Você já escutou alguém relacionar as bruxas ao movimento feminista? Para algumas pessoas, o termo “bruxa” sempre pareceu e ainda soa como se fosse uma ofensa, uma palavra para xingar e diminuir mulheres. Mas, na verdade, engana-se quem pensa que ser chamada dessa forma significa algo ruim, errado e ofensivo. Existe muita coisa que nem todo mundo conhece sobre a história das bruxas (além do estereótipo maligno que crescemos assistindo nos desenhos e contos de fadas), mas um fato é inegável: elas eram mulheres poderosas. E não, não estamos falando no sentido de ter poderes mágicos.
Para início de conversa, é preciso entender o que foi a caça às bruxas para compreender a relação delas com o feminismo. Voltamos, então, aos séculos 15 e 16, em boa parte da Europa e algumas colônias da América. Nesta época, o teocentrismo (Deus como centro de tudo) foi substituído pelo antropocentrismo (o ser humano como centro de tudo), por isso a arte, a ciência e a filosofia se desvincularam da teologia cristã durante algum tempo.
Como resposta e tentativa de reconquistar o poder, a Igreja instaurou os “Tribunais da Inquisição”, que perseguiam, julgavam e puniam pessoas que fossem acusadas de se desviar das normas de conduta daquela época. Entre as acusações mais comuns estavam os hereges (que rejeitavam a doutrina da Igreja), judeus e bruxas. A Santa Inquisição, também chamada de Idade das Trevas, durou cerca de 588 anos.
As punições para essas “práticas proibidas” eram morte na fogueira, prisão perpétua e confisco de bens – essa última tornou a Inquisição muito lucrativa para os cofres da Igreja. Contudo, o tribunal dos inquisidores começou a ficar cada vez mais cruel, transformando-se em um verdadeiro banho de sangue. Qualquer um que praticasse atividades diferentes daquelas reconhecidas como cristãs era considerado um herege. De acordo com a Superinteressante, os portugueses executaram 40 mil pessoas, sendo 2 mil mortas na fogueira. Já na Espanha, até 1834, foram quase 300 mil pessoas condenadas e 30 mil mortas.
Um dos mais famosos casos de caça às bruxas foi o julgamento das Bruxas de Salem, em 1692, nos Estados Unidos. Tudo começou quando a filha e a sobrinha do Reverendo de Salem ficaram doentes e, pressionadas por líderes religiosos, culparam três mulheres por causar a doença misteriosa: uma escrava, uma mendiga e uma idosa pobre. A situação fugiu do controle quando mais e mais pessoas foram acusadas de estarem ligadas ao caso de bruxaria, como um ministro da igreja, que foi considerado o líder das bruxas. Ao todo, foram cerca de 200 pessoas presas e acusadas de bruxaria, sendo 20 delas condenadas à morte.
Outro caso muito conhecido foi a morte de Joana D’Arc que, de cabelo curto e roupas masculinas, liderou um exército francês quando a França ainda vivia sob domínio inglês. Ao ser capturada e vendida para a Inglaterra, ela foi julgada e acusada de bruxaria e heresia. Até mesmo sua virgindade foi questionada.
Em 1431, com 19 anos, Joana D’Arc foi queimada viva em uma fogueira enquanto a plateia que assistia ao fogo se espalhar pelo seu corpo gritava palavras como “bruxa” e “mentirosa”. Ela, por outro lado, só pronunciava “Jesus! Jesus! Jesus” até não ser capaz de falar mais. Cinco séculos depois, a Igreja Católica reconsiderou a história da heroína e autorizou a beatificação de Joana D’Arc que, atualmente, é também vista como uma santa.
Mas, afinal, o que fazia as mulheres serem consideradas bruxas naquele período? Embora eles reconhecessem como “práticas ligadas ao Diabo”, as atividades de bruxaria das mulheres eram apenas coisas que os homens não conseguiam entender e explicar. Entre elas, os segredos das curandeiras e parteiras que escapavam da compreensão da ciência precária da época, ervas e remédios caseiros para curar doenças, além de características do comportamento e do corpo feminino, como a sexualidade, menstruação, capacidades intuitivas e fertilidade.
Na verdade, várias atividades femininas eram entendidas como práticas de bruxaria. Grupos de mulheres que se reuniam para compartilhar conhecimentos medicinais (que, para as mais pobres, era a única opção de atendimento) e outras experiências eram identificados como uma reunião de bruxas. Além disso, mulheres que tentavam realizar grandes feitos sozinhas sem um homem também eram vistas como imorais. Neste período, as bruxas eram desde idosas com alguma deficiência física ou mental até mulheres bonitas e jovens que haviam ferido o ego de homens poderosos ou despertado desejo em padres celibatários – o que, para eles, era uma obra de “um pacto com o demônio”.
As mulheres acusadas de bruxaria eram presas, mas passavam por um julgamento antes da sentença de punição. Na tentativa de obter a confissão do crime (ser uma bruxa), os inquisidores torturavam essas mulheres de diversas formas cruéis para forçá-las a assinar a confissão em um documento. Aquelas que decidiam confessar seus atos de bruxaria eram estranguladas antes de terem seus corpos queimados – uma morte com mais misericórdia, para eles. Já as mulheres que insistiam na inocência eram queimadas vivas em fogueiras, geralmente em praças públicas.
Por isso, as bruxas retornaram como ícones do movimento feminista: por terem sido mulheres livres, inteligentes e à frente de seu tempo. Mas, acima de tudo, por terem sido injustiçadas e assassinadas por serem mulheres. Estudiosos afirmam que a caça às bruxas foi um verdadeiro genocídio de gênero, contra o sexo feminino. Do ponto de vista feminista, as bruxas afrontavam o patriarcado e o poder da Igreja ao manifestarem seus conhecimentos medicinais, suas atuações nas comunidades, suas lutas para realizar feitos pessoais. As mulheres mortas acusadas de bruxaria foram nada mais do que vítimas do patriarcado, que era ainda pior naquela época, representando resistência, luta e rebeldia.
Enfim, é por isso que “somos as netas das bruxas que eles não conseguiram queimar”. Fight like a witch e #HappyHalloween!