É preciso atenção ao julgar e diagnosticar pessoas nas redes sociais

Conversamos com uma neuropsicóloga e ela afirma: Diagnosticar alguém nas redes é perigoso e pode afastar a pessoa do tratamento necessário

Por Mavi Faria 14 Maio 2025, 18h04
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companhar a vida das pessoas pelas redes sociais pode dar uma sensação de familiaridade e proximidade – quem nunca se sentiu amigo daquele influenciador que segue há anos? Esse tipo de comportamento, alinhado com a sensação de impunidade, já traz problemas com comentários de julgamento e ofensas. Mas, agora, parece que a galera está ultrapassando uma linha perigosa ao diagnosticar as pessoas nas redes.

Stories ao longo do dia, reels e vídeos do TikTok mostrando a rotina e expondo a própria vida podem até te dar a sensação de que você está vivendo junto com aquele influenciador, conhecendo sua vida, seus costumes e seus gostos. Entretanto, você já parou para pensar que toda essa cobertura é, na verdade, um recorte da vida daquela pessoa?

Mostramos, nas redes, a versão que queremos que os outros vejam, mas parece que a galera está se esquecendo disso e se sentindo no direito (e até no dever) de diagnosticar os outros, como se estivesse ajudando a pessoa. Na verdade, segundo a neuropsicóloga Luciana Garcia, essa prática é perigosa e traz mais prejuízo que benefício.

A especialista lembra que, “nas redes, vemos apenas recortes muito específicos do comportamento de uma pessoa, muitas vezes, em situações atípicas, editadas ou exageradas para engajamento”. Por isso, ela afirma que esses comportamentos não são suficientes para analisar e entender a complexidade do funcionamento emocional, cognitivo e social de alguém.

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Recentemente, a atriz e influenciadora Giulia Benite compartilhou um desabafo no X (ex-Twitter), pedindo para que seus seguidores parassem de a diagnosticar com Anorexia, o que, segundo a atriz, não é verdade. Ela reafirmou que sofre com compulsão alimentar e que é aberta sobre o assunto justamente para ajudar quem também tem e que, se ela tivesse o outro transtorno alimentar, também falaria sobre.

Pouco tempo depois, um “diagnóstico” online que também recebeu muita atenção nas redes foi a de Rumi Carter, filha de Beyoncé de sete anos. Após participar de alguns show da Cowboy Carter, o comportamento da menina, analisado em vídeos de poucos segundos, foi indicado pela galera nas redes como o de uma pessoa com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), mesmo sem nenhum indício verídico.

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@thinkpiecekenya

All this conversation about Beyonce’s daughter Rumi Carter. First, yall talked about Blue Ivy, now it’s Rumi at the Cowboy Carter Tour. Nobody’s safe with miserable people around, but kids should always be. Full video on Youtube. In bio. #cowboycarter #rumi #rumicarter #blueivy #Beyonce #beyoncecowboycarter

♬ TEXAS HOLD ‘EM – Beyoncé

Mas, CH, o que é preciso para fazer um diagnóstico verídico?

É importante lembrar que somente profissionais da saúde especializados tem a competência para diagnosticar uma pessoa, independente do transtorno.

Agora, antes de entender como um diagnóstico funciona, Garcia ressalta que ele não se baseia somente no comportamento observável – o que a galera vem fazendo. A neuropsicólogo lista que um diagnóstico feito por um especialista requer:

  • Entrevistas;
  • Aplicação de testes padronizados;
  • Análise do histórico de vida;
  • Compreensão profunda do contexto daquela pessoa em várias sessões de avaliação, incluindo histórico de vida, contexto familiar, social, escolar ou profissional;
  • Intensidade, frequência e duração dos sintomas.

“Reduzir isso a um vídeo de 30 segundos pode levar a interpretações equivocadas, gerar rótulos que não ajudam e, pior, afastar alguém da ajuda adequada”, afirma a especialista. Nos vídeos expostos nas redes, a única coisa que é possível observar são sinais ou indícios de que algo merece atenção e pode precisar de cuidado especializado.

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Mesmo assim, não cabe a nós apontar e julgar comportamentos indicando possíveis transtornos, tá? Pode ser que a pessoa do outro lado da tela esteja lutando com um diagnóstico que não queira abrir ao público e, certamente, ler comentários apontando que ela tem isso ou aquilo só atrapalha.

No caso da Giulia Benite, por exemplo, a sugestão dos seguidores de que ela tem Anorexia pode atrapalhar o tratamento da compulsão alimentar, que também é um transtorno alimentar. Ao invés de deixar a pessoa se tratar em paz e com calma, esses comentários podem deixá-la complexada, insegura e nervosa.

Até porque, depois do diagnóstico, que já não é uma etapa simples do processo, a pessoa irá enfrentar o tratamento necessário e receberá ajuda – não é só um nome ou um rótulo, como Garcia exemplifica. É algo que transforma a vida da pessoa, esperançosamente para o melhor.

“Um bom diagnóstico não é apenas um ‘rótulo’, mas uma ferramenta para compreender o que aquela pessoa está enfrentando e como podemos ajudá-la de forma mais eficaz, sempre baseados na ética e nas evidências científicas”, afirma a neuropsicóloga.

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