“Sinto que ‘desabafei’ por muita gente”. Sim, a garota que sofreu abuso no ônibus me representa!

As lições que alguém que já viveu uma situação semelhante tirou desta história - e que você, tendo passado ou não por isso, também pode tirar

Por Da Redação Atualizado em 4 nov 2024, 15h50 - Publicado em 6 mar 2015, 19h49

Imagine um ônibus em pleno sábado, às 6h. Quem sofre com a muvuca dos dias de semana logo pensa: vazioooo! Eu, pelo menos, pensava assim. O ano era 2002 e eu, uma adolescente que madrugava trabalhando em um cursinho pré-vestibular em troca de uma bolsa de estudos.

Entrei, fui direto para um banco da janela (privilégio de sábado, sabe como é) e, cansada, cochilei. De repente, alguém se sentou ao meu lado. Cheguei a protestar mentalmente, afinal, havia tantos lugares vazios! Mas o sono falou mais alto e voltei a dormir. Acordei com a pessoa se mexendo muito e, quando me virei, dei de cara com um homem segurando… bom, segurando aquilo que o faz um homem com H #sqn. Num movimento rápido, virei para a janela e voltei a olhar para ele. Por alguns segundos, nem meu inconsciente acreditou naquilo.

Não sei como, mas levantei e fui para o corredor. Minhas pernas tremiam. Minha respiração estava ofegante. Achei que não conseguiria sequer alcançar o cobrador. Ao chegar perto dele, comecei a falar desesperadamente. Sentia meu corpo se desfazendo, como se a qualquer momento fosse desabar e virar um monte de pó – quem sabe assim eu poderia sair voando pela janela? Não precisei de mágica, pois o homem apertou o botão de parada e desceu.

Para ele, era só esperar outro ônibus e, quem sabe, encontrar uma outra menininha para quem pudesse ?se exibir?. Para mim, era um momento de medo, humilhação e total sensação de impotência, que só consegui superar tempos depois.

Na última terça-feira (3/3), uma adolescente de 16 anos do Rio de Janeiro encarou algo semelhante. A Bruna* (nome fictício, ok?) estava indo para a escola quando cochilou e, ao despertar, encontrou um homem com a mão embaixo de sua saia. Pelo Whatsapp, a garota pediu ajuda ao pai, que é taxista e começou a ir em direção ao ônibus. Ele acabou encontrando a polícia, que conseguiu prender o suspeito.

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Nem preciso dizer que lembrei da minha história na hora, né? Procurei a garota, conversamos muito e, depois de digerir o fato e refletir bastante, aprendi (ou reforcei) algumas lições importantes para mim, para a Bruna, para você e para qualquer pessoa:

– Acredite, você não tem culpa de nada. Eu também não tive.

A Bruna estuda em um colégio de formação de professores e seu uniforme é aquela típica roupa de colegial: saia de pregas e camisa. “Os homens mexem muito com a gente na rua. Tanto é que criamos uma campanha dizendo que nossa roupa é uniforme, não fetiche sexual. Mas a ideia não é mudar o uniforme e, sim, a cabeça dos machistas”, disse.

Até hoje, eu me lembro da roupa usava naquele ônibus. Calça jeans e blusinha preta. Nada de perna de fora, nada de decote, nada. No início, pensava muito nisso, só para ter a certeza de que não estava com nada que chamasse demais a atenção. Mas espera aí, para tudo! O modo como me visto não tem nada a ver com isso! Não é o meu armário que precisa mudar! Afinal, ninguém tem que aprender a se proteger de um abuso. As pessoas têm que aprender que ele simplesmente não pode acontecer.

P.S.: para ser machista, você não precisa ser um homem. Tudo é uma questão de mentalidade.

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– Confie no poder da sua voz e não se cale. Nunca! #GirlPower

“Na hora que acordei, perguntei o que ele estava fazendo. Ele pegou o celular e fingiu que nada havia acontecido. Na delegacia, eu o encarei muito, pois queria olhá-lo no olho. Mas ele desviou todas as vezes”, contou a Bruna. Bom, ELA não poderia fingir que nada havia ocorrido. Assim como encarou o homem que a agrediu, a garota decidiu encarar o problema. “Depois que as notícias foram publicadas, várias pessoas vieram me procurar para contar que já tinham passado por coisas parecidas. Muitas vezes dentro de casa, com o próprio pai. Chorei bastante ouvindo essas histórias. Sinto que ‘desabafei’ por muita gente”.

Eu, por exemplo, não escondi o que aconteceu comigo, mas preferi não comentar nada com a minha mãe nem para o meu pai, para não preocupá-los, sabe?. Não alertei minha irmã, que pega ônibus todos os dias para ir à faculdade. Não me calei, mas poderia ter feito mais.

A Bruna aproveitou que no próximo domingo (8/3) comemora-se o Dia Internacional da Mulher e, junto com alguns amigos, organizou uma manifestação. O ponto de encontro será o Posto 5, em Copacabana (no Rio de Janeiro), às 13h30. Para divulgar o evento, foi criada a hashtag #EuMereçoRespeito . De lá, as pessoas seguirão para o Posto 4, onde se juntarão ao movimento do Dia Internacional da Minissaia, criado para defender o direito de mulheres usarem as roupas que desejarem sem ser desrespeitadas.

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Me representou! 😉

– Valorize seus amigos verdadeiros – o que inclui sua família

“Vou estar sempre com você”. Esta foi a frase que a garota ouviu do pai, um verdadeiro herói, vamos combinar! A família ficou ao lado dela o tempo todo. E com os amigos não foi diferente. “Tinha muito medo de que as pessoas me julgassem, mas comecei a receber um monte de mensagens de apoio. Minhas amigas enviaram fotos com cartazes, foi muito legal. Na quinta, resolvi voltar para a aula. Pedi para que ninguém comentasse muito o assunto e foi tudo bem. Meu pai me levou, mas, mesmo estando um pouco insegura, sei que tenho que voltar a ir de ônibus em breve”, disse.

– As pessoas nem sempre vão ajudar, mas é importante se manter forte

Se você acompanhou a história esta semana, deve ter visto que alguns sites mostraram prints da troca de mensagens entre a garota e o pai. Até falar com ela, eu não tinha percebido algo: a imagem de fundo do celular traz duas meninas dando um selinho – no caso, a Bruna e a irmã. “Algumas pessoas começaram a me julgar nas redes sociais por causa da foto”, afirmou.

É sério que diante de uma história como esta as pessoas perdem tempo espalhando o preconceito na internet? Tsc tsc tsc #prioridades.

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– Transforme a dificuldade em aprendizado – é clichê, mas é verdade

Não pude deixar de perguntar que sentimentos vinham à cabeça dela quando pensava naquele homem. “Sinto raiva. E pena da família, que talvez nem tivesse ideia de nada ou, quem sabe, até sofresse com os abusos dele. Mas, depois de ver como eu representava tanta gente, decidi terminar essa história de um jeito feliz”.

Eu também! 😉

*O nome da garota foi trocado para preservar sua identidade.

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