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Promovendo autoconhecimento, coletivo abraça a pluralidade da mulher negra

Taya Nicaccio, da Galera CH, entrevista as criadoras do podcast que apresenta novas narrativas, e histórias contadas e partilhadas por mulheres negras

Por Taya Nicaccio, da Galera CH Atualizado em 10 ago 2020, 18h20 - Publicado em 7 ago 2020, 11h21

Oi, gente! Aqui é a Taya Nicaccio e hoje eu vou apresentar para vocês um coletivo composto por nove mulheres negras que falam sobre autoconhecimento, maternidade, sexualidade e carreira profissional, trazendo representatividade, criando laços, memórias e novas narrativas. Recentemente, eu compartilhei no meu perfil do Instagram alguns podcasts que costumo acompanhar com certa frequência, e um deles é o do @siriricas.co! Ele é essencial para nós, mulheres, e principalmente para nós, mulheres negras. Em entrevista à CH, as criadoras compartilharam como surgiu o coletivo, a relação delas com o corpo e como estão se cuidando durante a quarentena.

Da esquerda para a direita: Ingrid Reis, Marcela Pereira, Amanda Porto, Beatriz S., Tainá Lopes, Kenya Odara, Ana Beatriz, Karina Queiroz, Andrea Mamel e Flávia Alves @mayagmrs/Divulgação

Sabemos o quanto os padrões eurocêntricos são reforçados e nos atingem diretamente, bem como alguns estereótipos representados em sua maioria pela mídia, que contribuem e reforçam a imagem racista e machista que a sociedade tem quando o assunto são mulheres negras, ou seja, um olhar que precisa ser descolonizado. Por essas e outras circunstâncias históricas, o corpo negro é hipersexualizado. Entretanto, quando pensamos em gênero e educação sexual, alguns pontos importantes vêm à tona e nos fazem questionar de que maneira nós, mulheres, fomos ensinadas a nos comportar, diferente dos homens, e consequentemente como isso reflete na forma com que nos relacionamos com o nosso próprio corpo. Muitas vezes, nem falamos abertamente sobre menstruação, sexualidade e outras pautas que envolvem o corpo feminino.

 

Todos esses pontos citados acima são discutidos e debatidos há muito tempo, e obviamente muitas mulheres também se incomodam com isso, como a Amanda Porto (@portismos), que através de um tuíte questionou e se perguntou onde estavam as minas que gostam de falar sobre sexo. Por fim, elas se encontraram e formaram um grupo no WhatsApp, e assim surgiu o coletivo Siriricas.Co. “Depois que o grupo foi montado, muita conversa rolou. Trocamos experiências, dicas, nudes e afins. Alguns meses se passaram e ficamos somente em 11 meninas. Decidimos então criar um podcast para compartilhar com outras mulheres aquilo que falávamos no grupo e, no decorrer do tempo, fomos percebendo que não atingia somente a nós. Hoje, na formação atual, somos nove, mas continuamos com o mesmo propósito de levar um pouco do nosso conhecimento e experiência para outras mulheres, além de mostrar a elas a importância de ter uma rede de apoio para conversar, se ajudar e enfrentar suas inseguranças“, conta Amanda.

“Nem todas nós tivemos uma boa relação com o corpo logo de início e a conversa com os pais para algumas nem chegou a acontecer, ou então foi algo bem básico só para dizer: ‘Não fique grávida’. A religião também foi um grande fator para que essa conversa fosse adiada o máximo possível”, revela a jovem. A fase escolar pode e contribui muito com a relação entre mulher e corpo, principalmente com garotas negras: “A escola de certa forma serve para o descobrimento precoce do corpo, pois, apesar de nem todas escolas terem aula de educação sexual, certamente todas as meninas pretas já passaram por alguma situação desconfortável com comentários ou uma passada de mão sem consentimento. Afinal, nós somos quentes na cama, né?”, ironiza. Por esses e outros motivos, a educação sexual se faz necessária, visto que não se trata apenas de sexo; é sobre ensinar que ninguém pode tocar no seu corpo sem seu consentimento. Quando questionadas sobre de que maneira lidam com o corpo agora, as meninas afirmam: “Hoje em dia conseguimos lidar melhor com isso, porque agora entendemos que somos muito mais que um corpo e merecemos respeito. Nosso corpo pode e deve ser livre, sem ser tratado como objeto.”

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Já falamos sobre nossas vivências em vários aspectos durante esse quase um ano de coletivo, e nesse texto e no próximo episódio do podcast vamos falar sobre mulheres negras no mercado de trabalho, e vamos ter as meninas do @indiqueumapreta como convidadas, então fiquem atentas. Mas vamos lá, começamos pontuando que nós mulheres negras segundo a PNAD somos remuneradas com um valor que equivale a menos da metade do salário de um homem branco, temos no nosso cotidiano o fator de raça e gênero determinante dentro de uma sociedade construída com base no racismo estrutural que interfere diretamente em nossa colocação no mercado de trabalho, somos as que começamos a trabalhar mais cedo e paramos mais tarde e em grande maioria ocupando cargos de subalternidade. Nós precisamos entender que não só nesse quadro mas como em todas as esferas da sociedade nos encontramos na base, ou seja, até homens negros conseguem melhor colocação e remuneração pela diferença de gênero. O discurso de diversidade nas empresas não tem contemplado mulheres negras, porque sequer somos inseridas, existe uma crescente em liderança feminina, mas vocês já sabem quem são essas mulheres, então quando falamos dessa nova movimentação de mercado e usamos o termo “mulheres” estão nos negando a identidade de gênero que possuímos? Porque visivelmente não somos nós nesses espaços. Passamos grande parte de nossas vidas vivenciando um eterno “se vira nos 30” e recebemos tantos nãos por não termos tido sequer a oportunidade de estudar as 3 línguas que a vaga pede, nosso caminhar é diferente, entedemos o nosso dilema mas estamos aqui pra pedir que não desista, sobretudo hoje nós temos movimentos como @afrotrampos , @indiqueumapreta e @movimentoblackmoney reafirmando o que nossa presença significa dentro desses espaços, iniciativas que geram impacto, e é só o que precisamos, oportunidade. — Texto: @portismos . . . #podcast #mulherespodcasters #empregabilidade #diversidade

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Falando sobre ancestralidade e pluralidade, as garotas do coletivo compartilharam com a CH que a fase escolar pode, sim, ser cruel. “Por ser o lugar onde começamos a formar relacionamentos, queremos nos sentir pertencentes e isso é difícil quando não temos uma imagem semelhante, fazendo a gente passar por transformações para nos encaixar. A vergonha do cabelo para o alto, da pele manchada, da axila mais escura, tudo é motivo para ‘piada’ para nos excluir, até o racismo”. Uma das alternativas que temos para escapar de qualquer sentimento de inadequação ou de narrativas que reduzem os negros à escravidão e à qualquer estereótipo que atinge nosso dia a dia, e consequentemente nossa autoestima, é acompanhar pessoas negras nas redes sociais, ler autoras e autores negros para contribuir com aquilo que nos faz bem, além de conhecer e ter orgulho das nossas raízes, reconhecer e amar nossos traços e ancestrais. “É muito importante ter alguém para nos dizer que não precisamos mudar nada na nossa aparência, pois o problema não somos nós. Se essa conversa não acontecer em casa, procure alguém de confiança que você admire e que possa te empoderar de alguma forma. Busque sempre referências de pessoas parecidas com você”, salienta o coletivo.

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Durante a entrevista com o Siriricas.Co, falamos também sobre autocuidado, respeitar os seus próprios limites e produtividade em tempos de quarentena. Não precisamos transformar esse “tempo extra” (um privilégio para alguns) em algo produtivo: “Não vamos mentir, tá bem difícil do lado de cá também, é uma situação muito nova pra todo mundo e dentro do coletivo não é diferente”. Ainda assim, muitas pessoas criaram hábitos e rotinas novas, em busca de um escape para o momento atual e as meninas do coletivo encontraram alternativas que podem ajudar vocês também. “Algumas de nós criaram o hábito de escrever sobre o que sente e outras começaram a fazer terapia. Trocamos dicas de séries e fizemos jogos de questões online [sobre o quanto o seu amigo te conhece]. São coisas assim que nos mantêm unidas”, dizem. Essa nova rotina adotada durante a quarentena ajuda a manter o coletivo unido, mas elas ressaltam que também é importante respeitar o espaço das outras. “Temos nossas individualidades e dias em que nos falamos pouco, e isso precisa ser respeitado. Mas é sempre importante lembrar que ninguém está sozinha. É necessário, na verdade! Estamos contando os dias para isso tudo passar e sairmos juntas de novo. Com certeza isso nos aproximou mais ainda”, garantem as meninas.

Tudo que estamos vivenciando impacta diretamente no que consumimos e acreditamos. A luta antirracista está “em alta”, mas ainda há o desinteresse das pessoas procurarem saber o que está acontecendo realmente e toda a problemática por trás do assunto: “Ver sempre as mesmas notícias ruins na televisão e na internet nos dá a impressão de que nada está mudando. Então, para que vou me preocupar em fazer alguma coisa?! É importante que todos os tipos de veículos introduzam de certa forma esse assunto, de uma maneira que qualquer pessoa consiga entender, pois, quando se trata de política, as pessoas automaticamente associam a algo complexo, quando na verdade não é. É fácil entender qual a fonte do problema [racismo] e como podemos nos mobilizar para mudar isso“, aconselham.

Esta matéria é sobre e para nós, mulheres negras! A maneira que eu aprendi a enxergar o feminismo negro e seu significado foi essencial para mim. Como diz a filósofa Djamila Ribeiro: trata-se de empoderar a si e os outros, e colocar as mulheres como sujeitos ativos da mudança. Precisamos vibrar e celebrar a cultura negra, só assim vamos consumir e compartilhar mais conteúdos de pessoas negras, assim como eu estou fazendo. E você também! O coletivo me apresenta novas narrativas e histórias inspiradoras contadas e partilhadas por mulheres negras. Que sejamos representados para além dos estereótipos e usemos a nova forma de influência para construir narrativas que impactam e causam transformações sociais!

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Um beijo,
@tayanicaccio

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