Entenda polêmica e mudança de no elenco do filme Geni e o Zepelim
Diretora Anna Muylaert se pronunciou e produção substitui atriz cis após debate sobre representatividade e acusações de “transfake"

anúncio do filme Geni e o Zepelim, inspirado na canção homônima de Chico Buarque, provocou uma onda de críticas nas redes sociais e levantou um importante debate sobre representatividade no audiovisual brasileiro. A polêmica começou com a escolha da atriz Thainá Duarte, uma mulher cis, para viver Geni — personagem retratada como travesti na peça Ópera do Malandro, de 1978. Diante da repercussão negativa, a produção do filme decidiu substituir a protagonista por uma atriz trans.
A origem da controvérsia
A escalação de Thainá como Geni foi anunciada em 15 de abril. Segundo a proposta original da diretora Anna Muylaert (conhecido por dirigir filmes como Que Horas Ela Volta?), o longa se passaria na Amazônia e apresentaria Geni como uma mulher cis, moradora de uma cidade ribeirinha. A narrativa também teria um desfecho diferente do da personagem no musical, com o aval do próprio Chico Buarque.
No entanto, a ausência de uma atriz trans no papel principal gerou críticas imediatas. A produção foi acusada de praticar “transfake” — termo usado quando pessoas cis interpretam personagens trans. Para muitas vozes da comunidade LGBTQIAPN+, a escolha foi vista como mais um caso de apagamento da identidade trans em produções culturais.
Reação da diretora
Diante da repercussão, Muylaert se pronunciou em vídeo publicado nas redes sociais no dia 16 de abril. Ela explicou que a personagem não havia sido pensada como trans na releitura proposta e que diversas interpretações da figura de Geni foram consideradas durante o desenvolvimento do projeto.
“Durante o processo de criação deste filme, a gente entendeu que a letra do Chico e o conto do Guy de Maupassant, Bola de Seda, no qual o Chico diz ter se inspirado, poderiam ter várias leituras: poderia ser uma mulher trans; poderia ser uma mãe solteira; poderia ser uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade; poderia ser uma floresta atacada por oportunistas”, disse Anna.
“Quero abrir o diálogo e jogar a pergunta: essa letra do Chico, essa poesia, hoje em 2025, só pode ser interpretada como uma mulher trans? Se for esse o entendimento coletivo, a gente vai repensar o nosso filme”, continuou.
Repercussão entre artistas
Várias figuras públicas se manifestaram sobre o caso. Nos comentários do vídeo, Liniker, que foi capa da CAPRICHO em novembro de 2024, destacou a importância de se garantir oportunidades a atrizes trans: “Quando trazemos a reflexão em nossos textos desde que saiu essa matéria e nos posicionamos pelo apagamento, é por espaço e oportunidade que nos colocamos, por termos atrizes trans que poderiam sim dar vida a essa personagem tão icônica e já retratada tantas vezes como uma pessoa trans em montagens pelo Brasil.”
Camila Pitanga também comentou a decisão da diretora: “Você pode fazer o filme que quiser, com certeza… mas pondero que esta interpretação serve, sim, ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo, entende? É uma escolha que fere.”
Encontro com associação trans e mudança de elenco
Após a mobilização social, a equipe do filme se reuniu com representantes da APTA (Associação de Profissionais Trans do Audiovisual), que defendeu a importância de preservar a identidade travesti da personagem. Em 19 de abril, a produtora Migdal Filmes anunciou oficialmente a mudança na identidade da personagem e no elenco. A nota publicada nas redes afirmou:
“A decisão coletiva foi fruto da escuta atenta e do aprendizado de intensas trocas com pessoas de diferentes setores da sociedade. Compreendemos que o momento político global, e em especial o cenário transfóbico no Brasil, impõe a todas as pessoas uma postura ativa e comprometida.”
Anna Muylaert também voltou a se manifestar após o anúncio: “Foi um debate muito rico. Eu ouvi muitas vozes e pude entender a dimensão, a importância da personagem Geni para a comunidade trans. Foi um equívoco tratá-la como uma mulher cis, e peço desculpas a quem se sentiu apagada com essa ideia.”
Thainá Duarte publicou um comunicado confirmando sua saída do projeto e demonstrando apoio à decisão. “Lamento que todo esse processo tenha causado tanta dor. Reafirmo meu compromisso com a escuta, aprendizado e com a luta pela equidade. Boa sorte e todo meu carinho”, escreveu a atriz em seu perfil no Instagram.
A nova intérprete de Geni ainda não foi divulgada.
Ouça a música “Geni e o Zepelim”, de Chico Buarque: