Popularização de termos psiquiátricos nas redes banaliza diagnósticos
Nem tudo é um sintoma, como alguns vídeos no TikTok pregam, e não dá para resumir uma doença em uma única causa
e você buscar por TDAH no TikTok, vai se deparar com uma lista extensa de vídeos que elencam características e manias de quem tem o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Nos comentários, jovens dizem se identificar com todos os sinais e, portanto, muitos concluem que possuem a condição. “Eu falei para a psiquiatra que achava que tinha TDAH, porque fui diagnosticada no TikTok…Ela riu, muito”, escreveu um usuário em um desses vídeos.
Essa onda de autodiagnósticos nas redes sociais é um dos principais sintomas de um fenômeno muito atual: a popularização dos termos psiquiátricos. A médica Leticia Moraes, que está se especializando em Psiquiatria e também estuda Psicanálise, levantou essa discussão no seu perfil das redes sociais, onde compartilha e desmistifica assuntos de saúde mental.
No vídeo, ela ressalta o quanto o fato dos termos estarem sendo falados tanto na internet, nem sempre com responsabilidade, pode acabar banalizando os diagnósticos em saúde mental – muitos seguidores concordaram com ela e se mostraram incomodados com isso. “Sou autista e não gosto das pessoas falando em ‘hiperfoco’ como se fosse só um interesse que todo mundo tem em algum momento e que depois passa. Acho que banaliza tudo que passamos”, comentou uma jovem.
Em entrevista à CAPRICHO, Leticia analisa que esse movimento de popularização de termos psiquiátricos ganhou força na pandemia, com o isolamento social, quando pessoas ficaram mais adoecidas – tanto físico como mentalmente. Somado a isso, podemos observar um boom na disseminação de informação digital, principalmente sobre saúde, nesse momento.
“As pessoas estão tendo mais acesso à informação, mas, muitas vezes, são conteúdos crus que são jogados lá, só para dar visibilidade para quem posta, e uma pessoa leiga no tema consome e não tem a criticidade necessária para entender o que está acontecendo com ela”, problematiza.
Leticia observa que as pessoas gostam de diagnóstico, porque, na maioria das vezes, ele fornece um lugar e uma justificativa para aquilo que o indivíduo está vivendo e também aponta um caminho de melhora.
O diagnóstico acabou se tornando até uma questão identitária. Muitas pessoas buscam se identificar com um padrão de sofrimento para amenizar a própria angústia.
O lado bom desse movimento, apontado pela médica, é que, de certa forma, ele diminui a estigmatização acerca das doenças e questões emocionais. Ao se falar mais sobre o tema, as pessoas entendem que elas podem precisar de ajuda psicológica ou psiquiátrica e que isso não é um problema, aumentando a possibilidade de busca por tratamento.
Mas os conteúdos sobre saúde mental precisam ser responsáveis e cuidadosos, e quem consome também precisa olhar para eles com um olhar crítico. Nem tudo é um sintoma, e não dá para resumir um problema em uma única causa. “Um diagnóstico tem vários fatores causais. A depressão, por exemplo, não é só uma questões genética, e a psiquiatria olha para todos os fatores envolvidos”, explica Leticia.
O problema da popularização e do autodiagnóstico de doenças mentais
Uma das consequências da popularização dos termos psiquiátricos, apontadas pela médica, é “problematizar comportamentos e experiências que são comuns da nossa vivência humana”. Ela enfatiza que não dormir porque está ansioso com um problema ou ficar triste por um motivo específico é algo esperado. “Não podemos tornar tudo doença e precisamos entender que a vivência humana é formada por momentos bons e ruins”, explica. O mesmo vale para os sintomas: nem tudo é ‘hiperfoco’, e, sim, um interesse legal que a pessoa tem.
Por isso, se você se identificar com algum vídeo que fale sobre um transtorno ou patologia, o mais indicado é perceber se isso realmente é algo “anormal” e que está além da vivência humana, e então buscar um profissional de confiança para fazer a avaliação e, se houver a necessidade, indicar o melhor tratamento.