Viajantes querem honrar Juliana Marins sendo mulheres livres e sonhadoras

Elas não aceitam a narrativa do medo e da irresponsabilidade que tenta fazer com que elas parem de acreditar que a vida é para ser vivida

Por Juliana Morales 26 jun 2025, 15h00

“Não é um momento fácil para nenhuma viajante, nenhuma mulher que sonha alto e já foi chamada de doida ou de irresponsável por isso”, descreveu Julia Smith, 23 anos, sobre a notícia da morte de Juliana Marins na última terça-feira (24), após cair durante uma trilha na Indonésia e demorar quatro dias para ser resgatada.

A jovem, que viaja sozinha desde os 18 anos, começou a compartilhar sobre a vida nômade e seus mochilões nas redes sociais há três anos, “porque sentia falta de ver mulheres jovens, como ela e como a Juliana, tendo a oportunidade e também a coragem de desagradar e de fazer algo diferente do caminho que esperavam que elas trilhassem”.

“O que mais nos encanta em viajar é acessar versões nossas que a gente não conheceria se ficássemos para sempre na nossa cidade natal. É se permitir conhecer novos sabores, ouvir novas perspectivas, ver novas paisagens. Tudo isso ativa os nossos sentidos e traz um brilho para a vida”, diz à CAPRICHO.

Julia faz questão de pontuar que essa coragem de se aventurar e explorar o mundo afora não é inconsequente e irresponsável, como alguns discursos têm tentado usar o caso de Juliana para defender. “Quando inspiramos mulheres a serem livres e a viajarem, não estamos ignorando os riscos, estamos escolhendo que vamos enfiar o medo no bolso e ir mesmo assim”, diz. “E não é por causa disso que merecemos que alguma tragédia aconteça com a gente”, completa.

Julia durante sua viagem à Machu Picchu, no Peru.
Julia durante sua viagem à Machu Picchu, no Peru. Arquivo Pessoal/Reprodução

A nômade digital Tauana Bonazzi, 31 anos, conta, com a voz embargada, o quanto foi angustiante acompanhar todos os desdobramentos e o desfecho trágico do caso Juliana. “É uma história que me atravessa muito porque literalmente poderia ter acontecido comigo dezenas de vezes”, observa. Isso, inclusive, fez com que ela olhasse para o passado, para passeios e aventuras que fez, e questionasse se ela foi imprudente em algum momento. 

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“Mas, de fato, quando eu paro para pensar com um pouco mais de racionalidade, vejo que, assim como Juliana não foi imprudente, eu e boa parte das minhas amigas também não fomos”, afirma. “Não é muito cultural que nós mulheres sejamos imprudentes em relação às coisas. Muito pelo contrário: somos muito mais atentas, ansiosas e medrosas pela forma como somos criadas mesmo”, explica.

Camille Carboni, 28 anos, que também é apaixonada por viajar e explorar o mundo na sua própria companhia, entende que é “normal ficar mais consciente da nossa vulnerabilidade quando casos assim infelizmente acontecem”. Assim como Tauana e todas as viajantes com quem conversamos, ela também se colocou no lugar da Juliana e pensou: ‘poderia ter sido eu’, mas lembra que o que aconteceu com ela poderia ter acontecido com qualquer outro viajante, sozinho ou não, e até tomando os cuidados necessários. “Até porque ela não foi sozinha para a trilha: ela estava em um grupo, acompanhada por um guia”, pontua.

E vale lembrar também que os riscos estão em toda parte: viajando sozinha ou acompanhada, passando a sua vida inteira em uma única cidade, atravessando a rua ou subindo vulcões. “É claro que alguns riscos são maiores do que outros. Casar com um homem, por exemplo, é mais arriscado do que viajar sozinha”, diz, referindo-se aos altos índices de violência doméstica e feminicídio que enfrentamos.

Para Camille, é muito claro: o que estamos vendo com comentários negativos sobre a Juliana ter viajado sozinha são a velha tentativa de controlar mulheres com a desculpa do “cuidado”, “que nada mais é do que disfarçar que nos enxergam como incapazes quando não estamos acompanhadas”. 

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O que não é verdade. Ao revisitar novamente suas memórias de viagens pelo Brasil, Tauana lembra das experiências incríveis das quais viveu, todas paisagens, cheiros e texturas e “coisas maravilhosas que a natureza pode nos proporcionar”. “Tomar um bom banho de cachoeira, sabe? Vai além de ver, nós sentimos. Foram dias que eu me senti muito feliz, muito viva e conectada comigo mesma”, descreve.

Do lado esquerdo, Camille na Albânia, e, no direito, Tauana
Do lado esquerdo, Camille na Albânia, e, no direito, Tauana em Itacaré, na Bahia. Arquivo Pessoal/Reprodução

Thaís Carneiro, 35 anos, idealizadora do grupo ‘Mulheres Viajantes’, diz que, como viajante, se sentiu dilacerada com o que aconteceu com Juliana Marins. E, como historiadora, ela percebe que essa narrativa do medo e do perigo, que cerca o caso, é “usada para impedir que as mulheres ocupassem os espaços públicos, tivessem sua voz reconhecida, fossem entendidas como sujeitas históricas capazes de criar”. 

“Fomos criadas em uma sociedade que restringe o ir e vir das mulheres. Somos ensinadas a como andar, como se alimentar, como se movimentar, como falar para sermos reconhecidas como garotas respeitáveis. Qualquer desvio dessa narrativa é lido como incorreto. Sendo que muitas dessas ações, se fossem feitas por homens, não receberiam o mesmo julgamento”, diz à CAPRICHO. 

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Todos esses apontamentos sobre os riscos de fazer uma trilha não podem abafar a sucessão de erros que forma cometidos com o acidente da brasileira e os procedimentos para o resgate. “Houve negligência e abandono por parte da instituições responsáveis: a agência de viagens, o parque, o governo da Indonésia”, afirma Thaís. “Devemos reivindicar das instituições e órgãos competentes uma organização mais adequada para nos receber. Afinal, o mercado do turismo é extremamente rentável e pouco regulamentado ao redor do mundo”, completa. 

Julia reforça a falta de infraestrutura e de responsabilidade das autoridades que deveriam fornecer uma estrutura adequada para o turismo, citadas por Thaís. “Ficamos acompanhando com uma sensação de impotência e injustiça, de saber que poderia ter dado tempo, deveria ter dado tempo”, lamenta a jovem, que constata: “É um mundo que não está preparado para abraçar essa nossa liberdade e para fornecer um suporte adequado, mesmo quando a gente paga e se planeja para tal”.

Thaís durante sua viagem à Bolívia.
Thaís durante sua viagem à Bolívia. Arquivo Pessoal/Reprodução

A mensagem que fica disso tudo, segundo Tauana, é que “tenhamos respeito pela natureza e cuidado”, mas que, acima de tudo, “responsabilizemos as pessoas que devem ser responsabilizadas” e que isso não paralise garotas e mulheres. Pelo contrário, que isso que aconteceu as movimente ainda mais para continuar ocupando os lugares e realizando sonhos, assim como Juliana, que amava viajar, realizou alguns dos dela.

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“Eu acho que viver livremente e não desistir de ver o mundo é a forma mais bonita de honrar uma mulher corajosa, que passou por uma coisa tão horrível como ela passou.”

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