Expurgo no Espírito Santo? Leitoras narram cenário de caos e medo
'Ninguém tem coragem de sair de casa. Estamos vivendo como verdadeiros prisioneiros.'
De repente, o estado do Espírito Santo ganhou destaque nos noticiários, nas redes sociais, nas conversas de elevador. Tudo começou no último sábado, 4, quando familiares de policiais militares do Estado iniciaram um protesto em prol de melhorias nos salários da PM. De acordo com informações divulgadas pela BBC Brasil, o major Rogério Fernandes Lima, Presidente da Associação dos Oficiais Militares do ES, contou que alguns de funcionários estavam passando fome e trabalhando sem benefícios.
Tudo, porém, parece um pouco técnico e distante demais para quem não mora nesse cantinho litorâneo localizado na parte Sudeste do país. Sabe-se que, desde o último final de semana, mais de 70 mortes foram confirmadas no estado, que o DML (Departamento Médico Legal ) de Vitória paralisou os serviços por não ter mais espaço para tantos corpos e que o prejuízo com o comércio já passa de R$ 4,5 milhões. Mas como está sendo viver em uma terra sem lei? A CAPRICHO conversou com duas leitoras que moram no Espírito Santo e contam o que mudou na rotina delas desde a paralisação da PM.
R.A.*, de 19 anos, mora na Serra, no bairro de Nova Almeida, e já faz alguns dias que escuta incansáveis barulhos de moto e tiro. “Parece um filme de terror! Eu nunca imaginei que passaria por uma situação dessas. Só consigo pedir a Deus para que tudo acabe”, desabafa a jovem, que está presa em casa desde o final de semana.
I.X.*, de 16 anos, mora no bairro de Jacaraípe, também na Serra, e teve a volta às aulas adiada por conta da onda de violência. “Ninguém tem coragem de sair de casa. Estamos vivendo como verdadeiros prisioneiros e vendo as coisas acontecerem sem podermos fazer nada. Padarias, mercados, farmácias, escolas, está tudo fechado. Chegamos ao ponto de alguns ônibus terem sido dirigidos pela população, já que os motoristas não saíram de casa para trabalhar”, conta. A adolescente, inclusive, ficou com o coraçãozinho na mão quando na manhã da última segunda-feira, 6, seu pai resolveu tentar a sorte e ir até a padaria do bairro. “Fiquei com muito medo e logo liguei para ele e pedi para que voltasse para casa”, lembra.
Apesar de já ter sido assaltada anteriormente, R.A. afirma que nunca se sentiu com tanto medo como se sente agora. Às 18h26 da última segunda, ela mandou uma mensagem para a CAPRICHO contando que o Exército tinha acabado de chegar na região metropolitana de Grande Vitória. Apesar de o alívio momentâneo causado pela notícia, e de um possível respiro de paz trazido por ela, muitos moradores ainda estão receosos, já que, para piorar a situação, Paulo Hartung, Governador do Espírito Santo, encontra-se internado em São Paulo desde o dia 4, após passar por uma cirurgia de retirada de um tumor na bexiga.
Sem policiamento e sem Governador, o Estado ficou caótico. “É horrível não ter liberdade, é horrível saber que se eu sair na rua, posso perder minha vida. Algumas residências foram invadidas no meu bairro, condomínios foram saqueados, loja foram roubadas”, lamenta I.X.. A angustia de não saber quando tudo terminará – e como e se terminará – é o pior. “São poucos homens do Exército para tanto caos”, garante a jovem, que completa dizendo que ficar sabendo de tantas mortes, tantos assaltos e tiroteios é angustiante.
Na terra sem lei do Espírito Santo, bandidos dirigem viaturas policiais, ônibus estão sendo queimados, candidata à vereadora é flagrada saqueando loja, avenidas estão desertas, shoppings estão fechados, pessoas estão saindo com metralhadoras nas ruas e matando, muitas vezes, por puro prazer.
Como nós, a mídia, podemos ajudar? Talvez disseminando a verdade, não tentando mascarar fatos por conta de ideologias políticas, questionando o fato de que muitos estão, sim, se aproveitando da situação para saquear lojas e ~entrar na onda~. Triste, mas verdadeiro. O que difere essas pessoas das apontadas como bandidos em potencial? É a arma na mão? Será que o crime não está muito mais enraizado no ser humano do que imaginávamos?
“Foi do dia para a noite”, afirmam as leitoras. Não te assusta pensar que um período de 12 horas pode mudar a sua realidade? O expurgo, minha gente, parece que já começou.
*Preferimos preservar a identidade das jovens por precaução.
+ Leia mais: Carolina Santos estava no ônibus e perdeu a mãe e o irmão no acidente em Ibitinga