessante observar os sentimentos iniciais de paixão, amor e descoberta de intimidades, seguidos por momentos de insegurança, obsessão e ânsia por afirmação, desaguando em questionamentos de impacto na percepção alheia, relevância e influência.

Tematicamente a produtora acaba explorando as conexões humanas em praticamente todas as instâncias, tão bem quanto uma pessoa com a idade de cristo conseguiria registrar. Uma pessoa mais corajosa afirmaria que “La Rosalía” tentou sintetizar nesse álbum uma universalidade da experiência humana, algo como uma autobiografia que poderia ser sobre qualquer um que a lesse – ou nesse caso – que a ouvisse. Mas eu não faria tal afirmação.

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Na reta final do álbum, é resgatada a vontade de ser percebida, dessa vez pela ótica do legado e da marca no mundo, nesse caso a intervenção é humana. ‘Memória’ – uma belíssima amálgama entre o fado e o flamenco, toda cantada em português – conta com a participação de Carminho, uma cantora portuguesa que emprega sua poderosa voz para a pergunta incessante: “Ainda te lembras de mim?”. Em ‘Magnolias’, Rosalía fantasia sobre a própria morte e pede proteção na sua ausência. Assim que a última nota soa, é difícil acreditar numa realidade em que ela, ou esse projeto, possam ser esquecidos.

Rosalía nos conta quase que em confidência que, às vezes, o melhor lugar para se encontrar a luz é na escuridão. Durante as 15 músicas da versão standard do ‘Lux’, entendemos que talvez essa luz se esconda nas experiências e sentimentos que consideramos banais, rotineiros – mas que podem ser profundos e, por vezes, devastadores, atenuados apenas pelo tempo.

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