Em “greve útil”, manifestantes dizem que corte na educação é retrocesso
Fomos ao protesto em São Paulo e conversamos com estudantes sobre os reflexos do bloqueio de verba do governo e a importância da luta pela educação
Neste ano, o 15 de maio tomou proporções gigantescas na luta pela educação brasileira. Em todos os estados do Brasil, milhares de estudantes, pais, professores, funcionários de instituições de ensino saíram às ruas para protestar contra o bloqueio orçamentário de 30% de todas as instituições federais de ensino superior, divulgado pelo governo no final do mês passado. A medida ainda é recente, mas algumas universidades já anunciaram a previsão de interrupção das atividades acadêmicas no segundo semestre do ano caso o bloqueio de verba continue. Entre os estudantes de baixa renda, a maior preocupação é o corte de bolsas de estudo.
A CAPRICHO foi ao protesto de São Paulo, concentrado em frente ao vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista. De acordo com a CUT, 250 mil pessoas teriam participado do ato. Nesta quinta-feira, 16, contudo, a Polícia Militar divulgou o número de um milhão de participantes. Entre eles, estudantes universitários, adolescentes, pais, professores e funcionários de instituições de ensino públicas e privadas.
Grupos e coletivos estudantis de federais, como da UNIFESP, se reuniram em prol da educação. Mas até mesmo quem ainda vai demorar um pouco para entrar na faculdade marcou presença na manifestação. “Estou lutando pela educação porque acho errado o que o Bolsonaro fez em bloquear verbas”, opina Giovanna Fernandes, de 14 anos, que está cursando o 9º ano do Ensino Fundamental. Já Elen Beatriz, de 15, acabou de entrar no primeiro ano do Ensino Médio, mas também marcou presença na greve: “Essas coisas que o governo está fazendo vão contra tudo que eu acredito. Eu estudo em uma escola pública, não tem como eu não vir aqui lutar por isso”, diz.
Além disso, o protesto também contou com a presença de uma grande parcela de estudantes de escolas e faculdades particulares. É o caso da Débora Ildefonso, de 21 anos, que está se formando em Jornalismo em uma faculdade particular e compareceu ao ato. “Eu não sou mais do que um jovem de universidade pública só porque consigo pagar uma parte, até porque sem a bolsa do Prouni, provavelmente eu estaria na estatística de jovens negros que não entraram na universidade. Não é uma luta só de quem está nas universidades públicas ou só dos professores“, comenta ela.
Para ela, o corte não trará benefícios para a economia do país. “Existem outras áreas que podem sofrer cortes sem prejudicar uma criança que já não tem o ensino de qualidade. Cortar ainda mais vai prejudicar ainda mais. E não importa se no passado outros partidos também fizeram isso, também é errado, não justifica”, Débora diz.
Além de ter um público muito amplo, outro destaque da manifestação foi o grande número de cartazes respondendo declarações polêmicas de membros do atual governo. “Não é balbúrdia, não é barulho, estamos na rua pra mostrar o nosso orgulho“, disse um trecho do canto entoado por um grupo estudantil do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). A resposta se refere ao argumento do ministro da Educação, Abraham Weintraub, sobre o corte da verba: “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”. Outros cartazes e cantos, como “livros sim, armas não”, falavam sobre a importância de ter uma sociedade que prioriza a educação e os livros, não armas e violência.
Para quem trabalha com educação, a maior preocupação é o clima de insegurança em não saber se as contas serão pagas ou não no final do mês. Esse é o caso da Laura Videira, de 25 anos, que trabalha com educação à distância em nível de pós-graduação na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). “É uma questão de educação pública, um direito garantido pela Constituição. Não podemos retroceder em tudo que a gente já conquistou”, afirma.
Laura Baptista tem 20 anos e estuda Letras na Universidade de São Paulo (USP). Para ela, os cortes na educação superior pública representa uma ameaça ao sonho dela e de muitos outros alunos que batalharam para conseguir um vaga. “O ensino público sempre foi muito importante para mim. Minha família é inteiramente de professores da universidade pública e eu sempre me imaginei estudando em uma“, diz a jovem, cuja família apoiou presença em ato.
Embora a medida ainda seja recente, a estudante conta que já está vendo efeitos negativos do corte de verba na sua universidade. “O programa do idioma sem fronteiras oferecia cursos de italiano, francês e inglês para os estudantes, só que ele foi cortado. Acabou. Eu consegui fazer, mas a gente recebeu uma notificação avisando que os cursos que estão em andamento vão ser concluídos e os alunos vão ter os certificados, mas depois não vai ter mais o oferecimento e os professores vão ser demitidos”, Laura comenta. Segundo ela, o inglês é muito importante para pesquisas e artigos na universidade e o programa era essencial para alunos que, assim como ela, não tiveram oportunidade de pagar um curso.
No cartaz que Laura carregava durante o protesto, a luta pela Ciências Humanas é lembrada. No final do mês passado, Bolsonaro anunciou que o investimento em cursos de Humanas seria reduzido para que o governo focasse em áreas que “gerem retorno”, como engenharia e medicina. Para Laura, é inacreditável que as pessoas ainda acreditem que as Ciências Humanas são menos importantes que as Exatas. “Não tem ciência mais ou menos importante. Todas são válidas“, ela reforça.
Enquanto o #TsunamiDaEducação acontecia em todos os cantos do país, Jair Bolsonaro estava nos Estados Unidos. Em vídeo, ele se posicionou sobre a luta dos estudantes, professores, funcionários… brasileiros: “São uns idiotas úteis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo das universidades federais no Brasil”, disse.