I Saw the TV Glow faz das tripas, coração: o terror de crescer diferente
Após longa espera, filme de Jane Schoenbrun estreia no Brasil pela MAX e transforma a experiência queer da juventude em um terror psicológico

Saw the TV Glow não é um filme fácil de explicar. Dirigido por Jane Schoenbrun, o longa chega agora, em abril de 2025, ao streaming brasileiro pelo Max, um ano após sua estreia nos EUA. Tempo suficiente para que o mistério, a adoração e a frustração de alguns em torno dele só aumentasse.
A história segue Owen (Justice Smith), um garoto introspectivo que conhece Maddy (Brigette Lundy-Paine), uma adolescente um pouco mais velha, numa cidade onde nada acontece — exceto às 10 da noite, quando o canal local exibe The Pink Opaque, série teen de luta contra o mal com protagonistas com poderes psíquicos e um vilão chamado Sr. Melancolia.
A ficção televisiva serve como ponte entre Owen e Maddy — e como fuga de uma realidade onde nada parece fazer sentido, principalmente para quem está tentando entender quem é, num corpo e num mundo que não foram feitos para acolher.
Aos poucos, I Saw the TV Glow revela que não é um filme sobre a obsessão de jovens com uma série, mas sobre o que essa série representa. Para crianças LGBTQ+ em cidades pequenas, esse significado pode ser tudo. É sobre o impacto quase transcendental de uma história que diz, mesmo por entre monstros e filtros coloridos, que você não está sozinho. É também sobre o que acontece quando essa história acaba — e você precisa lidar com o mundo sem ela. E o mundo, no caso de Owen e Maddy, não tem espaço para quem é diferente.
Schoenbrun constrói uma narrativa onde o horror não está no sobrenatural, mas naquilo que é profundamente humano: a solidão, o desencontro com o próprio corpo, o desconforto de não se reconhecer no espelho nem na linguagem que os outros usam para te descrever. O filme retrata com crueza uma juventude queer sem amparo, que cresce cercada por silêncios: pais que não sabem como se conectar, escolas que não acolhem, amizades que se desfazem quando a “estranheza” começa a incomodar.
“Acho que gosto de programas de TV”, diz Owen, quando Maddy pergunta se ele gosta de meninos ou meninas. É uma resposta tão simples quanto devastadora — e absolutamente verdadeira para quem ainda não consegue nomear o próprio desejo.
“Quando penso nessas coisas, sinto como se alguém tivesse pegado uma pá e cavado o que eu tinha por dentro. Sei que não tem nada lá dentro, mas ainda fico muito nervoso para abrir e verificar”, ele completa. A sensação de estar oco, de carregar um vazio que ninguém ensina como preencher, se torna um fio condutor emocional da trama.
Visualmente, o filme é um delírio em tons roxos e rosados, com cenas que parecem sonhos lúcidos, ou pesadelos revestidos de neon. A trilha sonora é um show a parte. Com músicas inéditas de artistas como Caroline Polachek, as FAIXAS soam como pensamentos que o protagonista não consegue verbalizar.
Justice Smith entrega uma performance silenciosa, desconectada, atordoada — e, por isso mesmo, absolutamente dilacerante. Owen cresce sem crescer. Se apaga em um corpo que não reconhece. Se perde no tempo, nos anos, na própria vida. A linha entre realidade e fantasia vai se dissolvendo. E, no fim, o horror psicológico mais cruel talvez seja esse: nunca ter conseguido viver de verdade.
Mas, no meio disso tudo, aparece o grafite “ainda há tempo” — um lembrete discreto, mas essencial de que ainda é possível recomeçar, encontrar algo novo, se reconstruir. Talvez o tempo tenha passado, mas a possibilidade de mudança nunca é completamente perdida.
Para alguns, I Saw The TV Glow talvez soe como delírio. Para outros, como verdade. Ou como as duas coisas ao mesmo tempo. Afinal, às vezes, “Pink Opaque parece mais real que o mundo real.”