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Bolsonaro diz que racismo é “coisa rara” – mas já foi condenado por isso

E pagará R$150 mil reais por comentários racistas feitos em 2011. Confira a análise que nossa colunista Ana Carolina Pinheiro fez sobre o caso

Por Ana Carolina Pinheiro Atualizado em 8 jul 2020, 11h43 - Publicado em 12 Maio 2019, 10h00

No Brasil, a cada 23 minutos, um homem negro é morto e apenas 12,8% dos jovens negros de 18 a 24 anos conseguem entrar em uma faculdade, segundo dados do IBGE de 2015. De acordo com um relatório do Ministério da Justiça do mesmo ano, 68,8% das mulheres que foram vítimas de femicídio no país são negras. Além disso, o número de jovens negros que cometem suicídio só aumenta. A cada dez jovens que tiraram a própria vida, seis são afrodescendentes, segundo levantamento Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília.

Ueslei Marcelino / Reuters/Reprodução

Mesmo com todos esses dados que mostram uma tentativa real de acabar com a etnia negra, seja por violência física, social ou mental, Jair Bolsonaro comentou em uma entrevista para a apresentadora Luciana Gimenez, da Rede TV!, que racismo é “coisa rara no Brasil”. O excelentíssimo ainda complementou dizendo que “o tempo todo tentam jogar negro contra branco, homo contra hétero, pai contra filho. Desculpe o linguajar, mas isso já encheu o saco“.

Como presidente do Brasil, Bolsonaro deveria saber que a formação do país que governa começou em um terreno desigual e, principalmente, de extrema opressão aos afrodescendentes. De todo o continente americano, fomos os últimos a abolir a escravidão, acontecimento que inclusive completa 131 anos na próxima segunda-feira, 13. Mesmo com o regime escravocrata proibido, os negros não se livraram por completo das correntes e dos instrumentos de tortura, como vimos nos dados acima. E isso sim que “enche o saco” e ainda custa as nossas vidas! É aquela história: se já é ruim ouvir sobre racismo, machismo e homofobia, imagina sentir na pele e sobreviver com isso há séculos, não é verdade?

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Bom, mas os absurdos não param por aí. Bolsonaro ainda explicou que não era racista pelo fato de já ter ajudado um colega das Forças Armadas, na época em que servia o Exército, que quase se afogou. “Por coincidência, é negro. Se eu fosse racista, o negão caiu dentro d’água [sic] e eu ia fazer o quê? Eu ia cruzar os braços. Entrei lá. Na segunda vez que mergulhei, consegui trazer o negão do fundo da lagoa”. Quer dizer, ajudar alguém, ainda mais quando esse alguém está entre a vida e a morte, não deveria ser simplesmente um ato humano? Que comparação foi essa?!

O fato de ter proximidade ou, no caso do presidente, ajudar uma pessoa negra não define se você pratica ou não o racismo. Agora, quando você diz em um programa de televisão ou em uma apresentação pública que não corre o risco de seus filhos se apaixonarem por uma mulher negra, porque eles “foram muito bem-educados”, ou que “um afrodescendente mais leve lá [em um quilombo] pesa sete arrobas [medida usada para pesar gado]. Não fazem nada. Nem para procriador, ele serve mais“, realmente, não tem o que contestar. Por isso, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) condenou o presidente Jair Bolsonaro por comentários racistas e homofóbicos, ditos no ano de 2011. Com a decisão judicial, o presidente irá pagar R$ 150 mil para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), do Ministério da Justiça.

Na verdade, o que está cada vez mais raro no Brasil é o incentivo a medidas afirmativas, como cotas nas instituições de ensino, a proteção pública de cada cidadão – independentemente da cor de pele -, o suporte à saúde física e mental, entre outras necessidades urgentes que deveriam ser garantidas pelos órgãos públicos para toda a sociedade. Viver em uma realidade dessa, ainda mais sendo negra, por tudo o que citei anteriormente, isso, sim, já encheu deu.

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