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Por que demoramos 50 anos para ter uma âncora negra no Jornal Nacional?

Temos que valorizar a conquista de Maju Coutinho, mas também refletir sobre o racismo estrutural e a falta de oportunidade para pessoas negras.

Por Ana Carolina Pinheiro Atualizado em 16 fev 2019, 10h03 - Publicado em 16 fev 2019, 10h03

Se prepare pra ver preto sem matar e sem roubar no seu jornal“. Esse é um trecho da música O Céu é o Limite, dos rappers Mano Brown, Emicida, Djonga, Rincon Sapiência, Rael e BK, lançada em outubro do ano passado, antes de Maju Coutinho ser anunciada como a primeira apresentadora negra doa ocupar a bancada do Jornal Nacional, da Rede Globo. Mesmo assim, a frase consegue traduzir perfeitamente o que nós, negros, estamos sentindo com essa conquista.

Reprodução/Reprodução

Confesso que, para mim, mulher negra e jornalista, a novidade tem um gostinho especial. Quando decidi cursar jornalismo, ainda na infância, sempre tive Glória Maria, Maria Júlia Coutinho, Zileide Silva, Joyce Ribeiro, Heraldo Pereira, entre outros profissionais negros, como inspiração. Com a Maju, o reconhecimento foi ainda mais forte, já que comecei a me interessar por telejornais na época em que ela apresentava o Jornal da Cultura.

Alguns anos depois, a jornalista foi contratada pela Rede Globo para atuar como repórter e, posteriormente, passou a apresentar a previsão do tempo, inclusive foi a primeira e única profissional negra da emissora a ocupar o cargo. Nessa época, eu acabava de entrar na faculdade de Jornalismo, na mesma instituição que a Maju estudou, e me perguntava diariamente: “como ela se sentia nesse espaço tão branco e elitista? Será que tinha algum professor negro na sua época?“. Bom, nunca tive respostas para essas perguntas, mas nossas histórias eram tão parecidas que já considerava Maju como uma amiga – só esqueceram de contar para ela… (risos)

Isso explica a felicidade que senti quando a jornalista assumiu a bancada do Jornal Hoje, nos plantões de fim de semana. E agora ainda mais! Até porque é uma conquista histórica ter uma jornalista negra na bancada de um dos principais telejornais do país. Como diz a filósofa e ativista estadunidense Angela Davis: “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.

Ou seja, diversificar um modelo hegemonicamente branco não beneficia apenas o negro, que passa a se reconhecer mais na televisão, como nesse caso, mas também é essencial para as pessoas não-negras, que precisam se habituar com a pluralidade racial. Infelizmente, crescemos em uma sociedade em que o “normal” é aprender, assistir e admirar pessoas não-negras. Quando subvertemos essa regra do racismo estrutural, transformamos os padrões que já estão definidos na nossa cabeça. Olha que interessante: aumentar a representatividade é uma espécie de remédio para destruir o preconceito!

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Maju Coutinho se tornou a primeira apresentadora negra de um jornal que existe há 50 anos. Depois de comemorar a notícia, é impossível não sentir um incômodo e refletir acerca dos motivos que tornam essa conquista possível apenas em 2019. A situação se repete em outros segmentos. Ano passado, a grife Channel, após 109 anos de história, contou pela primeira vez com um modelo negro, Alton Mason, na passarela. Por que esperamos tanto tempo para começarmos essas mudanças? Afinal, mesmo com o racismo estrutural dificultando o acesso de negros à educação de qualidade e, consequentemente, ao mercado de trabalho, profissionais afrodescentes qualificados não faltam. E, no mercado da moda, o modelo de beleza eurocêntrico continuará esmagando a diversidade de etnias, corpos e gênero até quando?

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O racismo estrutural não deve servir como desculpa para a escassez de pessoas negras nas universidades, na mídia, no ambiente de trabalho ou em qualquer outro espaço. Ele é a causa de toda a problemática do racismo na sociedade, mas isso não tira a responsabilidade do governo, de empresas e de indivíduos de buscarem ações teóricas e práticas para transformar essa realidade.

Por isso, ao mesmo tempo que comemoramos a conquista pessoal e coletiva por tudo que a Maju representa, como mulher, negra e comunicadora, não dá para deixar de lado que a mudança precisa ser veloz e incessante. Ou vamos esperar mais décadas e décadas para dar oportunidade às pessoas negras como oferecem às brancas? Isso não é uma competição, mas sim uma necessidade urgente de reparação histórica e equidade com esse grupo étnico que ainda é desvalorizado na sociedade.

Se você quiser compartilhar alguma experiência, comentar sobre a matéria, tirar dúvida ou sugerir um tema para discutirmos aqui na coluna “O Nosso Lado da História”, é só mandar mensagem pelas redes sociais ou pelo e-mail anacarolipa16@gmail.com.

Beijos,
@anacarolipa

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