Ebony não quer ser reduzida como artista no rap e recusa rótulos

Em conversa com a CAPRICHO, rapper fala sobre identidade, afetos, autocuidado e o impacto de se ver fora das caixinhas (e detalhes de seu show no The Town).

Por Arthur Ferreira 3 ago 2025, 15h00
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o meio da preparação para sua estreia no palco do The Town — ao lado de Karol Conká e Ajuliacosta, no dia 6 de setembro —, Ebony vive um momento de redescoberta pessoal que vai além da música. Após expor reflexões sobre a própria sexualidade nas redes sociais, a rapper falou com sinceridade sobre as dúvidas que tem enfrentado e a decisão de não se rotular neste momento em entrevista à CAPRICHO.

“Sempre fui abertamente bissexual, sempre me relacionei com mulheres, mas sempre tive dúvidas se eu realmente gosto de homens. É uma pergunta que eu sempre me fiz, mas nunca estive pronta pra tentar responder. Sinto que isso está acontecendo pela primeira vez na minha vida”, contou. Segundo ela, esse processo tem vindo junto com uma “descentralização dos homens” na sua vida, que aconteceu de forma natural e tem aberto espaço para um novo olhar sobre si mesma.

A artista também falou sobre o impacto que o olhar do público pode ter quando se trata da sexualidade de mulheres negras, especialmente as que, como ela, sempre falaram de sexo abertamente. “No fundo, as pessoas nem imaginam a quantidade de questões que a gente lida. […] Eu não tô aqui buscando validação masculina ou vendo mulheres como inimigas”, afirmou. “Me afeta ser reduzida a algo que não é verdade.”

Existem vários momentos em que eu me sinto muito encurralada para um discurso de competição feminina, quando na verdade eu só queria tá pegando a mulher.

Ebony para a CAPRICHO

Mesmo com o desejo de compartilhar esse processo com o público, Ebony preferiu não adotar um rótulo por enquanto. “Acho que a gente se colocar como algo sem ter certeza, ainda mais sendo uma pessoa pública — uma pessoa que outras meninas podem ver, se sentir influenciadas — exige muito cuidado. […] Está tudo bem em redescobrir a sexualidade. Não tem problema nenhum você ser gay e um dia viver uma viagem insana e beijar uma mina. A vida é mais que isso.”

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Essa honestidade também marca o álbum KM2, lançado neste ano, em que a artista mergulha em vivências da infância e adolescência em Queimados, na Baixada Fluminense. Em canções como Extraordinária e Parte do Mundo, ela mistura rap com gospel, funk, MPB e drum and bass para abordar temas como identidade, espiritualidade, traumas, autonomia e pertencimento.

“O que a Baixada Fluminense mais sofre é com a invisibilidade, sabe? A gente nunca é o polo cultural. A gente sempre tem que se deslocar para consumir cultura e as pessoas não necessariamente fazem o caminho oposto”, refletiu sobre as raízes que inspiraram o novo disco. “Eu sinto que muitas coisas acontecem na Baixada e deveriam estar recebendo atenção.”

 

Leia a entrevista completa com Ebony:

CAPRICHO: O que passou pela sua cabeça quando recebeu o convite da Karol Conká para subir no palco do The Town com ela e com a Ajuliacosta?

Ebony: Eu fiquei passado. Era uma hora da manhã e a Karol me ligou de vídeo e disse “E aí, mona? Vai estar fazendo o que dia seis?”. Ai, eu falei assim: “Como assim? Por quê?” Aí, ela: “Vamos tocar no The Town.” Aí, eu falei: “Vamos, que inferno.” Foi esse o convite. Foi muito do nada. Desde então, a gente está preparando umas coisas muito quentes. Eu tô muito feliz com o que eu vou entregar lá.

CH: Eu amei a sua imitação da Karol.

Ebony: Eu faço a voz dela o dia inteiro. Ela é perfeita.

CH: Nós entrevistamos a Karol recentemente e ela disse que te considera uma “professorinha” pela força das suas letras. Como você recebeu esse elogio e o que essa troca entre gerações representa pra você?

Ebony: É sempre muito bom ouvir elogios dela. Eu lembro que a Karol foi a primeira rapper de uma geração anterior a minha a me perceber. Isso foi muito icônico. Lembro que em 2019, quando eu ainda tinha uma carreira de 5 meses, eu fui para um evento com uma blusa com o peito de fora. Eu não estava nem aí para nada. Eu estava vivendo, tinha acabado de fazer 19 anos. E daí ela falou: “Ebony, eu estou ligada no seu corre e você não sabe quanto tempo eu aguardei até chegar uma Ebony”. Aí eu falei assim: “Grito”. E desde então a gente nunca mais parou de se falar. Foi assim que a gente se conheceu. Ela é perfeita, sempre me entende e me traz perspectivas novas. Sempre que a gente se encontra, ela me dá conselhos. É uma pessoa muito valiosa não só para música, mas para mim também.

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CH: Você faz parte de uma geração que viu a Karol Conká como uma das poucas representantes femininas do gênero aqui no Brasil. Agora temos mais mulheres pretas da cena ganhando espaço e uma nova geração de meninas escutando vocês. Como você percebe isso?

Ebony: Eu fico muito feliz porque eu me sinto parte de algo que é maior que eu. As mulheres negras estão fazendo tanto esforço há tanto tempo. Finalmente estamos vendo isso se respingando e se transformando em mais pluralidade, em mais opções de percepções sobre a gente. Não somos a mesma coisa, a mesma pessoa. Ver esse trabalho, que já é de anos e de muito esforço, finalmente se materializando nesse lugar de amplitude é lindo demais. Eu sou muito grata por fazer parte disso.

CH: Esse ano você lançou o KM2. Como tem sido ver a recepção do público com as novas músicas nos shows?

Ebony: Bizarro, insano. As pessoas nunca decoraram minhas músicas tão fácil, tão rápido. Nunca teve essa abertura e eu acho que grande parte vem do fato de que não é um disco tão verbalmente sexual, talvez. Ele não é um álbum que nem o Terapia, que foi uma pesquisa de fato sobre isso. Acho que as pessoas se sentiram mais confortáveis. Eu vi um movimento muito grande de crianças ouvindo e isso me mexe muito comigo, porque realmente são músicas que crianças podem ouvir, sabe? Algumas delas, não todas. Me perceber chegando nesse lugar artístico foi muito importante para mim.

CH: Qual é a sua faixa favorita desse álbum para cantar em shows?

Ebony: Eu ainda não cantei todas. Isso é difícil, mas eu já amei cantar Parte do Mundo e Extraordinário, que sempre foi minha música favorita. Tanto que quando KIA hitou mais que Extraordinário, eu fiquei triste. Fiquei feliz que eu estava hitando, mas eu fiquei tipo: “Ai, gente, my shayla”.

CH: E você está com uma turnê do KM2 chegando. Como está a expectativa?

Ebony: Estamos montando a minha primeira tour. Vai ser o primeiro momento que eu vou de fato cantar todas as músicas da forma que eu sinto que elas merecem ser cantadas. Na turnê, dentro daquela atmosfera visual de tudo que eu pensei e desenhei, vai ser outro babado. Eu tô muito ansiosa para os shows da Casa Natura, em São Paulo, onde vou abrir a turnê. Espero que todo mundo seja tocado em algum grau com o que eu estou preparando em todos os lugares que vamos passar.

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CH: Recentemente, você falou de forma muito sincera nas redes sobre estar se descobrindo lésbica, mas preferiu não se rotular agora. Por que foi importante dividir esse momento publicamente, mesmo sem ter tudo resolvido ainda?

Ebony: Eu sinto que tem muitas concepções sendo colocadas sobre mim, principalmente por eu ter sempre falado de sexo abertamente. No fundo, as pessoas nem imaginam a quantidade de questões que a gente lida. Antes da gente se entender como LGBTQIA+, as pessoas tentam entender a gente. Isso me pega muito. Existem vários momentos em que eu me sinto muito encurralada para um discurso de competição feminina, quando na verdade eu só queria tá pegando a mulher. Ninguém tá nem entendendo. A forma que as pessoas me veem dentro disso me afeta muito. Eu me sinto muito reduzida a algo que não é verdade. Eu não tô aqui buscando validação masculina ou vendo mulheres como inimigas. Eu sinto que isso tudo está muito atrelado a heterossexualidade. Sempre fui abertamente bissexual, sempre me relacionei abertamente com mulheres, mas sempre tive dúvidas se eu realmente gosto de homens. É uma pergunta que eu sempre me fiz, mas que eu nunca estive pronta para tentar responder. Sinto que isso está acontecendo pela primeira vez na minha vida. Acho que vem muito dessa descentralização de homens na minha vida, que tem acontecido de forma super natural, junto com a minha descoberta de mim mesma. 

CH: Você disse que não queria se rotular naquele momento e também não queria desrespeitar a bandeira. Como você enxerga essa responsabilidade com o seu público?

Ebony: Eu vejo as bandeiras e as comunidades como algo que não é, necessariamente, para todo mundo. Eu, inclusive, não sou uma dessas pessoas — mas, para muitas outras, foi uma forma de intenção de si, de se perceber enquanto indivíduo mesmo e de encontrar seu grupo. Então, eu tenho muitas amigas lésbicas, muitos amigos gays, muitas pessoas trans na minha vida, que são, que são a bandeira, como diria o Ney Matogrosso. Acho que a gente se colocar como algo sem ter certeza, ainda mais sendo uma pessoa pública — uma pessoa que outras meninas podem ver, se sentir influenciadas de alguma forma — exige muito cuidado. Sigo na letra B! Mas, definitivamente, eu gostaria que as pessoas soubessem que isso é o que passa na minha cabeça. Até pra elas entenderem que está tudo bem isso passar pela sua cabeça também. Está tudo bem em redescobrir a sexualidade. Não tem problema nenhum você ser gay e um dia viver uma viagem insana e beijar uma mina. O mundo não vai acabar, sabe? A vida é mais que isso.

CH: O KM2 mergulha na sua vivência em Queimados, de forma muito pessoal e corajosa. Desde o lançamento, você já conseguiu voltar à sua quebrada? Como foi a reação da galera de lá ao disco?

Ebony: Cara, eu consegui. Eu sempre volto lá, na verdade, porque meus pais moram lá. Foi muito bem recebido, assim. Eu vejo vários posts de pessoas que são da São Simão, que é, inclusive, o relato que abre o álbum. É sobre o assassinato de uma pessoa que era muito próxima a nós, lá do meu bairro. Eu sinto que as pessoas estão muito felizes de serem vistas. Porque acho que o que a Baixada Fluminense mais sofre é com a invisibilidade, sabe? A gente nunca é o polo cultural. A gente sempre tem que se deslocar para consumir cultura e as pessoas não necessariamente fazem o caminho oposto.

Lembro que muita gente falava: “Ah, a Baixada é boa pra sair dela”. Eu sinto que muitas coisas acontecem na Baixada e deveriam estar recebendo atenção. A infância na Baixada é uma experiência muito única. Nunca vai ser igual à infância na Zona Norte, ou no Centro do Rio. Eu queria muito trazer isso no disco. Queria que as pessoas que fazem parte disso falassem: “Caramba, ela entende. Ela sabe.” E isso tá rolando muito.

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CH: Nessa de mergulhar nas suas origens para fazer esse projeto, qual foi a parte mais difícil?

Ebony: Falar sobre meus traumas abertamente. Uma coisa sou eu no estúdio, falando com o microfone, num quartinho todo preto. Mas eu precisei pensar além porque eu nunca nem elaborei isso aqui direito dentro de mim então o que eu vou responder quando as pessoas me perguntarem? Como é que eu vou falar algo tão profundo sem ter a profundidade necessária pra acompanhar depois?

Essa foi a resposta que eu busquei durante os dois anos de produção desse álbum. Eu lembro que tinha músicas que, às vezes, eu não conseguia nem ouvir na audição. Quando estava só eu e os produtores, eu falava: “Não, pula essa aqui. Essa aqui deixa eu ouvir sozinha.” Porque era muito intenso, me atravessava. Era forte demais. Então eu voltei pra terapia. Fui me restabelecer, fui me retomar pela arte. Fui entender esses processos dentro de mim antes de colocar pro mundo. O KM2 é um projeto que só foi pro mundo quando eu estava pronta mesmo.

CH: Você contou que o álbum te aproximou de artistas da MPB. Como tem sido esse relacionamento? 

Ebony: Eu não podia ouvir música do mundo, né? MPB, por exemplo, eu não podia. Não podia ouvir Chico Buarque, nada disso. Jorge Ben Jor? Puts… Tábuas de Esmeralda? Muito “do diabo”. Eu realmente não podia consumir esse tipo de coisa em casa. Quando eu me reconectei com a MPB, vem toda uma comunidade muito aberta. Vem a Marina Sena, o Cícero Lins, a Clarice Falcão, que é uma amiga pessoal minha. Vem a Júlia Mestre, toda essa galera. Isso me pegou muito, ver que a galera tá disposta a dialogar com outras artes, com outras vivências. Sempre fui muito fã da Rita Lee. Eu definitivamente sinto que, no Brasil, só ela e a Elza Soares me entenderiam. Então veio um pouco daí essa minha conexão, esse apego, essa hiperfixação com a MPB.

CH: Por último, é verdade que você dublou o Gumball? Quais são seus desenhos favoritos?

Ebony: Eu gostaria muito que fosse verdade! Eu nunca assisti, tenho que parar pra ver. Eu amo desenhos, só que faz tempo que não paro pra assistir um mesmo. O último que eu vi, acho que foi Big Mouth. Juro, acho muito bom. Muito importante, na verdade.

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CH: Você tem um top 3 de desenhos?

Ebony: Para adolescentes assistirem, eu diria Big Mouth, que tem censura 16, eu acho, mas é interessante. Rick and Morty também. Acho que colocaria Rick and Morty até em primeiro. Para as crianças, Avatar: A Lenda de Aang. Icônico. Big Mouth é muito importante pra pré-adolescente assistir, viu? Mona, eu queria tanto que já tivesse lançado quando eu era pré-adolescente. Não custava nada!

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