Balada de outro mundo

Mandamos nosso repórter enfiar o pé na jaca (ou ao menos tentar) no Second Life (secondlife.com).

Por Da Redação Atualizado em 5 nov 2024, 16h07 - Publicado em 19 nov 2007, 14h18

Meia-noite. Está começando mais uma balada em Badlands, o ponto mais movimentado de Second Life. A entrada é gratuita, e não há filas ou seguranças decidindo quem pode ou não entrar. O local é uma enorme casa à beira-mar, com paredes em pedra azul escura, um grande arco na entrada e janelões no segundo andar, onde fica um confortável lounge.

No primeiro andar, nenhuma frescura : uma pista de dança ao centro, com uma parte mais elevada em volta, com algumas máquinas de vídeo-pôquer, postes de dança e algumas mesas para se descansar do agito. O chão da pista tem chamas amarelas desenhadas, e do teto desce um gigantesco cubo com desenhos de mulheres sensuais, letreiros mandando que se dance e um número 69, onde se deve tocar para começar a dançar. Luzes piscam por todos os lados, e mesmo a decoração de natal segue o clima de luxúria do local, com direito a pôsteres de strippers vestidas de mamãe Noel, e postes de dança no formato de bengalas de doce. Pelo menos não está nevando .

Na pista, dançam voluptuosas mulheres em escassa lingerie, algumas patricinhas, homens musculosos e sem camisa, um rapaz topetudo saído diretamente dos anos 50 e até mesmo um demônio, de pele pálida, imponentes asas negras com mais de dois metros de altura e os inconfundíveis chifres. Todos são magros e bonitos, inclusive eu, modéstia à parte, com minha jaqueta metálica e meu cabelo cinza um pouco descabelado (“parece o Jim Jarmusch”, me diz o Emiliano).

Ao som de muito techno, todos se balançam alegremente e conversam através de um sistema muito parecido com qualquer sala de chat que você já tenha visto.

Meio-dia. Sentado em frente ao computador, música techno saindo das caixinhas de som, penso na pobreza do prato de almoço que estou segurando: um filé de frango recheado, uma colher de arroz e uma dose reforçada de salada de alface e tomate. Maldito regime .

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O verão, enfim, chegou com toda força e o calor é tanto que nem o ar-condicionado consegue dar conta. De bermuda, camiseta e chinelos, fico desejando estar em algum lugar no hemisfério Norte, com pinheiros, neve e tudo aquilo que um verdadeiro Natal deveria ter.

Meu quarto, onde está o computador, é pequeno. As paredes estão precisando ser pintadas, há livros empilhados por todos os lados e há uma pilha de roupas sobre a cama, onde a empregada as deixou para que eu me lembrasse de guardá-las no armário. Definitivamente, não é um ambiente de festa .

A parte mais complicada de ir em uma balada virtual enquanto se almoça é ficar trocando dos talheres para o teclado. Mas, felizmente, as conversas não são muito interessantes, então acaba sendo mais produtivo apenas ficar assistindo às frases surgindo na tela: “esse lugar tá bombando”, “a DJ está massacrando”, “quero ver todo mundo rebolando nessa pista!” e coisas do tipo.

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Depois de meia hora assistindo ao desfile de avatares (é o nome dado aos bonequinhos de cada jogador) e ouvindo música techno, resolvo sair à cata de alguns brasileiros. Sei que, em algum lugar deste mundo, fica um lugar chamado Central do Brasil, um refúgio para quem não fala inglês muito bem, está procurando um emprego ou precisa comprar uma camiseta da seleção brasileira.

Ah, não sabiam que existem empregos em Second Life? Pois cinco minutos depois de chegar à praça da Central do Brasil, com direito a um enorme pinheiro coberto de neve e um presépio em tamanho real, já fui aliciado por um jovem de colete de couro e longos cabelos negros (o que, na minha “Primeira Vida”, eu chamaria de metaleiro), que buscava seguranças para o bar em que trabalhava como DJ – e também dançarinas, mas para esta vaga eu não tinha a qualificação necessária.

Por aqui, tudo é produzido pelos usuários, desde os prédios até seu próprio visual. Então, a melhor maneira de ganhar dinheiro é sendo bom em construir objetos e vendê-los para quem não tem paciência de fazê-lo. Na Central do Brasil, por exemplo, você pode encontrar camisetas de times de futebol, havaianas, calças da Gang, tudo o necessário para não se sentir muito longe de casa.

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Além da praça, com as lojas, há também uma pista de dança e a cabana de uma rádio – a Rádio Yep, primeira rádio brasileira de Second Life. Por lá acontecem algumas festas, que atraem moradores de todos os cantos do jogo. Mas se você quiser fazer uma balada entre outros brazucas, podendo falar português sem se estressar, a melhor pedida é o Pantera Cor de Rosa.

Apesar do nome, nada lá é rosa. O teto é negro, e as paredes e o chão parecem ser feitos de luz verde. Até mesmo os alto-falantes das caixas de som são verdes. Em uma parede, um pôster com letras verdes sobre um fundo preto remete ao filme The Matrix.

O local é menor e mais aconchegante que o Badlands, mas a dinâmica é a mesma de tantos outros lugares: toca-se em uma bola sobre a pista para começar a dançar, e fica-se conversando como em uma sala de chat enquanto os bonequinhos se remexem ao som do que estiver tocando (quanto lá estive, parecia ser uma noite de heavy metal, com direito a Iron Maiden e Judas Priest). A conversa também não é muito diferente: “vc eh o glamouroso da balada!!!!!”, “olha a zona que estão fazendo em cima da pobrezinha da mesa”, “tira a camisa!!!”.

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Já livre do almoço, cheguei até a buscar uma cerveja na geladeira para tentar entrar no clima da balada. Embora já tenha deixado meus dias de metaleiro para trás, este tipo de música também me agrada bem mais do que o eletrônico que rolava em Badlands.

Ainda assim, é difícil passar por cima do fato de que estou em casa, suando, de bermudas e chinelo, olhando para a tela do computador. A verdade é que sinto falta de tudo aquilo de ruim que as baladas têm: o som alto demais a ponto de não se conseguir conversar, a fumaça de cigarro, o atrolho e o empurra-empurra, o barman mal-humorado.

No fim das contas, as baladas em Second Life não são muito diferentes de uma sala de chat normal. Tirando-se a música e o ambiente 3D, a verdadeira interação se dá através de linhas de texto em seqüência, como em tantos outros chats. Mesmo que você vá em um clube onde se possa andar pelado, com enormes genitálias, e as pessoas façam sexo em público, depois de rir um pouco pelo ridículo do ambiente, o que sobra são as pessoas dizendo “agora tira sua calcinha e senta no meu Edílson”.

Ah, sim, o que me lembra: como praticamente qualquer balada da vida real, Second Life é só para maiores de 18 anos. E como em praticamente qualquer balada da vida real, dificilmente alguém irá lhe pedir identidade, mas não reclame se algum responsável descobrir e lhe enxotar de lá.

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