Não é novidade para ninguém que o futebol feminino no Brasil, assim como em outras partes do mundo, sofre diariamente com a falta de apoio, de patrocinadores e até de público, respeito e valorização. Tudo isso, aliás, é proveniente de um preconceito enraizado de pessoas que ainda acreditam que lugar de mulher não é no campo ou nas arquibancadas. O que pode ser novidade para algumas pessoas, contudo, é o fato de que todos esses obstáculos que as atletas e meninas que gostam de jogar bola por lazer precisam lidar são resquícios de uma época – não tão distante assim – em que as mulheres eram proibidas por lei de praticar esportes no Brasil.
Por volta da década de 20, surgiram as primeiras referências de partidas de futebol disputadas entre mulheres no Brasil, normalmente em periferias. A prática foi crescendo aos poucos e, em 1940, o Estádio do Pacaembu, em São Paulo, foi palco para um jogo feminino polêmico, entre as equipes Cassino Realengo e Sport Club Brasileiro. Apesar de ainda não ser proibido por lei, o futebol era uma modalidade considerada masculina e violenta; e ver mulheres jogando em um estádio não agradou boa parte da população.
A proibição veio oficialmente em 1941, com um processo de regulamentação da modalidade no Brasil. Foi instituído o decreto de lei nº 3199, Art. 54, que determinava que mulheres não deveriam praticar esportes que não fossem “adequados a sua natureza”, sem citar nenhum especificamente, mas deixando claro que rolou um incômodo generalizado de ver mulheres jogando bola. Os detalhes da proibição vieram logo depois, em 1965, durante a Ditadura Militar. Dentre os argumentos usados para proibir a modalidade feminina na época, esses eram os principais:
- Preservação da moral e dos bons costumes
Ou seja, a ideia de que a mulher tinha o papel de “bela e recatada” não combinava com a figura feminina disputando partidas de futebol, que eram consideradas violentas. - Preservação de uma estética de feminilidade
Havia quem acreditava que jogar futebol poderia, de certa forma, “masculinizar” o corpo da mulher, o que era inaceitável para uma sociedade que valorizava os traços femininos e a delicadeza da estética feminina. - Preservação da função reprodutiva da mulher
Sim, também existia o pensamento de que praticar esportes poderia prejudicar a função reprodutiva da mulher, visto que a sociedade da época também valorizava a “responsabilidade” da mulher de poder gerar filhos. - Preservação dos valores da mulher
Também consideravam que o espírito competitivo e a vontade de vencer, que são características em qualquer esporte, poderiam transformar a personalidade feminina.
Não existem muitos registros de futebol feminino durante esse período de proibição, mas o que se sabe é que circulavam muitas notícias sobre mulheres jogando futebol escondido. Em 1979, a lei que proibia as mulheres de praticarem esportes foi revogada, mas foi apenas em 1983 que o futebol feminino foi oficialmente regulamentado como modalidade esportiva. Isso significa que faz apenas 36 anos que o governo brasileiro permitiu o futebol feminino em competições, estádios e escolas. Mas, apesar da grande e demorada conquista, o futebol feminino não recebeu o mesmo incentivo e apoio dos clubes e federações que o masculino recebia. E é assim até hoje.
A primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino aconteceu só em 1991, 61 anos depois da primeira edição da masculina. A primeira Olimpíada demorou ainda mais: somente em 1996. Uma Libertadores feminina? O mundo só pôde ver isso, pela primeira vez, em 2009. Dez anos atrás. Falar sobre o futebol feminino é isso: não apenas dos incríveis gols de Marta ou dos recordes inacreditáveis de Formiga, mas também dos longos anos de repressão, proibição, preconceito, barreiras, atrasos, retrocessos e a trajetória repleta de resistência que o futebol feminino carrega. Coisas que quem só conhece e assiste ao futebol masculino, apesar de também ser maravilhoso, jamais entenderá.
Vai que é tua, mulherada! O Brasil inteiro está olhando e torcendo por vocês <3 #CHnaCopa