Não há mais espaço para publicidades com brancos “salvadores” de negros
Colocar o negro como "pobre" é uma forma de reproduzir o racismo estrutural, sim!
O clima de final de ano pode inspirar as pessoas a ajudarem o próximo e serem mais caridosas, atitudes importantes e que precisam acontecer durante todo ano. A marca de alimentos Perdigão entrou nesse clima de solidariedade e fez a seguinte ação: a cada chester vendido pela empresa, outro será doado para uma família que não tem condições de comprar. Uma ação muito boa e que realmente deve ajudar muitas famílias carentes.
Porém, a campanha publicitária da marca que divulga a iniciativa não foi das melhores. A primeira cena mostra a noite de natal dos Silva, representada em maioria por atores negros, que no caso, seria a família necessitada. No comercial, a mãe agradece por ter uma ceia que eles só imaginavam e completa “graças a você”. Em seguida, aparecem os Oliveiras, família que doou o chester, representada majoritariamente por atores brancos.
Os dois grupos que aparecem na propaganda têm pessoas negras e brancas. Mas, levando em conta os atores que são porta-vozes das famílias e a proporção de cada etnia nelas, dá para falar, sim, que a família “carente” é a negra, já a “generosa” é a branca. Isso é uma novidade ou algo irreal? Não. Então, por que a campanha pegou mal? Porque reforçou um (pré-)conceito em relação aos negros, que na maioria das vezes já são inferiorizados.
https://twitter.com/laressa/status/1067926048753532929
O problema dessa história, e de outros tantos comerciais e produções midiáticas, é generalizar as coisas. Ou seja, reforçar uma falsa ideia de que o negro nunca pode estar em situação de destaque e que, para sair daquela situação, precisa da “salvação” do homem branco. Você já imaginou uma campanha colocando a mulher como uma pessoa frágil e sem capacidade para fazer alguma coisa e vem um homem e resolve pra ela? Isso não reforçaria ainda mais uma estigma em relação ao gênero feminino? Então, para nós, negros, uma propaganda como essa também reproduz preconceito.
Agora, pense na quantidade de pessoas que vão assistir a esse comercial. Do mesmo jeito que a campanha deve incentivá-las a serem mais generosas, o que é realmente muito bom, ela também vai contribuir com a formação de atitudes racistas, nem sempre percebidas. Um exemplo de como essa ideia racista aparece na prática é quando um cliente negro é perseguido por um segurança dentro da loja ou não é bem atendido por “acharem” que ele não tem condição de pagar. Ou seja, os desdobramentos de uma propaganda racistas são reais e preocupantes.
Em nota, a empresa declara que a intenção não era de ofender ninguém: “a Perdigão lamenta que a campanha publicitária de Natal tenha ofendido qualquer um de nossos consumidores. Nunca foi essa a nossa intenção. Falar de generosidade é, para nós, uma forma de união e agradecimento a todos os nossos consumidores, que há três anos colaboram para o Natal de mais de 6 milhões de pessoas, independente de cor, gênero, raça ou religião. É nisso que acreditamos”.