Confissões digitais: como o ChatGPT virou confidente e ‘ombro amigo’

Se você aí do outro lado já perguntou à ferramenta se "é normal eu não saber quem eu sou?" ou "como lidar com a ansiedade sem ninguém saber?"...

Por Juliana Morales Atualizado em 9 ago 2025, 14h47 - Publicado em 9 ago 2025, 13h00
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designer e mãe do Theo, de 17 anos, Estéfi Machado perguntou ao ChatGPT quais eram os questionamentos que os jovens mais faziam à inteligência artificial.

A resposta do chatbot surpreendeu a criadora de conteúdo ao revelar que os adolescentes brasileiros recorrem mais à tecnologia para tentar entender questões existenciais e profundas, como “é normal eu não saber quem eu sou?” ou “como lidar com a ansiedade sem ninguém saber?”, do que para tirar dúvidas mais práticas.

Ao compartilhar com seus seguidores sua descoberta, ela esclareceu que não se tratava de uma pesquisa com dados e fontes oficiais, e, sim, de uma consulta que ela fez diretamente do seu celular, no próprio chat GPT. Estéfi também deixou claro que post não teria uma conclusão ou moral da história, mas serviria de convite para uma discussão sobre por que os adolescentes estão preferindo ter conversas como estas com um robô do que com os pais, por exemplo.

“Eu também fazia essas perguntas [existenciais] nos anos 80, só que não era para uma máquina, era para um amigo ou respondendo um teste da CAPRICHO. Mas parece que muitos adultos esquecem como foi ser um adolescente, e então acham tudo mimimi ou não dão acesso para os filhos terem uma conversa mais acolhedora, sem julgamento, dentro de casa”, diz em entrevista à CH.

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E a CAPRICHO foi perguntar, mas não para o chat

Mesmo que não haja pesquisas oficiais ou dados disponibilizados pela Open AI, dona do ChatGPT, que comprovem ou não os dados do post de Estéfi, relatos de jovens mostram que a IA virou, para muitos, um espaço de desabafo e ajuda, sim.

Rhyan Reis, integrante da Galera CAPRICHO de 14 anos, descreve o ChatGPT como um “melhor amigo em muitos momentos”. Ele usa a IA para fins escolares, como pesquisa para um trabalho ou correção de redação, mas também no âmbito pessoal.

“Quando eu me sinto mal ou preciso de respostas sobre a vida, peço conselhos ao chat e, muitas das vezes, ele me ajuda”, conta. Em uma dessas vezes, o jovem perguntou ao chatbot “como lidar com críticas na adolescência sendo um menino ‘diferente’?”.

“Eu não sei se isso é comum, mas sou difícil de confiar em qualquer pessoa. Confio em poucos, mas tem assuntos que, muitas vezes, eu não consigo falar com ninguém, com medo do julgamento”, explica o motivo de recorrer ao chat. “Às vezes, os pais não nos entendem. Mas também tem coisas que eu não consigo falar, somente escrever, e sei que o chat não vai me julgar”, completa.

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Às vezes, os pais não nos entendem. Mas também tem coisas que eu não consigo falar, somente escrever, e sei que o chat não vai me julgar.

Rhyan Reis, 14 anos, Galera CAPRICHO.

A sonhadora Lavínia Azanã, de 15 anos, gosta de imaginar sua vida no futuro, e conta que “adora fazer isso com a ajuda da inteligência artificial”. “Normalmente, eu gosto de fazer umas perguntas mais amplas como: ‘levando em consideração esses meus sonhos, me monte uma realidade perfeita’. Sinto que essas brincadeiras, por mais que bobas, fazem com que eu me sinta mais perto e mais capaz de ver meus sonhos se tornarem realidade”, explica.

Ela diz que, para ela, a maior finalidade do app é montar futuros roteiros de sua própria vida, e isso é uma ótima saída para quando ela fica perdida sobre qual caminho seguir. “Ontem mesmo, durante um daqueles surtos de ‘a partir de amanhã, farei tudo certo, tudo será diferente’, passei horas me divertindo e explorando as possibilidades que a vida pode oferecer”, relatou à CH.

Sinto que essas brincadeiras, por mais que bobas, fazem com que eu me sinta mais perto e mais capaz de ver meus sonhos se tornarem realidade

Lavínia Azanã, 15 anos, Galera CAPRICHO.
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“Eu até converso bastante sobre o futuro com as pessoas que me rodeiam, mas sinto que quando falamos com algo inanimado, que não pode te julgar ou até contar para ninguém, você acaba naturalmente se sentindo mais a vontade para compartilhar certas metas”, completa.

Mas é preciso ter cautela, viu?

Rhyan contou que se sente acolhido pelo chat, mas tem total consciência das restrições que a ferramenta tem, e que nem sempre as respostas são como ele gostaria que fossem. E esse é um ponto que muitos educadores, psicólogos e especialistas tem discutido e se preocupado: os riscos da inteligência artificial ser usada como apoio emocional e para fins terapêuticos.

Segundo um levantamento publicado na revista Harvard Business Review em abril deste ano,  o aconselhamento terapêutico se tornou o principal objetivo das pessoas ao utilizar ferramentas de IA, seguido da busca por uma companhia. 

Por mais que a tecnologia crie diálogos super completos, e até dê conselhos que parecem fazer total sentido, é preciso ter em mente que chats interativos baseados em inteligência artificial (IA), como o GPT, funcionam como uma sequência de palavras organizadas de acordo com um padrão de linguagem, criado por meio de análise de milhares de dados.

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Em entrevista à Agência Brasil, a conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP) Maria Carolina Roseiro apontou que o aumento da procura por essas ferramentas tem um lado positivo. “Acho que isso indica, de um modo geral, que as pessoas estão dando mais atenção para o seu cuidado em saúde mental”, explica.

Mas é preciso fazer algumas ressalvas, segundo a especialista: “Os riscos vêm justamente do fato de que poucas pessoas entendem como essas interações funcionam. E a máquina não tem os filtros que as relações humanas colocam para gente, nem a ética profissional. Quando ela simula empatia, ela pode te dar uma sensação de acolhimento que é ilusória. Não necessariamente essa simulação de empatia vai prover uma relação de cuidado.”

Estéfi, que fala muito sobre adolescência em suas redes e se dedica muito a criar uma relação aberta e acolhedora com seu filho Theo, de 17 anos, sempre aconselha que os pais se aproximem dos seus filhos, conheçam seus interesses e troquem informações sobre o que eles gostam, deixando os julgamentos de lado e criando momentos em família. Para a nossa galera, o conselho é bem semelhante: ter mais compreensão e também ficar mais aberto para trocas e conversas com os pais.

Essa aproximação, que é construída aos poucos, é que vai garantir uma abertura maior para fazer as perguntas, que muitos jovens, hoje, só fazem para o chat. Além disso, vale lembrar da importância dos profissionais de saúde mental para ajudar com angústias e crises, certo?

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