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‘Pop vingativo’: como a escrita pode ajudar a superar términos conturbados

O ato de escrever é uma forma terapêutica de botar pra fora e organizar os sentimentos - mas e quando ele vem com uma pitada de vingança?!

Por Isabella Otto Atualizado em 29 out 2024, 19h00 - Publicado em 2 fev 2023, 14h13
Montagem com as fotos da SZA, Miley, Shakira e Taylor
Canva/CAPRICHO

A Shakira canta “Yo solo hago música, perdón que te salpique”. A Miley Cyrus que pode comprar suas próprias flores e escrever seu nome na areia. A SZA que deveria matar o ex, mas “not the best idea”. Sem contar a Taylor Swift que escreveu um álbum todinho para Jake Gyllenhaal. O termo “Pop vingativo” veio à tona só agora, mas o conceito de escrever músicas para ex-companheiros e expor podres do relacionamento é antigo.

O ser humano sempre expressou seus sentimentos por meio da arte – e a escrita é uma forma poderosa de colocar tudo pra fora! Muitos acabam comercializando esses desabafos e lucrando com eles, o que para muita gente é motivo de crítica, mas, dado o histórico extremamente machista da nossa sociedade, quando uma mulher ganha dinheiro expondo homens tóxicos, a gente chama isso de reparação histórica.

@wtfcyruss Liam falando para Miley se comportar 🙄 #miley #mileycyrus #flowers #liamhemsworth #icanbymyselfflowers #endlesssummervacation #mileytok #wheniwasyourman #brunomars #divórcio #amante #fy #fyp #paravoce ♬ son original – myla

A ESCRITA COMO FORMA DE TERAPIA

O escritor e roteirista Felipe Sali se autodenomida “o maior escritor de fossa do mundo”. Em entrevista para a CAPRICHO, o autor de livros como Mais Leve que o Ar e Segredos Escondidos em Caixas de Sapatos, conta que a escrita funciona como uma espécie de terapia – apesar de não substituir o acompanhamento psicológico. “Na terapia, na maior parte do tempo, você está tentando colocar seus sentimentos e pensamentos em ordem e explicá-los em palavras. Na escrita, é exatamente isso que você faz. Muitos terapeutas, inclusive, sugerem a seus pacientes que escrevam um diário.

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“Já li sobre uma pesquisa da Universidade Auckland, na Nova Zelândia, onde concluíram que escrever sobre os sentimentos fez com que as pessoas ficassem melhores fisicamente, já que a atividade terapêutica reduz os hormônios ligados ao estresse no corpo”, pontua.

Fabiano de Abreu Agrela, pós-Doutor e PhD em neurociência, explica que a escrita ajuda a organizar o que estamos sentindo ao colocarmos nossos pensamentos no papel. “No momento da escrita, você entende o seu sentimento sobre o que está escrevendo e trabalha quase que em simultâneo as soluções. Escrever fisicamente o pensamento ajuda a aprender e entender mais sobre o conteúdo ou sobre você mesmo“, garante.

Ao escrever, muitas áreas do cérebro são trabalhadas e, quanto mais você escreve, mais neurônios são ativados e mais conexões neurais são formadas. Ao estimular essa movimentação cerebral, a pessoa consegue colocar os pensamentos em ordem de uma maneira mais racional e espantar paranoias mirabolantes que podem surgir após um término de relacionamento.

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“Sabe aquela tristeza difusa ou raiva confusa que você sente no término? Ela tem explicação. E na maioria das vezes não é a primeira explicação que passou na sua cabeça. Quando escreve, você consegue por tudo para fora e organizar as coisas dentro de você. É como arrumar um guarda-roupa: você não consegue arrumar as roupas lá mesmo, primeiro precisa tirar tudo de dentro e só então começar a arrumação“, exemplifica Felipe.

NADA DURA PARA SEMPRE

Assim como a vida, a escrita pós-término também deve ser volátil. O Dr. Fabiano explica que as memórias ruins são importantes, mas elas precisam ser revividas de modo temporário. Se a dor que elas despertam não forem naturalmente aliviadas com o tempo, é sinal de que a pessoa precisa de um acompanhamento médico. “As memórias ruins servem como manifestação do esquecimento. Elas liberam substâncias no cérebro que moldam uma repulsa que serve como mecanismo de rejeição para facilitar o esquecimento. Agora, escrever memórias boas alimenta a esperança e, quem consegue se separar do ex sem mágoas e com as boas memórias, tende a evoluir mais – mas é para poucos”, ressalta.

O neurocientista explica que o tempo médio para começar a esquecer alguém é três meses, mas que o esquecimento nunca tende a ser total. Afinal, aquela pessoa fez parte da sua vida e foi importante em muitos momentos. Para Fabiano, o esquecimento depende do tamanho do amor próprio. “Penso que, se acabou, é por que não era para ser. Então, percorra a vida de maneira natural e busque conquistar suas metas pessoais”, aconselha.

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taylor swift we are never ever getting back together
Taylor no clipe de “We Are Never Ever Getting Back Together” Vevo/Reprodução

RELEMBRAR É SOFRER DUAS VEZES?

Felipe Sali acredita que sim, mas apresenta um contraponto interessante: “Eu concordo que é viver duas vezes e sofrer de novo mesmo. Mas, pelo menos, escrevendo eu sofro apenas duas vezes. Quando não escrevo, não organizo meus pensamentos e entendo como me sinto em determinada situação, o normal é sofrer várias vezes pela mesma coisa. Centenas de vezes. Às vezes, depois de anos, alguma coisa me lembra da situação e acabo sofrendo de novo. Quando escrevo, o ponto final que coloco no texto acaba sendo o ponto final da vida real também. Eu encerro um ciclo”, conclui.

E quando o assunto é o tal do “Pop vingativo”, a ciência ainda não tem uma análise pronta sobre ele, embora cientistas dividam um lugar comum: “A vingança prolonga o desconforto da ofensa original. Em vez de fazer justiça, a vingança muitas vezes cria apenas um ciclo de retaliação“, alerta o Dr. Fabiano.

Contudo, outra questão ligada à escrita merece destaque: a leitura. Livros, reportagens, poemas e letras de música são capazes de despertar identificação. Quantas vezes você não escutou uma canção e pensou: “Essa pessoa fez essa música para mim!”. Ou então chorou ao assistir a um filme que conversava exatamente com o momento de vida em que estava vivendo?! As palavras têm o poder de confortar e também de confrontar.

Fabiano de Abreu esclarece que, com relação ao “Pop vingativo”, muitas vezes rola uma coisa do tipo: “Tá legal, se até a Shakira é traída, que dirá eu?!”. Para o neurocientista, “é um certo desejo pela derrota daquele que está num patamar maior que o seu, no caso, quem está em cima do palco ou nos holofotes”. Mas qualquer tipo de retaliação e exposição merece atenção, ainda mais na Era Digital, combinado? Afinal, a internet “remember it all too well”… 

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