Ser bagunceiro é uma forma de você se afirmar no próprio mundo
Especialista em bagunça analisa o comportamento do jovem em relação à organização e dá dicas para a nossa galera
uita gente descreveria ‘bagunça’ como oposto de organizado – um amontoado de coisas aleatórias em um local onde não deveria estar. Mas para Carol Ferraz, que estuda o comportamento e a mente de bagunceiros na USP, esse conceito vai muito além: carrega aspectos sociais, culturais, geográficos e até particularidades relacionadas à idade do indivíduo. Para a nossa galera, por exemplo, a bagunça é uma forma de se afirmar no próprio mundo, segundo a especialista.
Na adolescência, quando vive-se na casa dos pais ou responsáveis, o lugar privado do jovem é o quarto. Nessa idade, para o desenvolvimento psíquico, o adolescente precisa estabelecer limites (como você bem sabe, né, leitor(a) da CH?). “Ser bagunceiro é uma forma, então, de comunicar que o quarto, esse espaço de exploração de identidade, é privado e pertence a ele”, explica Carol.
Por isso, grande parte dos jovens usam a bagunça, de diferentes jeitos, para se autoafirmar. “O caminho oposto também pode acontecer, o jovem ser extremamente organizado, principalmente quando seus pais são muito bagunceiros”, diz.
Outro aspecto que explica a tendência da nossa galera em ser bagunceira na juventude, de acordo com Carol, é a relação que temos com os nossos objetos e como usamos eles para simbolizar as fases da nossa vida. “A adolescência é uma transição de ciclo constante. Passamos por “pequenas mortes” de quem nós somos o tempo todo. Nós vamos descobrindo quem nós somos, essa versão vai morrendo aos poucos, e depois a gente renasce diferente”, explica.
A forma que encontramos para lidar com o fim de tantos ciclos é por meio do acúmulo de trecos e objetos que marcaram as nossas diferentes fases. “Você compra coisas e depois tem dificuldade de desapegar delas, porque elas simbolizam uma pessoa que você já foi e, muitas vezes, você não sabe como se despedir dela, mesmo que aquilo não te representa mais”, diz Carol. O problema é que essas recordações físicas vão crescendo e o tamanho do quarto continua o mesmo.
“É muito divertida a experiência de abrir o armário de uma pessoa que tem 23 anos. Ela tem roupa de criança, com florzinha e tudo, tem peças da fase gótica, da era clean girl, messy girl, aí começa a aparecer uma roupa social porque ela acabou de entrar para o mercado de trabalho e quer parecer mais adulta. Tudo isso no mesmo lugar”, observa a especialista, a partir das suas pesquisas empíricas.
E quando a bagunça fica preocupante?
Primeiro, é bom deixar claro que não é porque existem evidências sobre jovens serem propícios a bagunçarem, que isso significa que a bagunça, sem controle e limites, não é prejudicial e que deve ser aceita em qualquer circunstância, viu? Na verdade, é preciso prestar atenção no quanto ela está te atrapalhando.
Carol destaca dois comportamentos nos quais devemos ficar alertas. O primeiro é uma dificuldade muito grande de desapegar e jogar as coisas no lixo – o que pode gerar um acúmulo excessivo. O outro problema é quando o indivíduo não diferencia a bagunça da sujeira. “Comida dentro do quarto e roupa suja muito tempo são indicativos de que é preciso olhar para isso e melhorar”, alerta a especialista.
Por meio da sua pesquisa histórica e de campo, Carol percebeu que a ideia de bagunça na nossa sociedade está muito ligada à questão visual. A maioria das pessoas entendem que uma mesa cheia de coisa está bagunçada, mas quando transferimos todos aqueles objetos para dentro de um armário fechado, aquilo já não se configura mais como bagunça – mesmo que não tenha uma lógica de organização. Isso explica porque muita gente tem um “gaveta da bagunça” ou “quartinho da bagunça” para colocar objetos que não tem categorização. Com o tempo, isso pode atrapalhar bem mais do que ajudar.
Dicas para jovens melhorarem a bagunça
A seguir, compilamos as dicas da Carol Ferraz para a nossa galera controlar a bagunça e ter uma organização mais efetiva. Confira!
Pare de comprar coisas para uma vida imaginária
Sabe quando você se inspira em filmes ou na vida de uma blogueira muito distante da sua e acaba comprando roupas, acessórios ou objetos que não úteis para sua realidade? Aí fica lá no seu armário e você pensa em desapegar, mas, ao mesmo tempo, idealiza que vai usar em um dia no futuro – mesmo sabendo que isso nunca vai rolar. No fim, essa vida imaginária atrapalha a organização da sua vida de verdade.
Separe o serve para o seu coração e para o seu corpo
Como já falamos no começo deste texto, costumamos guardar roupas como uma forma de preservar memórias de uma fase da vida que já passou, mas isso pode gerar um acúmulo desnecessário e favorecer a bagunça. A dica, então, é separar o que serve para o seu coração, como lembrança, e aquilo que de fato faz sentido para o seu corpo de hoje – se servir para os dois, é o cenário perfeito. Mas sem radicalismo, tá? Se você não se sentir preparada para desapegar de algo que já não lhe cabe mais, tudo bem, coloque em um cantinho e, uma hora, você vai rever essa decisão.
Não use a organização para procrastinar
Nos deparamos com uma enxurrada de vídeos no TikTok sobre formas de organizar a mesa de estudos, métodos para usar vários post-its e canetas coloridas. Essas estratégias podem, sim, ajudar bastante, mas é preciso tomar cuidado para elas não tomarem tempo demais e acabarem sendo usadas para procrastinar atividades que precisam ser feitas ou momentos de estudo.
Converse com seus pais ou responsáveis sobre organização
Sim, vale falar sobre organização e bagunça com os adultos, para evitar choques de geração sobre o tema. O que para eles sempre funcionou, talvez, para você, não faça tanto sentindo, e isso precisa ser conversado. A verdade é que ninguém nos ensina a organizar as coisas de uma forma muito realista, né? Na internet, há vários conteúdos com dicas, mas que são baseadas em fórmulas prontos, que podem não se encaixar para todo mundo. Por isso, entender seu comportamento e como você lida tanto com a organização como com a bagunça é muito importante – a partir disso, você consegue pensar em estratégias que suprem suas necessidades de verdade.
Coloque limites na sua bagunça
Faça um pacto com você mesmo e com a sua bagunça. Tenha um limite de coisas espalhadas e por quanto tempo elas podem ficar ali. Por exemplo, você pode combinar que pode deixar a roupa que está jogada na cadeira por três dias, depois desse prazo, você, definitivamente, precisa olhar para isso.
Preste atenção nos seus hábitos
Tem jovem que ama dobrar roupa, porque coloca um podcast ou assiste a um dorama enquanto organiza, e isso é até uma forma de relaxar para ele. Por outro lado, tem gente que odeia dobrar roupa. Nesse caso, a solução é se adaptar e dar um jeito de pendurar tudo, ao invés de se forçar para fazer uma coisa que odeia e que, no fim, você acaba deixando de lado. Mais uma vez, é importante entender seu comportamento e o jeito que você vai se encontrar nesse espaço.
Invista em praticidade
Às vezes, compramos uma lixeirinha para o quarto, pequena, cheia de detalhes fofos, mas pode ser muito mais prático ter uma lata de lixo maior perto de você, para jogar tudo que for necessário e não deixar espalhado. Outro exemplo: se você percebe que o seu cabideiro está alto para você pegar, abaixa o cabideiro para você conseguir guardar aquilo com facilidade. Tenha um lugar fixo para colocar as coisas da escola ou da faculdade – assim quando você acordar atrasado ou estiver com pressa, sabe que tudo está ali e não esquecerá nada.
“A minha maior dica é sempre reparar no que é mais difícil para você manter organizado. Se você está tendo dificuldade é porque tem alguma coisa errada, e, geralmente, é a quantidade de coisas acumuladas ou a dificuldade de guardar”, finaliza Carol.