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Escolher os candidatos e votar por você é ser um tanto mais livre

"Será oportuna essa inovação democrática?"

Por Isabella Otto Atualizado em 1 out 2022, 11h01 - Publicado em 1 out 2022, 10h03

Em 1924, uma reportagem do jornal Gazeta de Notícias tratava o direito ao voto feminino, conquistado de modo constitucional em 1932, como uma “inovação democrática” e questionava se ela seria oportuna. Para responder tal pergunta, convidou uma série de senadores homens com opiniões diversas. Enquanto uns se mostravam a favor, outros se posicionavam contra. Os que não apoiavam, uma minoria machista e conservadora, usavam três principais justificativas para isso: as mulheres pertenciam ao lar, não tinham intelecto nem estrutura emocional para se meter em “assuntos masculinos”.

Foto antiga de um jornal de 1924 que debate o direito ao voto feminino
Gazeta de Notícias/Biblioteca Nacional Digital/Agência Senado/Reprodução

Na ocasião, o deputado Pedro Américo (PE) deu a seguinte declaração: “A mulher normal e típica não é a que vai ao foro, à praça pública nem às assembleias políticas defender os direitos da coletividade, mas a que fica no lar doméstico exercendo as virtudes feminis, base da tranquilidade da família e, por consequência, da felicidade social”, segundo arquivos disponibilizados pela Agência Senado.

O deputado Serzedelo Correa (PA) continuou: “A mulher, pela delicadeza dos afetos, pela sublimidade dos sentimentos e pela superioridade do amor, é destinada a ser o anjo tutelar da família, a educadora do coração e o apoio moral mais sólido do próprio homem. Jogá-la no meio das paixões e das lutas políticas é tirar-lhe essa santidade que é a sua força, essa delicadeza que é a sua graça, esse recato que é o seu segredo. É destruir, é desorganizar a família. A questão é de estabilidade social”.

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A COLINHA DE MILHÕES

Um dos meus sons favoritos da infância era o barulinho da urna eletrônica. Eu adorava acompanhar minha mãe na cabine de votação e ouvir aquele “piririrililili” ao final de cada voto. Achava empolgante e divertido!

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Menos empolgante e divertido, e eu só fui perceber isso muitos anos depois, foi notar que todo ano de eleição era a mesma coisa: antes de sair de casa, minha mãe perguntava para o meu pai em quem ele iria votar, ele fazia uma cópia da colinha dele para ela e ela, sem questionar muito, votava igual.

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Por um bom tempo, eu meio que acreditei e aceitei que era assim que funcionava, que meu pai possivelmente era a pessoa da casa que mais entendia de política e que faria as melhores escolhas.

Montagem com a foto de uma mulher votando e de uma cabine de votação brasileira
Getty Images/CAPRICHO

Só que daí eu tirei meu título de eleitor e, pela primeira vez, questionei aquele movimento robótico. Afinal, eu iria mesmo votar em pessoas que eu nem conhecia só porque me disseram para votar?!

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Aos poucos, comecei a pesquisar sobre cargos políticos e candidatos com mais afinco – não só para estudar para a prova de História. Percebi que não era assim tão fácil entender as coisas, mas que também não era nenhum bicho de sete cabeças. Havia ferramentas e um mundo de possibilidades que iam além da colinha do meu pai.

 

Veja bem, não é que meu pai não saiba votar. Rs! Ele tem a história dele, que moldou suas ideologias políticas, e eu percebi que eu tinha a minha – e que embora a gente concordasse em muitas coisas, a gente discordava em tantas outras. E está tudo bem, até porque meu pai nunca concordou com delírios fascistas, por mais que também nunca tenha votado no PT. Eu entendia as razões dele, ou tentava entender, na maioria das vezes. As Eleições de 2018 foram difíceis pra todo mundo, né? (risos nervosos)

Mas elas também foram um divisor de águas aqui em casa e me escancaram a certeza de que eu, definitivamente, não ia votar em candidatos sem antes pesquisar o histórico deles, especialmente o político. Nessa “brincadeira”, quantos não elegeram Jair Bolsonaro presidente da República achando que ele era novato ou representava o “novo” na política?! Pois é.

Foram nas Eleições de 2018 que pela primeira vez eu vi minha mãe titubear. É claro que ela tinha seus candidatos favoritos e votava bem antes de conhecer o meu pai, só que isso me incomodava ainda mais. Depois de casada começou a votar em quem o marido votava?! Será que antes ela votava em quem os pais votavam ou os irmãos?

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Sem julgamentos, pessoal! Aposto que você já vivenciou cenas parecidas e também já defendeu ideias que achava corretas só porque ouviu seus pais em casa dizer que elas eram corretas. Os mais velhos sabem mesmo de muuuitas coisas, não se enganem, mas em certas circunstâncias não há nada mais libertador do que pensar com nossa própria cabecinha e tirar nossas próprias conclusões.

E foi bonito demais ver, naquele ano, minha mãe questionar a cola do meu pai e, acima de tudo, questionar se ela realmente daria um Ctrl C + Crtl V naqueles números. Não deu. E por mais que a gente tenha conversado sobre isso antes, ela chegou lá sozinha e votou em um candidato que fazia mais sentido para ela. Foi bonito mesmo!

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Naquela ocasião, eu me lembrei da reportagem do Gazeta de Notícias de 1924 e das justificativas que muitos homens usavam na época para serem contra a aprovação do voto feminino. Naquele momento em que minha mãe pensou por ela, ela foi um pouco mais livre e poderosa. Em todos os momentos em que eu penso por mim, eu sou um pouco mais livre e poderosa. E todas as vezes que eu vejo milhares de mulheres fazendo o mesmo antes de apertar o botãozinho verde divertidamente barulhento da urna eletrônica, eu tenho a certeza de que a tal “inovação democrática” foi mais do que oportuna!

É incrível exercer o seu direito ao voto, e é ainda mais incrível ver outras pessoas fazendo isso de modo consciente. Pesquisar, ir atrás, escolher, se arrepender, escolher de novo, desenvolver senso crítico, votar, acompanhar o condidato, manifestar seu poder de mudar, transformar e renovar.

O “piririrililili” também pode ser um som de liberdade!

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