“O corpo gordo não é feio nem doente. É um corpo que precisa ser amado”

A jornalista Naiara Araújo recorda os desafios que enfrentou por ser uma adolescente gorda: 'lembro bem como era frustrante tentar comprar roupa'.

Por Naiara Araújo Atualizado em 31 out 2024, 10h26 - Publicado em 29 jul 2018, 15h47

Desde criança me ensinaram que ser gorda é um problema. Os outros estavam sempre tão incomodados com a minha estética que eu comecei a me incomodar também. E foi aí que começaram os verdadeiros problemas. Quando olhamos no espelho e não gostamos do que vemos, começa uma busca muito louca por aceitação. É muito difícil acordar todo os dias num corpo que a gente não ama.

Naiara Araújo posando e dando voz para o Projeto Entre Tantos Amores, o Próprio. Andreza Pinheiro/Reprodução

Eu perdi as contas de quantas vezes eu tentei emagrecer. Eu sentia vergonha do meu corpo e do meu cabelo crespo. Com 12 anos de idade, eu comecei a alisar os fios. O preconceito era tanto que essa foi a forma que eu encontrei de me sentir um pouco dentro dos padrões. No começo, eu amei. Depois, não fazia mais sentido. Não era o meu cabelo de verdade.

Foram períodos de ansiedade, medo e vergonha. Eu lembro bem como era frustrante tentar comprar roupa. Do uniforme escolar às roupas para sair, era sempre um sofrimento. Eu lembro também que eu saía de casa já preparada para ouvir piadas sobre o meu corpo. Lembro de como eu me comparava com as minhas amigas e com as mulheres que estavam nas revistas, na televisão, nas publicidades. Eu não me via representada e isso reforçava a ideia de que eu tinha um problema. A falta de representatividade fez eu começar a me cobrar desde muito cedo. Nasceu uma insegurança que passou anos instalada no meu dia a dia. Hoje, eu vejo quantas vezes eu disse sim, mesmo querendo dizer não, só para me sentir aceita de alguma forma.

Eu tenho 26 anos, mas foi só aos 21 que eu comecei a enxergar quem eu realmente era e quem eu queria ser. Começar esse processo de autoconhecimento e aceitação foi a coisa mais linda que aconteceu nos últimos anos. Descobrir que o amor próprio é o melhor amor de todos é fundamental para seguir em frente. Uma das coisas que me fez mudar foi o feminismo. Eu consegui entender o que significava meu olhar sobre meu corpo e o olhar da sociedade sobre os outros corpos. Daí para frente foi só desconstrução de padrões. Eu, finalmente, entendi que não tinha problema ser/estar fora dos padrões e que eu só precisava mudar se eu quisesse. E como eu não queria, comecei a me ouvir mais e aprendi a dizer não para muitas coisas. Comecei deixando de alisar o cabelo e passei pela transição capilar, processo difícil, mas gratificante.

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Naiara Araújo posando e dando voz para o Projeto Entre Tantos Amores, o Próprio. Andreza Pinheiro/Reprodução

Depois que eu me livrei desse peso que o mundo colocou nas minhas costas, consegui enxergar que eu era mais que um corpo gordo e um “cabelo ruim”. Eu passei a ver uma mulher bonita, interessante e atraente no reflexo do espelho. E percebi que, quando a gente está bem, a opinião do outro tem menos valor. Durante esse processo, eu entendi que, se um cara está interessado em mim e não tem coragem de assumir isso, a culpa não é do meu peso, mas da falta de maturidade dele para assumir que gosta de uma pessoa gorda. E é difícil mesmo! A sociedade não ensina ninguém a viver fora dos padrões e julga isso o tempo todo.

Mesmo com todos esses aprendizados, tem dia que os olhares e os comentários preconceituosos deixam a gente desconfortável. Nessas horas é preciso lembrar que, se uma pessoa se incomoda com o seu peso ou com o seu cabelo, o problema é dela e não seu. Numa sociedade preconceituosa e machista, não é pouca coisa ser mulher e se sentir satisfeita com o seu corpo, seu cabelo e suas escolhas. Nós somos ensinadas desde muito jovens a mudar o que realmente somos, mas, agora que descobrimos o poder do amor próprio, vamos cada vez mais longe!

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Naiara Araújo posando e dando voz para o Projeto Entre Tantos Amores, o Próprio. Andreza Pinheiro/Reprodução

Nos últimos anos, eu me reencontrei comigo mesma e com a pessoa que eu quero ser. O corpo gordo não é feio nem doente. Ele também não representa falta de cuidado ou excesso de preguiça. O corpo gordo é um corpo que precisa ser respeitado e amado. O que fica da minha experiência é a certeza de que a autoestima liberta! Por isso, sempre que puder, vou espalhar isso por aí.

 

Naiara Araújo é jornalista, feminista e faz parte da corrente A.M.E. (autoestima, mental health e empoderamento) da CAPRICHO.

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