Continua após publicidade

“É uma pirâmide de auxílio”: a importância de artistas mulheres na CCXP

Em 2018, Lorar Laurenti veio sozinha à feira e fez questão de dividir a mesa na Artists' Alley com outra mulher em busca de um ambiente mais seguro.

Por Isabella Otto Atualizado em 31 out 2024, 01h00 - Publicado em 15 dez 2019, 10h01

A CCXP surgiu na vida da ilustradora Lorar Laurenti, de 26 anos, em 2016, quando ela visitou a feira pela primeira vez, na época, como público. “Não tinha muita mulher, inclusive rolaram algumas polêmicas a respeito disso”, revelou para a CAPRICHO. Dois anos mais tarde, em 2018, ela voltou, e retornou também em 2019. Neste ano, Lorai fez parte dos 542 quadrinistas presentes na Artists’ Alley da maior feira de cultura pop do mundo. Desse total de artistas, 62% eram homens e 38%, mulheres.

Lorar exibindo seus trabalhos (e seu belíssimo cabelo cacheado e rosa) na CCXP19! CAPRICHO/Reprodução

O número ainda é bastante destoante e isso fica aparente ao andar pelos corredores do “beco dos artistas”, localizado no centro do São Paulo Expo, onde a CCXP acontece. Algumas fileiras são totalmente formadas por homens e, na área dedicada aos profissionais mais experientes, parece obrigatoriedade ser do sexo masculino. É compreensível, afinal, por muito tempo, o universo nerd foi dominado por homens, mas, como a artista Manu Cunha, de 32 anos, prefere deixar claro, não era uma questão quantitativa. “O público feminino sempre foi enorme dentro do ambiente nerd e literário, só que era um publico que se escondia por medo de repressão e de encheção de saco, do jeito mais mínimo ao abusivo“, opina a ilustradora, que acredita que as pessoas só tendem a crescem quando se misturam.

Aliás, mistura é o que não faltou na CCXP19! Apesar de a diferença entre artistas homens e mulheres na feira ser de 24%, o crescimento de mulheres quadrinistas no evento segue positivo. Neste ano, inclusive, tivemos um recorde batido: o de maior número de artistas trans expondo seus trabalhos na Artists’ Alley! A variedade de estilos e temáticas é grande. Veja, por exemplo, Lorar. Ela sempre gostou de desenhar, mas acabou fazendo faculdade de física. Daí ela se cansou e decidiu retornar para o meio artístico. Hoje, ela faz ilustrações científicas. “A gente está conseguindo suprir uma carência aqui no evento, porque poucas pessoas fazem isso. A tabela periódica é nosso lançamento. Conseguimos fazer ela por financiamento coletivo, pelo Catarse. A gente também conseguiu arrecadar 300 doações para escolas públicas, então temos toda essa parte pedagógica e social de tentar trazer a ciência e deixar ela mais fácil para todos”, explica a artista, que trabalha em parceria com o namorado, Leonardo d’Almeida, que também participou da concepção da tabela periódica ilustrada.

Manu empoderando mulheres na maior feita de cultura pop do mundo! CAPRICHO/Reprodução

Manu Cunhas também começou a trabalhar profissionalmente com ilustrações voltadas a causas sociais, mas passou longe da física e se solidarizou com a causa animal. “Comecei fazendo ilustras de assuntos relacionados a gatos, falando sobre resgate e cuidados de animais de rua. Depois, comecei a trabalhar com figuras femininas, falar sobre autoestima e autocarinho, até por necessidades pessoais e de amigas“, conta a artista, que ganhou um Prêmio Jabuti pelo livro Outras Meninas. Na CCXP19, o lançamento mais vendido foi o livro Ao Acaso, que contém ilustrações cheias de representatividade de corpos femininos de vários formatos, tipos e cores.

Sobre a presença de mulheres na feira, as duas são unânime em dizer que quanto mais mulher, melhor. “Pra gente é mega importante, até porque se torna um ambiente mais seguro. No ano passado mesmo, eu não vim com meu namorado e fiz questão de dividir a mesa com uma menina, porque acontece de, infelizmente, ter muito homem esquisito nesse meio nerd“, lamenta Lorar. Manu concorda e vai além: para ela, a questão da representatividade feminina na CCXP também empodera mulheres e as incentiva a ocuparem sem medo um espaço que também é delas (é de todo mundo): “é uma rede de carinho, as pessoas se sentem mais felizes, se identificando, e acabam expondo suas histórias. É com se fosse um abraço gigantesco entre várias pessoas. Além de se sentirem empoderadas, as mulheres também percebem a necessidade do empoderamento da próxima, percebem que tem um monte de merda acontecendo na própria vida, mas tem um monte de merda acontecendo na vida dos outros. É uma pirâmide de auxílio“, desabafa.

 

Na CCXP19, foi lançado outro trabalho: o livro Mulheres & Quadrinhos, uma coletânea que reúne 120 mulheres quadrinistas, sendo que grande parte delas estava participando do evento. Esse lançamento, também financiado no Catarse, mostra que há muitas mulheres talentosas no mercado de trabalho e que, infelizmente, viver de arte no Brasil continua sendo um desafio, já que muitos ilustradores e quadrinistas precisam recorrer a um financiamento coletivo para produzirem trabalhos de alto nível, que deveriam ser incentivados pelo governo, já que muitos, como é o caso de Lorar e o namorado, estão fazendo um trabalho social e educativo.

No começo de dezembro, diversas profissões do meio artístico foram excluídas do MEI. Contudo, na última quarta-feira, 11, após muita discussão, o Simples Nacional voltou atrás e reconsiderou as profissões antes banidas do cadastro de microempreendedores individuais. “Com a decisão, voltam a poder se inscrever como MEI astrólogo, músico, DJ ou VJ, esteticista, humorista e contador de histórias, instrutor de arte e cultura, instrutor de artes cênicas, instrutor de cursos gerenciais, instrutor de cursos preparatórios, instrutor de idiomas, instrutor de informática, instrutor de música, professor particular e proprietário de bar com entretenimento”, revela comunicado oficial publicado pela Agência Brasil

Por um país, e um mundo, com mais arte e mais mulheres artistas empoderando e ocupando lugares aos quais elas sempre pertenceram.

Publicidade