Pelo. Substantivo masculino. Filamento ceratinoso que cresce em praticamente toda a superfície do corpo, segundo definição do Dicionário Aurélio. Todo mundo tem. Inclusive, nós já nascemos cheinhos de pelos corporais. Alguns, com mais. Outros, com menos. Homens e mulheres. Não existe um padrão. Quer dizer, até existe: todos nós temos pelos. Então, por que eles continuam sendo um tabu em determinadas situações?
Nas últimas semanas, os ânimos ficaram especialmente aflorados na internet impulsionados por questões políticas. Mais uma vez, algumas pessoas decidiram ser preconceituosas e desinformadas o suficiente para criarem e compartilharem publicações como essa:
Sem entrar em méritos políticos, porque, caso contrário, a matéria seria tão longa quanto a Muralha da China, internautas pegaram uma foto que mostra vários Chewbaccas reunidos e deram a entender que eles representam as feministas. “Se jogar uma gilete, elas saem correndo”, está escrito na legenda da imagem. Fica claro que todos que compactuam com essa ideia acreditam que todas as feministas da face da Terra são peludas e não se depilam. Fica claro também que eles acreditam que pelos corporais são sinônimos de sujeira. E eles também acreditam que os pelos são capazes de definir todo um posicionamento político. Incrível, não? Agora, se você tem muito pelo, não pode nem seguir certa ideologia. Mas, se você tem pouquinho pelo, tudo bem, está liberado, tudo em ordem.
Não é de hoje que, erroneamente, algumas pessoas, tanto homens quanto mulheres, relacionam o feminismo a pelos corporais. Parece que, quanto mais feminista você é, mais pelos vai ter. Consequentemente, quanto mais pelos você tem, mais “nojenta” é. “Feminista vive postando na internet que tem o direito de ser peluda. Aí vem uma cantiga dizendo que possuem mais pelos que cadela e vira um mimimi danado! É legal ou não ter pelos? Decidam!“, escreveu um internauta, referindo-se a uma marchinha criada por eleitores de determinado candidato à Presidência (#elenão será citado aqui, mas você sabe quem é o político em questão) que diz o seguinte: “(…) pras feministas, ração na tigela. As minas de direita, são as topo mais belas, enquanto as de esquerda têm mais pelos que as cadelas.”
Usar o didatismo é a melhor maneira de desmistificar qualquer mito e esclarecer algumas besteiras que ouvimos por aí. No caso em questão, vamos até enumerar para facilitar a compreensão:
1) “Toda feminista tem pelos”
É claro, feministas são seres humanos e seres humanos possuem pelos – e por toda a parte. Agora, dizer que “toda feminista é peluda” é errado. Não existe nenhum tipo de carteirinha ou contrato que você assina quanto se descobre feminista dizendo que nunca mais vai raspar ou depilar os pelos corporais, que não vai mais passar batom vermelho ou se maquiar, que não vai mais pintar as unhas. Feminismo não tem absolutamente nada a ver com ter ou não pelos.
2) “Ah, mas então por que algumas feministas ostentam suas axilas peludas por aí?”
Porque elas querem. E porque é exatamente isso que o feminismo defende. Não os pelos, mas a liberdade de você poder fazer o que quiser com eles e com qualquer outra parte do seu corpo e da sua vida. É sobre ter controle, sobre decidir e ter autonomia. É legal ter pelos, assim como é legal não ter também. Mas o mais legal de tudo é poder ter o livre-arbítrio para tomar a decisão que mais te agrada como pessoa. Além disso, algumas mulheres fazem questão de mostrar que não se incomodam com seus pelos corporais porque esse ato ainda revolta tantas pessoas e levanta altas reflexões sobre padrões de beleza. Por que os pelos corporais nos homens são socialmente mais aceitos que os pelos corporais nas mulheres? Não é tudo pelo, afinal? Não é tudo perna? Não é tudo sovaco? Não é tudo bumbum?
3) “Ter muito pelo é anti-higiênico.”
Você já se perguntou por que têm pelinhos no nariz? Eles funcionam como uma espécie de filtro, que impede que sujeiras e bactérias que estão no ar entrem nas suas vias aéreas. As sobrancelhas e os cílios têm praticamente a mesma função: impedir que impurezas entrem nos seus olhos. Os pelos localizados nas regiões íntimas também servem como proteção. É claro que, por questões hormonais, algumas pessoas têm mais ou menos – e o excesso de pelos também pode sinalizar problemas de saúde. Mas a questão é que os pelos existem porque são biologicamente importantes para o corpo humano. Logo, não poderiam nem ser anti-higiênicos, já que é algo natural. Convencionalmente, entretanto, fomos ensinados a entender que pessoas peludas são “porcas”, “sujas”, “fedidas”, “preguiçosas”… Olha, desculpa, mas preciso dar um Spoiler sobre essa história: é tudo balela.
4) “(…)têm mais pelo que cadelas.”
Eu queria realmente ter a certeza de que qualquer pessoa consegue entender o quão problemático é comparar uma mulher a uma cadela. Infelizmente, não tenho. É ofensivo. Não, não é legal também para o homem ser chamado de cachorro. Apesar de que alguns realmente se vangloriam ao descobrir que são os “cachorrões do pedaço”. E sabe por quê? Cultura patriarcal. Ela ensina que os garotos precisam ser viris, machos, garanhões. É exatamente isso que explica também o porquê de comparar garotas a cadelas na sociedade machista em que vivemos é mais problemático e um ato que vem carregado de significações.
5) Gillette é com duas letras “Ls” e duas letras “Ts”, e é uma marca. O mais correto é dizer lâmina.
É importante destacar também algumas palavras que são constantemente usadas na tentativa de ofender as mulheres: “gorda”, “peluda”, “lésbica” e “feminista”. Nenhuma dessas palavras ofende porque nenhuma delas é realmente uma ofensa. Uma pessoa gorda é só uma pessoa gorda. Uma pessoa peluda é só uma pessoa peluda. Dependendo do contexto, uma lésbica não é só uma lésbica. Tem toda uma questão política e social por trás dessa denominação. Mas, sim, uma lésbica é uma lésbica e uma feminista é uma feminista. Wow, hein? Quantos “xingamentos”!
Mas então por que os pelos corporais femininos ainda incomodam tanto? Por pura falta de conhecimento e interpretação de texto. Mas acho que algumas coisas ficaram bastante esclarecidas aqui, não?
Deixem nossos pelos em paz!