“Beleza tem que ser reflexo de saúde”, diz primeira Miss Brasil indígena
Elâine Souza, a primeira indígena a vencer o concurso, rebate padrões, fala sobre o cabelo crespo e a redescoberta da diversidade
Aos 20 anos, Elâine Souza consagrou-se a primeira indígena vencedora do Miss Brasil! O concurso aconteceu em Gramado, no Rio Grande do Sul, no dia 30 de novembro, e a vitória da alagoana foi considerada um marco para o evento e para a história de um povo!
Em entrevista para a CAPRICHO, Elâine respondeu algumas perguntas relacionadas às suas origens e à premiação:
1. O Miss Brasil Oficial acontece desde 1932 e, nos últimos anos, temos visto mais diversidade, mas ainda assim você é a primeira indígena a vencer o concurso. Qual é a sensação?
É uma sensação maravilhosa, é uma honra para mim! Eu não imaginava chegar até ao Miss Brasil Oficial, que é o concurso de beleza profissional que elege o Miss e Mister Brasil. O concurso que participei, que é o único reconhecido como profissão no Brasil pelo Sindicato Nacional Pró-Beleza, nos torna embaixadores oficiais no âmbito do programa “Salve Uma Mulher do Governo Federal”. Seja no Miss Brasil Universo (criado em 1954) ou no Miss Brasil Oficial (criado em 1932), eu observo que vem ocorrendo uma grande mudança de padrões de escolha. Eu tenho visto neste universo muitas meninas com aparência diferente do “convencional”, que eram as aparências clichês dos concursos. Muitas delas se destacando e ganhando os títulos que antes não eram alcançados por moças da minha etnia. Isso é uma abertura muito grande e traz uma grande oportunidade para que o mundo conheça nossa diversidade, bem como se fortaleça a representatividade de nosso povo. E o Miss e Mister Brasil que participei vem inovando e abrindo oportunidades para todos, em que vemos a beleza brasileira de verdade brilhando no palco.
2. É muito emblemático que uma mulher de cabelo crespo tenha vencido um concurso que, por anos, reforçou o estereótipo do cabelo liso como sendo o “bonito”. Você já parou pra pensar nisso? Sua relação com seu cabelo sempre foi de empoderamento?
Sim! Antes de participar, sempre procurava nos concursos alguém que me representasse, que eu sentisse uma representatividade e fugisse um pouco do estereótipo do liso. E hoje estou nessa posição de talvez ter alguém que se sinta representado por mim! Mas nem sempre fui resolvida com meu cabelo, viu? Já passei por anos de produtos químicos, relaxamento, alisamento, até chegar à transição capilar. Aí começa todo um processo de criar uma identidade, de desenvolver autoestima e começar a se valorizar com a aparência que eu tinha naquele momento e me tornar a mulher que sou hoje.
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3. Sobre a sua herança indígena, conta um pouco mais sobre ela?
A cultura indígena é muito rica. Eu sou do povo Katokinn, da Região Sertão de Alagoas. A comunidade Katokinn é uma ramificação do etnônimo Pankararu, considerada a comunidade “mãe”, originária de Pernambuco. A comunidade Katokinn fala Tupi Guarani, tem como Cacique Maria das Graças (Nina), tribo reconhecida pela FUNAI desde 2003, com população de 579 famílias e 1.183 pessoas aldeadas. A comunidade, hoje na zona urbana de Pariconha, Alagoas, tem um polo básico com 24 funcionários e duas escola estaduais com 29 funcionários e 217 alunos e um grupo de jovens. Os povos originários mantém as tradições vivas e passam de geração para geração. O povo indígena é sinônimo de muita força e resistência. São anos de lutas e busca por reconhecimento. Desde pequena sempre frequentava e via a beleza das tradições.
4. Concursos como Miss Brasil são criticados por reforçarem padrões estéticos e causarem pressão estética. Como você lida e encara isso?
É nossa missão a quebra destes paradigmas. Termos uma Miss Brasil e um Mister Brasil, meu colega Bruno Ferraz, como embaixadores na luta contra o feminicídio e contra a violência contra a mulher demonstra que os concursos estão visando muito mais que padrões estéticos. Entendo que mais importante que os padrões estéticos é que a beleza seja reflexo de saúde, principalmente da mental. Vivemos em um mundo muito polarizado do “ou é ou não é” ou “faz parte ou não faz parte”, e isso tudo não deveria ser assim. Sabemos que nos são apresentados e impostos padrões, mas frequentemente eles estão sendo quebrados, e vem surgindo a redescoberta de nossa grande diversidade. Isso já temos observado nas publicidades, desfiles, semanas de moda… Esse novo olhar está chegando aos concursos de beleza profissionais, amadores ou folclóricos, cujos organizadores vêm criando novas categorias para abranger e incluir mais e mais pessoas.