Apropriação cultural realmente existe ou é puro mimimi?
O silenciamento das meninas negras é uma das principais problemáticas quando o assunto é apropriação cultural
Em dezembro de 2016, a sequência de fotos abaixo viralizou nas redes sociais. Ela mostra o enegrecimento de uma menina branca. Na época, nós conversamos com a cantora Malía Machado, que compartilhou a imagem, e ela disse que “a moda black dá uma ideia falsa de maior aceitação dos negros. Foras das redes sociais, o genocídio e o racismo continuam“. Ao se deparar com coisas do tipo, Malía se sente silenciada. E o silenciamento das meninas negras é uma das principais problemáticas quando o assunto é apropriação cultural.
É muito comum ouvir que, hoje, tudo é apropriação. Não é verdade. De acordo com a estudante de jornalismo Jessyka Faustino, de 21 anos, a apropriação negra vai muito além de uma pessoa branca usar tranças ou turbantes. “É o apagamento sistemático do que para nós é cultural. Se ligam nossos turbantes a religiões de matriz africana, rapidamente torcem o nariz. Mas na cabeça da it girl branca, o acessório fica cool. É a cultura branca, mais uma vez, ditando o que é bonito”, afirma.
Ou seja, o problema não está no penteado em si, mas no que ele representa na cabeça de uma menina negra e na cabeça de uma menina branca. Os negros sempre usaram a estética como forma de bater de frente com o racismo. Afinal, é por meio da estética que, muitas vezes, eles são marginalizados. Mas então uma menina branca não pode nunca usar box braid? Sim, não, depende. “Não acho errado uma branca usar trança, desde que ela respeite a origem dela e da cultura afro”, opina Camilla Tsanakaliotis, de 19 anos. Nathalya Ferraz, de 17, participante da Galera CAPRICHO, também não se incomoda. “Acho que as mulheres são livres para fazerem o que bem entender com seus corpos e cabelos, mas não posso negar que as tranças carregam muita história e tem gente faz só por modinha”, diz.
Logo, se a menina branca sabe o que é apropriação e entende que os dreads nela transmitem uma informação diferente para a sociedade, tudo bem usá-los? A resposta talvez seja sim, afinal, como vimos anteriormente, apropriação cultural é algo sistemático e coletivo, não só visual e individual. Contudo, se a menina branca faz tranças afro, ela precisa estar preparada para as críticas, pois o seu penteado, invariavelmente, passa um recado (e têm consequências).
Para exemplificar melhor tudo isso, vamos relembrar o recente caso envolvendo as amigas Gabi Lopes e Isa Santoni. Ambas fizeram trancinhas no cabelo durante uma viagem para a Tailândia. Ok, elas sentiram vontade e, anualmente, milhares de formandos trançam o cabelo em Porto Seguro, na Bahia, e ninguém fala nada. Entretanto, precisamos destacar que (1) a Gabi cometeu uma contradição ao dizer que estudou muito sobre apropriação antes de postar a foto, mas escreveu na legenda que cresceu com essa cultura na família – sendo que ela é branca – e (2) os penteados nas atrizes se transformaram apenas em tendência – basta ler os comentários de outras meninas brancas dizendo que querem ~copiar o look~.
Quando uma negra alisa e clareia os fios, ela não está se apropriando de uma cultura – até porque isso tem a ver com genética (há negras lisas e brancas crespas) -, mas tentando, muitas vezes, se inserir na sociedade, que passa uma falsa ideia de que abraça todo mundo do jeitinho que é. “O modelo padrão é o eurocêntrico e, se você vai contra ele, reafirmando sua negritude, acaba se tornando inapropriada. É uma questão de julgamento de valores”, esclarece Carolynne Matos, de 22 anos, e Jessyka Faustino complementa: “É sobre continuarmos presas nesse padrão que só nos aceita quando nos apagamos, enquanto meninas brancas desfilam nossos símbolos sob aplausos ou até como fantasias exageradas e ridículas, como nos casos de black face ou durante o Carnaval”. Não é homenagem, não é luta.
Para deixar a discussão ainda mais rica, o vídeo abaixo da Nátaly Neri, do canal Afros e Afins, exemplifica direitinho o que estamos tentando explicar. Não é por uma roupa, um penteado ou um acessório. É pelo silenciamento. É sobre a mídia colocar turbantes em atrizes brancas e estampá-las em capas de revista para falar sobre moda afro. É sobre negras com dreads serem chamadas de suja e loiras com dreads serem chamadas de estilosas. É sobre representação e representatividade. É sobre você poder ser branca e trançar o seu cabelo todinho, mas nunca dizer que cresceu com essa cultura, que sabe o que é sentir o racismo na pele e que transmite com seu penteado o mesmo recado que uma negra transmite com seu black power. “O movimento negro não vai sair arrancando turbante de ninguém nem cortando trança. A gente tem pautas muito mais urgentes“, finaliza Jessyka.