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Conheça Lendários, um livro de fantasia que fala sobre luto e racismo

A autora Tracy Deonn conversou com a CH sobre seu processo de escrita e o carinho que vem recebendo dos leitores brasileiros

Por Gustavo Balducci Atualizado em 30 out 2024, 17h07 - Publicado em 3 out 2021, 11h36

Unindo magos, demônios e sociedades secretas, Tracy Deonn criou Lendários, uma obra de fantasia contemporânea única e poderosa que aborda questões sobre luto, racismo, ancestralidade e privilégios. Lançado no final de 2020, e publicado no Brasil pela editora Intrínseca, o livro de estreia da autora logo entrou para a lista de mais vendidos do The New York Times e foi indicado ao Hugo Awards, além de conquistar o prêmio Coretta Scott King-John Steptoe Award para Novos Talentos, que celebra livros escritos por autores negros.

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Na trama de Lendários, Bree é uma jovem de dezesseis anos que acabou de perder a mãe e se matriculou em um programa para alunos de excelência acadêmica da Universidade da Carolina do Norte. No intuito de recomeçar a vida, logo no primeiro dia de aula ela vê um demônio e descobre a existência dos Lendários, um grupo de estudantes que fazem parte de uma ordem milenar formada por descendentes dos Cavaleiros da Távola Redonda e do rei Arthur.

“O ato de escrever é a minha forma de refletir sobre ideias e processá-las. Quando a minha própria mãe morreu, eu percebi que ela perdeu a mãe dela com a mesma idade que eu a perdi, e o mesmo aconteceu com a minha avó e bisavó — um padrão estranho sem explicação. Eu comecei a imaginar uma história que pudesse explicar o padrão da perda na minha família, o que me levou a me perguntar: ‘De quem as vidas e perdas são lembradas e de quem são esquecidas?'”, disse a autora em entrevista à CH.

“Eu espero que os leitores saiam com um entendimento mais inclusivo de luto, porque não é uma coisa só. O luto é uma constelação de emoções, algumas traumáticas, e a cura não precisa se parecer com “superar” tudo isso. Às vezes a cura significa integração”. Leia a seguir nossa conversa completa:

CH: Mesmo que Bree tenha apenas 16 anos no livro, ela toma decisões maduras e é uma jovem muito decidida. O quanto você se identifica com ela?

Tracy: A Bree é bem como eu imaginava que eu poderia ser naquela idade, mas eu provavelmente não era tão audaciosa como ela é. A parte dela que é muito humana para mim é que ela pode ser tão confiante sobre as suas decisões erradas quanto ela é com as certas. Eu sou um pouco mais moderada e cuidadosa, quase ao ponto de ser um defeito. A Bree faz grandes saltos baseado no que ela sabe no momento, e eles frequentemente a metem em confusão.

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CH: Você também já foi aluna na Universidade da Carolina do Norte. Como foi criar uma história de fantasia que se passa num lugar real e que é tão familiar para você?

Tracy: A UNC-Chapel Hill é como uma segunda casa pra mim depois de estudar e completar duas graduações lá, trabalhando no campus e vivendo na cidade. A escola foi fundada no final do século XVIII, não muito depois da guerra de independência dos Estados Unidos, então ela é bem velha. É a escola pública mais antiga do país a graduar estudantes!

Quando eu era uma estudante universitária, eu sempre me sentia como se estivesse andando pela história em todo lugar que eu ia. A UNC parecia o lugar perfeito para uma história como essa, com várias histórias ocultas para se basear e elevar, e também o lugar perfeito para a Távola Redonda, baseada no Reino Unido, ter fundado um novo capítulo nos Estados Unidos.

CH: E quanto das suas experiências pessoais na universidade influenciaram o livro?

Tracy: A UNC-Chapel Hill tem várias sociedades secretas que todo mundo meio que sabe sobre e aceita, mesmo que ninguém saiba como eles recrutam ou o que eles fazem atrás de portas fechadas. Eu não era parte de uma, mas eu era de uma organização estudantil que era muito velha, e tendo participado desse grupo eu ganhei uma percepção de grupos estudantis que tem suas próprias vidas privadas e culturas próprias.

Eu me lembro de andar pelo campus à noite como estudante e de sentir a idade da terra e das construções, e me perguntando sobre as possibilidades da história e das histórias não contadas. A longa história da universidade é entremeada no enredo, e eu acho que vários alunos e ex-alunos vão reconhecer algumas dessas referências. A experiência de ser uma aluna na Carolina no outono é algo realmente singular, e eu espero ter conseguido capturar mesmo que uma fração desse sentimento.

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CH: Lendários traz ainda uma releitura sobre as histórias do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda. O que chamou sua atenção nessa lenda?

Tracy: Eu nem comecei pelo rei Arthur! Eu iniciei com a Bree e a sua pergunta: “O que aconteceu com a minha mãe?” A sua dor, raiva, e bravura através desse mistério são a fonte de todas as suas decisões. Esse ponto de partida me levou a questões sobre legado e lenda, o que me levou ao rei Arthur, então eu sabia que eu queria trazer essa lenda para a história de uma forma moderna e crível.

Eu também queria muito explorar a ideia de legado e lendas pela minha própria experiência, do mundo da nossa provavelmente mais proeminente e longeva lenda, do rei Arthur, e da experiência de ter crescido na América do sul onde legados são uma fonte constante de discussão.

CH: Você realmente criou uma mitologia única para o livro. Adorei que os poderes de Bree foram inspirados pelas tradições espirituais e parte da história afro-americana. Como foi seu processo de pesquisa para criar essa parte da trama? Aprendeu muita coisa?

Tracy: Eu fiz toneladas de pesquisa para Lendários. Como uma ex-acadêmica, pesquisa é muito importante pra mim, então eu passei uns anos juntando e revisando documentos primários, falando com consultores e especialistas no assunto, e reunindo notas.

Eu trabalhei com um consultor da língua galesa e medievalista, dois medievalistas americanos, e consultei duas pessoas treinadas em esgrima para cenas de luta. Para a história do campus, eu pesquisei bastante fontes primárias sobre o campus da UNC, e me baseei nas minhas próprias experiências lá como graduanda dupla.

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CH: O livro aborda muito bem questões de representatividade e diversidade. Você sente que ainda faltam histórias como a sua no mercado?

Tracy: O mercado editorial tradicional sempre teve uma escassez de autores negros e BIPOC (negros, indígenas e pessoas de cor) escrevendo sobre personagens negros e BIPOC, e a escassez perdura até agora apesar das coisas estarem indo em uma direção melhor. Como uma mulher negra que nunca se viu nas suas histórias favoritas de fantasia para jovens adultos enquanto crescia, eu senti (e ainda sinto) uma compulsão profunda em ver uma adolescente negra centrada em uma história extensa, imersiva e fantástica.

Eu escrevi um livro que eu sempre quis ler e experimentei coisas, de um ponto de vista do ofício e do gênero, que eu nunca vi antes. Em particular, ganhar o prêmio Coretta Scott King-John Steptoe foi como um reconhecimento não só do trabalho que eu pus nesse romance, mas do trabalho que o romance em si pode fazer no mundo. Eu estou muito orgulhosa de mim mesma e do time editorial que ajudou a trazer Lendários a vida, e eu me sinto encorajada a tomar riscos e continuar escrevendo histórias que me empolgam.

CH: Histórias de fantasia, muitas vezes, funcionam como análises e metáforas sobre a nossa sociedade. Você também enxerga Lendários dessa forma?

Tracy: Sim, eu acho que sim. Era muito importante para mim que o Lendários fosse igualmente contemporâneo e fantasia, e não só um gênero ou o outro. Eu acho que lendas como a do rei Arthur, e a romantização de histórias antigas com elementos fantásticos e feitos, desempenham um grande papel em como nossa sociedade imagina a si mesma. No meu livro, nós vemos como uma imersão nos dias modernos em uma lenda heróica antiga vem com um custo.

CH: No Brasil, os bookstans estão apaixonados por Lendários e todos comentam nas redes sociais sobre a importância de histórias como essa serem publicadas por aqui. Que recado você gostaria de deixar para seus leitores brasileiros?

Tracy: Eu amo os leitores brasileiros! Os fãs que chegaram até mim foram tão entusiasmados, e muitos são muito criativos com as suas postagens nas redes sociais. Primeiramente, eu gostaria de agradecer aos leitores brasileiros por apoiarem Lendários antes mesmo dele ser lançado no Brasil. Em segundo lugar, eu gostaria de dizer que os brasileiros foram os primeiros leitores internacionais a me contarem histórias pessoais de como o livro as tocou, com relação a raça e colonização. É uma honra fazer parte dessas conversas.

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CH: E o que podemos esperar para a sequência de Lendários? Pode nos contar um pouquinho sobre?

Tracy: Olha, eu não posso compartilhar nenhum detalhe muito importante ainda, mas eu vou te dizer que a sequência se baseia naquilo que é exposto no primeiro livro, toda a magia é levada um nível adiante, e a Bree encontra membros da Ordem novos em folha!

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