‘Menino do vício’ faz dos livros uma arma secreta contra a abstinência

Há cinco meses sóbrio, Lucas vem se apoiando nos livros para vencer a difícil luta contra a abstinência de drogas e relata seu progresso nas redes

Por Mavi Faria 14 jun 2025, 13h00
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leitura é, sem dúvida, um dos hábitos que mais impacta no bem-estar e na qualidade de vida da galera. Só para você ter noção, uma pesquisa da Social Science & Medicine indicou que a prática pode efetivamente melhorar a sua saúde e te fazer viver mais. Mas, na vida de Lucas Henrique dos Santos da Silva, 26 anos, os livros provaram — e continuam provando diariamente — seu potencial transformador.

O nome pode até soar desconhecido, mas você deve reconhecê-lo como Menino do Vício. O apelido não é uma hipérbole: nas redes sociais, Lucas compartilha diariamente os livros que vêm lendo enquanto luta contra a abstinência do uso de substâncias ilícitas.

A iniciativa surgiu ainda em 2022, quando ele decidiu largar o vício. Em entrevista à CAPRICHO, ele conta que, embora não se considerasse um leitor exímio antes disso, já tinha lido alguns livros e sabia que gostava do hábito. Por isso, acreditava que conseguiria contornar os sintomas agoniantes da abstinência se estivesse com a mente focada em outra coisa. Neste caso, em um livro.

“Eu parei de usar droga e no mesmo dia já comecei a ler, porque a abstinência vai consumindo você. Eu precisava suprir aquele vazio e aquela fissura que a abstinência deixa”. O primeiro livro que iniciou essa jornada foi Crepúsculo (2005)*, um que Lucas tinha adquirido ainda no Ensino Médio e que, ao longo dos anos, tinha começado a ler e parado algumas vezes.

A ideia de se apoiar na literatura enquanto passa pela abstinência também foi motivada pelo dinheiro. “Pouco tempo depois que eu parei de usar droga, começou a sobrar dinheiro e eu sabia que não podia ficar com esse dinheiro sobrando porque eu ia comprar droga, foi a primeira coisa que pensei em fazer. Então eu fiz o que? Comprei um livro”, explica.

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Essa atitude se tornou um hábito e, a cada quantia restante, seu destino era nos livros. Com a popularização dos vídeos, Lucas revelou que, somente no início, em 2022, já recebeu mais de 100 livros de editoras e de pessoas físicas — hoje, a soma já ultrapassou os 400 exemplares e ele brinca que já está precisando de outra prateleira. O sucesso é tanto que precisamos interromper nossa entrevista para ele receber mais uma remessa do carteiro, algo que ele sonha que nunca pare.

@meninodovicio

♬ som original – Menino do vício

“Os livros são minha arma secreta contra a abstinência”

Nos últimos meses, os vídeos no TikTok de Lucas viralizaram e alcançaram marcas impressionantes de milhões de visualizações, uma conquista que o incentiva a continuar e a não recair novamente. Há três anos, ele relata que passou por uma recaída forte, onde houve o abuso de outras substâncias mais pesadas, e que somente neste ano ele conseguiu parar. Há cinco meses sóbrio, ele se recorda de que recaídas fazem parte e respeita o processo, se apoiando nas histórias inventadas enquanto se fortalece.

“Começo de pouquinho em pouquinho, disfarçando a mente, tirando o foco da droga, lendo 10, 20, 30 páginas por dia, até gostar da leitura e, sem perceber, já acabar com um livro”, detalha. Os livros, sua “arma secreta contra a abstinência”, conseguem driblar a ânsia que o chama para as substâncias. A grande características das obras que, para ele, são capazes de realizar este tipo de função tão difícil, é a força dos livros em exercitar a mente. “Eu sou um leitor que imagina cada cena, isso ocupa a mente, você cria um filme na sua cabeça, fica lendo, rindo. É muito bom.”

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Olhando de fora, pode ser mais fácil entender de forma simplista que as histórias nos livros estão sendo uma distração para Lucas até que ele se recupere, mas interromper a interpretação neste raciocínio é ignorar todo um potencial social da literatura.

Morador da pequena cidade de Jussara, no Paraná, Lucas enxerga e vive na pele o que um livro proporciona. Durante a nossa entrevista, ele não deixou de elencar com ênfase e seriedade como “o livro te dá um conhecimento que você nem sabia que tinha, que você aprende lendo. Eles quebram preconceito, nos ensinam lições de moral, melhoram nossa interpretação de texto, que nos alerta para fake news, golpe, fanatismo, ignorância”.

Ouvindo-o relatar como, em cada aspecto da sua vida, a literatura conseguiu se fazer presente e transformar a realidade, não é difícil entender a profundidade quando ele diz que “os livros me tiraram do limbo que eu mesmo me coloquei”. “Os livros são a minha heroína, não a da droga, mas a heroína mesmo”, brinca.

“Eu quero ter vivências e escrever sobre elas”

Hoje, Lucas compartilha emocionado a quantidade de mensagens de apoio e relatos de pessoas que largaram seus próprios vícios após começar a compartilhar sua história. “Eu recebo direto mensagens falando: ‘Parei de fumar por causa de você, parei de cheirar por causa de você, me inspirei em você e estou conseguindo largar tal vício’. Até relato de quem está superando a compulsão alimentar eu já recebi. Isso me incentiva a continuar, eu não imaginava que tanta gente ia aparecer para apoiar.”

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Trocando de lugar com os livros, Lucas encontrou o próprio papel social, um que era seu objetivo desde o início. “A intenção dos vídeos sempre foi essa, passar a mensagem que a abstinência é difícil, mas não é impossível de lidar. A pessoa tem que ter mais força de vontade para parar do que para usar, porque para usar é uma força surreal, tem que ter o dobro de força de vontade para parar.”

A força que ele encontrou nos livros começou a se traduzir em sonhos. Na próxima semana, ele viaja pela primeira vez para o Rio de Janeiro para conferir a Bienal do Livro — também será sua primeira vez na feira, e, por isso, ele brinca com muito bom humor que se sentirá como “uma criança na Disney, vou ficar perdido”.

Essa é uma das experiências que Lucas quer ter antes de realizar um de seus maiores objetivos profissionais para o seu futuro: transformar sua própria história em um livro, o objeto que o ajudou a sobreviver. “Eu quero ter mais vivências, porque eu também quero pôr [no futuro livro] a parte que o livro me transforma e o que me proporciona. Ainda é muito recente, sei que tem muitas coisas para acontecer, e quero instigar a galera a largar o vício também, mostrar como a vida pode ser.”

@meninodovicio

A responder a @mootsdatata53

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