Alunos relatam caos em universidades após corte de verba do governo
Conversamos com estudantes de federais que temem o que pode acontecer se a medida continuar: "Sem a universidade, a saúde da cidade vai por água abaixo"
Você já parou para pensar quais são os primeiros efeitos que uma universidade pública sofre ao entrar em uma crise financeira? Normalmente, a crise cai primeiro na manutenção da instituição – e se a estrutura já não é das melhores, fica ainda pior. Programas de pesquisa, bolsas de estudo e auxílio aos estudantes de baixa renda são os próximos ameaçados. Eventualmente, até mesmo as atividades acadêmicas podem ser interrompidas. Mas, afinal, por que deveríamos imaginar esse cenário? É que, na última semana, o Ministério da Educação anunciou o bloqueio de 30% do orçamento de todas as instituições federais de ensino superior do país. Os valores bloqueados são diferentes de acordo com cada faculdade, mas variam de R$ 13 a R$ 114 milhões.
Apenas alguns dias após a decisão, o caos já está começando a tomar forma. A CAPRICHO conversou com três estudantes de universidades federais para entender o que está acontecendo em cada instituição no momento e o que elas imaginam que possa acontecer nos próximos meses, caso a medida não seja, de fato, impedida.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o bloqueio de verbas chegou a alcançar 41%, como informou a universidade através de nota oficial. Segundo a reitoria, o corte equivale a R$ 114 milhões e impacta diretamente no funcionamento da instituição, atingindo despesas de custeio (como segurança, limpeza, água e energia elétrica) e recursos para investimento (como material para laboratórios e hospitais). Para a estudante de Biotecnologia Maria Letícia Carvalho de Oliveira, de 21 anos, a UFRJ já sofria muito com falta de verba antes do bloqueio orçamentário. “Falta material nos laboratórios de pesquisa, lembrando que a CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) vai deixar de proporcionar bolsas de pesquisa aos alunos no Brasil todo“, conta. Segundo ela, uma grande preocupação geral é que haja corte de bolsas assistenciais que afetem a permanência de muitos alunos que dependem desse auxílio para estudar.
Para os estudantes da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a preocupação também é o impacto do bloqueio de verba na permanência dos alunos, por diversos motivos. Stephanie Ferreira Magalhães, que estuda Nutrição, conta que os alunos acabaram de passar por um sufoco em relação ao restaurante universitário, que ficou sem recursos durante alguns dias. Segundo ela, uma das primeiras mudanças também deve ser o transporte da UNIFESP, que leva os estudantes para visitas e pesquisas a campo como forma de auxílio no ensino. “E a própria questão da infraestrutura, é um prédio em que acontecem muitas pesquisas, então a gente precisa sempre ter material. Já teve um tempo em que ficamos praticamente sem papel higiênico nos banheiros. É uma coisa muito desconfortável, a gente tinha que levar de casa“, lembra.
Com as previsões para os próximos meses sem o orçamento, muitas universidades federais já temem um possível fechamento ainda neste ano. É o caso da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no Rio Grande do Sul, onde a Ana Carolina Leite, de 18 anos, cursa Medicina. “Na quinta à noite, o Diretório Acadêmico de Ciências Sociais postou um texto no Facebook explicando que tinham tido uma conversa com o reitor da UFPEL e dizendo, dentre várias outras coisas, que a universidade fecharia em setembro se a medida não fosse impedida”, ela conta. Como o quadro de terceirizados já sofreu mudanças para se adequar no orçamento da universidade há pouco tempo, ela imagina que as mudanças podem atingir os alunos em breve. Cortes no auxílio dos alunos, ônibus gratuitos de apoio entre os campus da UFPEL e moradores da “casa do estudante” são alguns exemplos de cortes que devem ser feitos. “Eu imagino que para quem tem menos condições financeiras vai ficar inviável conseguir estudar“, Ana Carolina opina.
Uma preocupação ainda maior entre os alunos e funcionários da UFPEL é como ficaria a saúde pública da cidade se a universidade tivesse que fechar as portas. “Sem a UFPEL, a saúde de Pelotas vai por água abaixo. O único hospital 100% SUS da cidade é da UFPEL, a universidade administra várias UBS (Unidades Básicas de Saúde) em locais mais afastados e em bairros de difícil acesso, conta com atendimentos em ambulatórios de nível secundário em praticamente todas especialidades principais”, explica.
A previsão de que a universidade seja fechada em setembro foi confirmada através da nota oficial da UFPEL sobre o corte orçamentário. No texto, a instituição declara que o funcionamento será inviável porque “não haverá dinheiro para o custeio de energia elétrica, água, telefone, serviços de manutenção, limpeza, portaria, vigilância, nem recursos para bolsas de iniciação científica, ensino ou extensão, tampouco para transporte de apoio entre os campi ou para o subsídio ao preço das refeições no restaurante universitário”.
Com todos esses efeitos claramente negativos não apenas para as universidades, mas também para a população em si, qual é a justificativa por trás do bloqueio da verba? Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que “universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas. A lição de casa precisa estar feita: publicação científica, avaliações em dia, estar bem no ranking”. Não se sabe exatamente de qual ranking o ministro estava falando, mas as universidades federais definitivamente prestam um serviço público indispensável ao país.
Se a publicação científica precisa estar em dia, por que o governo acha que é uma solução também fazer cortes de orçamentos no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, causando o fim de verba para pesquisas em julho deste ano? Será que fazer cortes na educação brasileira, que já sofre há um bom tempo, é o melhor jeito de fazer a economia do país funcionar? Lembrando que, com o fechamento de universidades, ainda mais pessoas também se juntariam aos mais de 13 milhões de desempregados do Brasil.
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