
O Esquema Fenício, novo filme de Wes Anderson, é bonitinho, mas ordinário
Com Mia Threapleton e Michael Cera no elenco jovem, o diretor faz um bom filme, mas parece viver um impasse com sua 'liberdade limitada'.
onhecido por sua excentricidade, enquadramentos perfeitamente simétricos e por revolucionar os blogs de cinema no Tumblr, Wes Anderson lança nesta semana seu esforço mais recente: O Esquema Fenício — filme que teve uma recepção consideravelmente morna na 78ª edição do Festival de Cinema de Cannes, onde ocorreu sua estreia mundial na última semana.
Nessa aventura de espionagem, Benicio del Toro é Zsa Zsa Korda, um magnata que precisa arrecadar fundos necessários para realizar a empreitada de sua vida que consiste em uma empresa que é um híbrido entre forte, hidrelétrica e porto localizado na região que costumava ser a Fenícia, no Oriente Médio – ou, pelo menos, algo nesse sentido. A explicação é nebulosa e, sejamos sinceros, meio irrelevante para a história.
Para conseguir os investimentos, Zsa Zsa pretende visitar uma série de amigos, conhecidos e parentes a fim de convencê-los a cobrir um rombo no orçamento causado pelo aumento no preço de rebites – que basicamente são pinos metálicos para construção.
Os empecilhos são um grupo de representantes do governo de diversos países que cansaram de serem ludibriados por ele e um inimigo misterioso que já tentou assassinar nosso anti-herói algumas vezes.
A primeira pessoa recrutada para essa missão é a velha dos 10 filhos de Zsa Zsa e única mulher entre eles: Liesl (Mia Threapleton, filha da Kate Winslet) é uma noviça de 20 anos prestes a submeter seus votos no convento em que vive desde criança.
A moça é convocada até a mansão do pai após seis anos sem vê-lo e informada que em breve se tornará — após um “período de teste” — a única herdeira de toda sua a fortuna e negócios.
O segundo convidado é um tutor particular especializado em insetos contratado para expandir os conhecimentos do bilionário em seu tempo livre, aqui interpretado muito bem por Michael Cera, que inventou um sotaque norueguês completamente removido da realidade, porém hilário.
Apesar de já ter trabalhado com Anderson no passado, del Toro parece não se encaixar perfeitamente no papel do protagonista. A impressão que fica é que ele interpreta a parte com um certo tom de ironia, coisa que não funciona com o humor seco presente na maioria dos roteiros do cineasta, atrapalhando o espectador na hora de se conectar com o personagem.
Por outro lado, Threapleton e Cera (surpreendentemente, esse é o primeiro encontro entre ele e o diretor) fazem ótimas estreias no mundo de Anderson, encontrando a linha perfeita entre a carga dramática apática e o humor. Se destacam também os inúmeros coadjuvantes de luxo como Scarlett Johansson, Benedict Cumberbatch, Tom Hanks e Bryan Cranston.
O que se sustenta em Wes Anderson continua presente
Você, leitor de CAPRICHO que gosta de cinema, vai entender: no filme, existe algo que sempre se sustenta nos filmes de Wes Anderson. E é o aspecto técnico da coisa.
Por isso, o design de produção, o figurino e os cenários que conjuram uma década de 50 ilustrada por móveis do meio de século, roupas confortáveis de corte sob medida em cores clássicas (como o vermelho, o azul-marinho, o branco e o mostarda), fora os azulejos que nos transportam para um lugar que fica suspenso entre o centro-europeu e o árabe, são perfeitos.
Entre os destaques, fica a trilha sonora, assinada por Alexandre Desplat, colaborador de longa data do diretor, que se diverte ao acompanhar estes aventureiros, espiões e guerrilheiros durante os 100 minutos de duração do filme. A direção de fotografia ainda segue os passos das últimas produções de Anderson, mas deixou a desejar em algumas cenas de ação.
Uma ‘treta de família’ sofisticada
No fim das contas, O Esquema Fenício conta uma história sobre família, legado e as mudanças que nossas relações interpessoais nos causam. E isso fica claro na exploração, mesmo que superficial, da maneira como Liesl vai perdendo seus hábitos beatos agora que existe no mundo de seu pai, se vendo seduzida pela riqueza e novas possibilidades de vida presentes ali.
Zsa Zsa também encontra na filha um novo ponto de vista do qual interpretar as próprias ações, abandonando práticas basicamente criminosas em favor da aprovação de Liesl e a adoção de seus valores.
Talvez esse não seja o melhor longa a explorar o aspecto familiar da experiência humana, e realmente não é. Mas é um filme consistentemente engraçado e muito bem produzido.
A impressão que fica é que a ideia poderia ter maturado por mais tempo antes de ser executada, e que falta o sentimento e o pulso que se fazem presentes em outras produções de Wes Anderson, como o ótimo Asteroid City e a série de curtas lançada pela Netflix no último ano, A Incrível História de Henry Sugar.
A receitinha criada por Wes vem funcionando há muito tempo, mas dessa vez parece que o bolo saiu do forno antes da hora.