Protagonistas negros na TV constroem novo imaginário para o futuro

CAPRICHO conversou com especialistas e analisa o impacto que Taís Araújo, Bella Campos e outras atrizes negras em destaque geram na sociedade.

Por Romulo Santana Atualizado em 19 Maio 2025, 11h12 - Publicado em 19 Maio 2025, 09h00
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capa da CAPRICHO de abril de 2025 trouxe parte do elenco jovem da novela das 18h da Globo, Garota do Momento. Entre os rostinhos que podem ser vistos na televisão e na capa da CH estão as veteranas Duda Santos, Maisa Silva, Klara Castanho e Débora Ozório, além de novos talentos como Pedro Novaes, Rebeca Carvalho e Pedro Goifman.

Juntos, esses jovens encantam o público e têm levado aos lares brasileiros reflexões profundas sobre pertencimento no mundo, raça, classe e identidade de gênero. Tudo isso do jeitinho leve que só o horário novelesco da tarde pode proporcionar.

Essa estreia marcou um momento muito significativo na história da teledramaturgia brasileira: pela primeira, vez as três protagonistas do horário nobre da Globo, naquela época, eram interpretadas por atrizes pretas.

“Quando a ficção começa a ser interpretada por corpos diversos – como o de Taís [Araújo] e tantos outros – ocupando posições de poder e destaque, você passa a se acostumar a enxergar essas presenças. Isso contribui para a sociedade normalizar o convívio com corpos pretos, LGBTQIA+, indígenas, asiáticas, entre tantas outras”, afirma Rosane Borges, jornalista e consultora de Gênero e Raça da TV Globo, à CAPRICHO.

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Naquela época, Gabz interpretava a Viola, em Mania de Você, às 21h, Jéssica Ellen a Madalena, de Volta Por Cima, no horário das 19h e Duda Santos, Beatriz, nossa Garota do Momento, às 18h.

Em 2025, Taís Araújo é protagonista de Vale Tudo interpretada originalmente por Regina Duarte, ao mesmo tempo que Clara Moneke chegou com tudo em Dona de Mim – e Garota do Momento continua no ar.

Ao lado de Taís Araújo, está Bella Campos que, em 1988, foi interpretada por Glória Pires. Juntas elas são mãe e filha na trama hoje reescrita por Manuela Dias.

“As mulheres pretas sempre foram vistas como corpos sexualizados ou colocadas em posições de rebaixamento, em um imaginário que associa pessoas negras à subalternidade. Agora, elas estão mostrando que podem ser qualquer coisa, inclusive empregadas domésticas, mas não apenas isso”, diz Rosane.

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Representação negra ainda é escassa na televisão

Isso pode parecer novo, mas não é. Para que essas meninas chegassem neste lugar, outras mulheres precisaram batalhar – e muito – para que pessoas racializadas pudessem se ver em papéis de protagonismo. Podemos citar algumas delas, como Ruth de Souza, Zezé Motta, Camila Pitanga, Adriana Lessa e Sheron Menezzes e Taís Araújo.

Taís Araújo foi pioneira em diversos momentos da história da teledramaturgia. A atriz defendeu personagens como a Preta de Da Cor do Pecado (2004), a primeira protagonista racializada em toda a história da Globo. Alguns anos depois, ela viveu a icônica personagem Helena, de Manoel Carlos, em Viver a Vida (2009); esta foi a primeira vez que uma “Helena” foi interpretada por uma mulher negra no horário nobre.

Uma coisa está alinhada a outra, se a sociedade muda, os modos de consumo também vão mudar.

Rosane Borges, consultora de Gênero e Raça da TV Globo

Frequentemente, mulheres negras eram retratadas como secretárias ou empregadas domésticas na televisão — em especial, na teledramaturgia. A Helena, de Taís, não se encaixava em nenhuma dessas caixinhas de sub-representação: ela era uma modelo que estampava as capas de revista, desejava dar continuidade a uma carreira de sucesso e diferente das outras Helenas ela não tinha vontade de ser mãe.

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Naquela época, a atriz enfrentou críticas ao sair nas ruas e lidar com um público que não estava acostumado com a sua presença no horário nobre.

“Uma coisa está alinhada a outra, se a sociedade muda, os modos de consumo também vão mudar. A perda de audiência faz com que a Globo pense que tem que dialogar mais com a sociedade, então, ela tá muito nesse empenho de ser plural e de falar com todo mundo e promover mais a conexão, já que sem a conexão não há audiência”, complementa Rosane.

“Eu cheguei a assistir ao Show da Xuxa em 1986 e todo mundo era muito branco, muito loiro e olhando para o nosso cenário. Você não vê pessoas deste perfil com muita frequência, você vê pessoas da minha cor [retinta], da sua [pele parda] que é muito mais comum nas ruas. A Globo vem tentando reparar esse passado de uma televisão que já foi muito branca”, completa.

As pazes com ‘Helena’ e o futuro da televisão

Taís passou mais de uma década falando abertamente sobre como ser aquela que abre os caminhos pode render experiências traumáticas. No final de 2024, Viver a Vida voltou para uma reprise inédita no Canal Viva depois de 15 anos e a atriz usou o momento para fazer as pazes com a sua Helena. 

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Nas redes sociais, ela disse que a personagem foi muito importante que ela se questionasse sobre uma série de coisas que nortearam seus passos profissionais e pessoais. Taís também diz que Helena mostrou para ela que a negritude era o seu maior diferencial em cada um de seus trabalhos.

Rosane Borges ressalta que a presença de Taís foi importante para que o Brasil visse que pretos e pretas podem ocupar espaços como aquele, e que mais do que isso eles estavam chegando de pouquinho em pouquinho e vinham para permanecer. 

A fantasia serve para nos presentificar, são imagens de poder, então eu acho que vai impactar como exercício de uma sociedade mais plural.

Rosane Borges, consultora de Gênero e Raça da TV Globo

“É uma questão de ampliação de território, quando a Taís fala de todas essas questões, ela mostra como precisamos de mais diversidade na tela. Conforme mais pessoas chegam ela também deixa de ser a ‘preta única’. Nós temos várias atrizes como ela, mas que não tem a mesma visibilidade.”

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Sobre os olhares para a juventude, a Consultora de Gênero e Raça da Globo afirma que a constante presença de protagonistas pretas na televisão pode impactar positivamente a juventude.

“Não estou sendo Poliana – aquela que vê só lado positivo das coisas – dizendo que o preconceito vai acabar. Eu acho que ainda vai demorar muito, mas essa presença impacta positivamente porque a juventude vai se habituando com o diferente”, ela continua: “A fantasia serve para nos presentificar, são imagens de poder, então eu acho que vai impactar como exercício de uma sociedade mais plural.”

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