Protagonistas negros na TV constroem novo imaginário para o futuro
CAPRICHO conversou com especialistas e analisa o impacto que Taís Araújo, Bella Campos e outras atrizes negras em destaque geram na sociedade.

capa da CAPRICHO de abril de 2025 trouxe parte do elenco jovem da novela das 18h da Globo, Garota do Momento. Entre os rostinhos que podem ser vistos na televisão e na capa da CH estão as veteranas Duda Santos, Maisa Silva, Klara Castanho e Débora Ozório, além de novos talentos como Pedro Novaes, Rebeca Carvalho e Pedro Goifman.
Juntos, esses jovens encantam o público e têm levado aos lares brasileiros reflexões profundas sobre pertencimento no mundo, raça, classe e identidade de gênero. Tudo isso do jeitinho leve que só o horário novelesco da tarde pode proporcionar.
Essa estreia marcou um momento muito significativo na história da teledramaturgia brasileira: pela primeira, vez as três protagonistas do horário nobre da Globo, naquela época, eram interpretadas por atrizes pretas.
“Quando a ficção começa a ser interpretada por corpos diversos – como o de Taís [Araújo] e tantos outros – ocupando posições de poder e destaque, você passa a se acostumar a enxergar essas presenças. Isso contribui para a sociedade normalizar o convívio com corpos pretos, LGBTQIA+, indígenas, asiáticas, entre tantas outras”, afirma Rosane Borges, jornalista e consultora de Gênero e Raça da TV Globo, à CAPRICHO.
Naquela época, Gabz interpretava a Viola, em Mania de Você, às 21h, Jéssica Ellen a Madalena, de Volta Por Cima, no horário das 19h e Duda Santos, Beatriz, nossa Garota do Momento, às 18h.
Em 2025, Taís Araújo é protagonista de Vale Tudo interpretada originalmente por Regina Duarte, ao mesmo tempo que Clara Moneke chegou com tudo em Dona de Mim – e Garota do Momento continua no ar.
Ao lado de Taís Araújo, está Bella Campos que, em 1988, foi interpretada por Glória Pires. Juntas elas são mãe e filha na trama hoje reescrita por Manuela Dias.
“As mulheres pretas sempre foram vistas como corpos sexualizados ou colocadas em posições de rebaixamento, em um imaginário que associa pessoas negras à subalternidade. Agora, elas estão mostrando que podem ser qualquer coisa, inclusive empregadas domésticas, mas não apenas isso”, diz Rosane.
Representação negra ainda é escassa na televisão
Isso pode parecer novo, mas não é. Para que essas meninas chegassem neste lugar, outras mulheres precisaram batalhar – e muito – para que pessoas racializadas pudessem se ver em papéis de protagonismo. Podemos citar algumas delas, como Ruth de Souza, Zezé Motta, Camila Pitanga, Adriana Lessa e Sheron Menezzes e Taís Araújo.
Taís Araújo foi pioneira em diversos momentos da história da teledramaturgia. A atriz defendeu personagens como a Preta de Da Cor do Pecado (2004), a primeira protagonista racializada em toda a história da Globo. Alguns anos depois, ela viveu a icônica personagem Helena, de Manoel Carlos, em Viver a Vida (2009); esta foi a primeira vez que uma “Helena” foi interpretada por uma mulher negra no horário nobre.
Uma coisa está alinhada a outra, se a sociedade muda, os modos de consumo também vão mudar.
Rosane Borges, consultora de Gênero e Raça da TV Globo
Frequentemente, mulheres negras eram retratadas como secretárias ou empregadas domésticas na televisão — em especial, na teledramaturgia. A Helena, de Taís, não se encaixava em nenhuma dessas caixinhas de sub-representação: ela era uma modelo que estampava as capas de revista, desejava dar continuidade a uma carreira de sucesso e diferente das outras Helenas ela não tinha vontade de ser mãe.
Naquela época, a atriz enfrentou críticas ao sair nas ruas e lidar com um público que não estava acostumado com a sua presença no horário nobre.
“Uma coisa está alinhada a outra, se a sociedade muda, os modos de consumo também vão mudar. A perda de audiência faz com que a Globo pense que tem que dialogar mais com a sociedade, então, ela tá muito nesse empenho de ser plural e de falar com todo mundo e promover mais a conexão, já que sem a conexão não há audiência”, complementa Rosane.
“Eu cheguei a assistir ao Show da Xuxa em 1986 e todo mundo era muito branco, muito loiro e olhando para o nosso cenário. Você não vê pessoas deste perfil com muita frequência, você vê pessoas da minha cor [retinta], da sua [pele parda] que é muito mais comum nas ruas. A Globo vem tentando reparar esse passado de uma televisão que já foi muito branca”, completa.
As pazes com ‘Helena’ e o futuro da televisão
Taís passou mais de uma década falando abertamente sobre como ser aquela que abre os caminhos pode render experiências traumáticas. No final de 2024, Viver a Vida voltou para uma reprise inédita no Canal Viva depois de 15 anos e a atriz usou o momento para fazer as pazes com a sua Helena.
Nas redes sociais, ela disse que a personagem foi muito importante que ela se questionasse sobre uma série de coisas que nortearam seus passos profissionais e pessoais. Taís também diz que Helena mostrou para ela que a negritude era o seu maior diferencial em cada um de seus trabalhos.
Rosane Borges ressalta que a presença de Taís foi importante para que o Brasil visse que pretos e pretas podem ocupar espaços como aquele, e que mais do que isso eles estavam chegando de pouquinho em pouquinho e vinham para permanecer.
A fantasia serve para nos presentificar, são imagens de poder, então eu acho que vai impactar como exercício de uma sociedade mais plural.
Rosane Borges, consultora de Gênero e Raça da TV Globo
“É uma questão de ampliação de território, quando a Taís fala de todas essas questões, ela mostra como precisamos de mais diversidade na tela. Conforme mais pessoas chegam ela também deixa de ser a ‘preta única’. Nós temos várias atrizes como ela, mas que não tem a mesma visibilidade.”
Sobre os olhares para a juventude, a Consultora de Gênero e Raça da Globo afirma que a constante presença de protagonistas pretas na televisão pode impactar positivamente a juventude.
“Não estou sendo Poliana – aquela que vê só lado positivo das coisas – dizendo que o preconceito vai acabar. Eu acho que ainda vai demorar muito, mas essa presença impacta positivamente porque a juventude vai se habituando com o diferente”, ela continua: “A fantasia serve para nos presentificar, são imagens de poder, então eu acho que vai impactar como exercício de uma sociedade mais plural.”