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Desigualdade social e de gênero forçam atletas a desistirem de seus sonhos

Além de ser um transformador social, o esporte empodera e eleva a autoestima, e a evasão de meninas dele durante a adolescência precisa ser evitada

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 23h24 - Publicado em 11 out 2020, 10h05
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Divulgação/CAPRICHO

Em seis anos, entre 2009 e 2015, o número de mulheres no skate cresceu 9%, de acordo com levantamento do Datafolha para a Confederação Brasileira de Skate. Hoje, mais de 1,6 milhões mulheres praticam o esporte ao redor do globo, de forma amadora ou profissional, sendo a maior parte adolescentes. É claro que os homens ainda são maioria no esporte, somando mais de 8,5 milhões de skatistas no mundo, mas a curva feminina está crescendo e as grandes promessas do skate feminino no Brasil são mulheres, como Ana Clara, de 14 anos, que pediu para o pai colocá-la no esporte depois de conhecer o trabalho da ONG Social Skate. Atualmente, a jovem se divide entre os estudos e os treinos, que rolam pelo menos três vezes por semana. “O skate me ajudou muito a fazer amizades. Sempre fui uma menina muito tímida e, a partir do momento em que comecei a praticar o esporte, comecei a conhecer pessoas novas e meio que saí do meu mundinho”, disse em entrevista para a CAPRICHO.

Ana Clara e sua Pâmela Rosa, uma de suas inspirações CA_MATA_GLOBALCHALLENGE/Renato Custódio/Nike/Reprodução

A manobra favorita da Ana é o hellflip mas, tão importante quanto treinar para conseguir realizá-la com sucesso, é encontrar referências femininas dentro da modalidade. “A representatividade feminina no esporte é de extrema importância. Vejo isso como um incentivo para as mulheres se tornarem independentes e perderem o medo de fazer aquilo que têm vontade. Aliás, somos livres para fazer o que quisermos, então vejo isso como um incentivo, um empoderamento muito forte para nós”, garante a skatista, que sonha com o dia em que poderá dizer que o esporte é sua profissão. Na lista de inspirações de Ana Clara, temos nomes como o de Pâmela Rosa, campeã mundial em 2019. “Eu fico muito feliz de ser um exemplo para todas as meninas, procuro sempre dar a maior atenção para elas e incentivá-las ao máximo. O skate feminino vem crescendo muito e nós esportistas estamos muito empolgadas”, revelou Pâmela, que hoje continua treinando para as Olimpíadas, que aconteceriam no Japão neste ano, mas foram adiadas por causa da pandemia de coronavírus.

Coletivo ou individual, o esporte é uma eficiente ferramenta de crescimento pessoal, empoderamento e recuperação da autoestima. Foi com o skate nos pés que Ana Clara aprendeu a ter humildade, nunca deixar de ser quem é, respeitar as diferenças e valorizar a educação. Leila Vieira, pedagoga e gestora de projetos da ONG Social Skate, explica que a organização vê o esporte como um agente transformador para homens e mulheres, meninos e meninas, crianças e idosos. “O esporte é agregador e ajuda o adolescente a formar consciência cidadã”, afirma a especialista, que lamenta o fato de a questão de gênero ainda ser muito forte em algumas modalidades, como no skate: “Nós temos atletas fortíssimas que representam o skate no Brasil, mas ainda existe uma desvantagem muito grande no que se refere aos benefícios para homens e mulheres. Acredito que é algo que vem se desmistificando, e nosso papel é mostrar que o esporte é para todos”.

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Quando falamos @skateparatodosbrasil é disso que estamos falando nunca antes o Skate como ferramenta de inclusão esteve tão em voga, e nós da Ong Social Skate acreditamos que o melhor para o skate Brasileiro são pessoas que pensam como nós , vamos em frente levando o skate ao alcance de todos sem destinação . O skate não é para A ou B o skate é de todos(as) e para todos(as) #skateparatodos Na foto @leilavsanto coordenadora pedagógica da Ong Social Skate ajudando a Dna Francisca nos primeiros Passos no skate após 60 anos de idade.

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Além da luta pela igualdade, é preciso também combater os resultados da grande desigualdade social que existe no Brasil e acaba afetando mais estruturalmente e intensamente o sexo feminino. Para se ter uma noção, enquanto 41,4% dos homens começam a praticar esportes entre os 6 e os 10 anos, o número de mulheres que iniciam a vida esportiva nessa faixa etária é de apenas 29,7%, conforme Diagnóstico Nacional do Esporte, realizado em 2015, sob supervisão do governo. O número de mulheres no esporte diminui ainda mais com a chegada da adolescência, especialmente em regiões do Brasil mais pobres, onde as garotas, muitas vezes, não conseguem sequer concluir os estudos – que dirá dedicar-se a uma atividade física? Estereótipos também contribuem para essa baixa adesão de atletas femininas. “A maior questão é que na fase da adolescência é quando perdemos a maior parte das meninas. Muitas vezes, a mãe está trabalhando fora e a filha tem que cuidar do irmão mais novo e do lar. Existem muitas crianças e adolescentes meninas que estão em estado de vulnerabilidade social, quando é retirado o direito do acesso ao esporte e à cultura para que elas façam um papel que não cabe a elas no momento. O que nós fazemos para transformar isso é trazer as mães para perto, mostrando a importância da prática esportiva, da convivência em grupo, e que elas podem ser preparadas futuramente para o trabalho, porque, além do skate, nós temos outras vertentes voltadas para o desenvolvimento das meninas como um todo. Se conseguirmos fazer as mães entenderem essa importância e o papel da ONG na vida da criança, nós conseguiremos mudar essa situação. Nós costumamos dizer que não queremos skatistas profissionais, mas sim profissionais em qualquer área que possam andar de skate na hora que quiserem”, esclarece a pedagoga Leila.

Malte Mueller/Getty Images

Para combater essa evasão de skatistas na adolescência, a ONG Social Skate mudou a estratégia de trabalho. Anteriormente, ela colocava meninos e meninas para treinar juntos, numa tentativa de combater a desigualdade de gênero. Contudo, com o tempo, os profissionais perceberam que era preciso, primeiro, fomentar uma base sólida de garotas no esporte para só então colocá-las no mesmo patamar dos garotos. É uma questão de entender os privilégios. Em vários esportes, como no futebol e no skate, por um tempo enorme reproduziu-se um discurso machista de que a modalidade era “de menino”. Somado à estrutura social patriarcal, que por séculos designou para as mulheres trabalhos relacionados ao lar, a curva desigual de gênero na atividade só aumentou, tornando-se necessário a realização de medidas afirmativas para equilibrar o cenário. “Nós montamos um dia de aula de skate voltado só para as meninas e optamos por trabalhar outras questões, que as ajudam no desenvolvimento como um todo, como o empoderamento feminino e a importância da participação delas. Quando trabalhamos com meninas em situações de vulnerabilidade social, temos de pensar que além de inclui-las no esporte. Devemos abraçar outras questões, trazendo-as para a nossa realidade, fazendo com que elas se sintam confiantes e com dias de atividades voltadas somente para elas. Isso fortalece as meninas. Notamos que após esses dias que são voltados só para elas, elas se sentem melhores, com mais autoestima e confiança para andar de skate nas aulas mistas. Esse olhar especial faz com que as jovens não desistam do esporte na adolescência“, explica Leila Vieira. A pedagoga ainda salienta que, além de ser transformador na luta contra a desigualdade social e de gênero, o esporte desmistifica algumas questões como o bullying, que afeta tantos adolescentes, além de contribuir para a formação do caráter que ainda está sendo construído. “O skate me ajudou muito a evoluir na vida, a conhecer pessoas incríveis e até mesmo a ajudar minha família. Me abriu caminho para oportunidades incríveis! Nós, mulheres, estamos crescendo juntas, e temos cada vez mais meninas andando e se jogando nas pistas e nas ruas”, comemora Pâmela Rosa, que, neste Dia Internacional da Menina, em seu Instagram, publica um vídeo que conta os primeiros passos de Ana Clara no skate. Ele foi produzido pela Nike, através da iniciativa Feito Pra Jogar, e tem o intuito de trazer mais meninas para o mundo esportivo e criar uma base concreta para que elas não mais desistam – nem nas quadras, nem nas ruas, nem nos campos, nem em lugar nenhum.

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