Eu vi de perto o que ‘restou’ do desastre climático no Rio Grande do Sul
Todo mundo precisa de adaptação climática. Mas, dada as desigualdades que ainda forjam nosso mundo, uns precisam mais do que outros.
stive no Rio Grande do Sul em julho. Andei pelo centro de Porto Alegre. Muitas lojas, restaurantes e estabelecimentos estavam abertos. Em alguns, a pintura recém feita cobria as marcas das inundações do mês anterior. Outros permanecem fechados.
Longe do centro, fui para Rubem Berta, região periférica, conhecer o Espaço Cultural Marlon e Marcelinho e a Catarina Machado, uma de suas lideranças. Ao ver que a maioria dos moradores de lá ainda estão sem água potável, testemunhei o que não cansamos de falar: os impactos socioambientais são distribuídos de formas muito diferentes de acordo com marcadores de gênero, raça, classe e território.
Noutro dia, fui acompanhar o movimento Eco Pelo Clima no Vale do Taquari, região que abrange dezenas de municípios gaúchos e que, em oito meses, sofreu com três enchentes históricas. Conheci a cidade de Cruzeiro do Sul, que ficou destruída após os eventos climáticos de maio e junho. Conversei com pessoas que perderam tudo. Casa, móveis, bens materiais. E também memórias, afetos, lembranças e modos de vida.
Entre tanta morte material e simbólica, uma pergunta que me acompanhou foi: quem precisa de adaptação climática? E quem mais sofre sem ela?
A definição de adaptação climática é uma disputa, mas existe uma conceituação que pode nos nortear. Proposta pela Rede de Adaptação Antirracista, ela define que “adaptação climática antirracista é o enfrentamento às desigualdades raciais, de gênero, geracionais, sociais, regionais e territoriais, a partir de um conjunto de políticas públicas estruturantes, interseccionais e intersetoriais. Essas políticas devem ter como foco assegurar o bem viver, a proteção das vidas vulnerabilizadas e a conservação dos biomas, por meio de medidas estruturais e emergenciais que reduzam o impacto dos eventos climáticos extremos para as populações mais vulnerabilizadas”.
Ou seja, a adaptação climática precisa considerar todas as desigualdades sociais que existem no país. Para isso, deve partir de um projeto interdisciplinar, que envolve setores privados, sociedade civil e órgãos públicos de nível municipal, estadual e federal.
Não deve ser algo exclusivo de uma secretária do meio ambiente ou qualquer outro aparato ambiental simplesmente porque quando um evento climático extremo acontece ele impacta todas as esferas da sociedade: hospitais podem ficar sobrecarregados, escolas ficam inacessíveis, transportes públicos não conseguem circular, o risco de violência aumenta e por aí vai.
Se não mitigarmos o aquecimento global conforme indica a ciência, enchentes, inundações, secas e outros desastres serão cada vez mais frequentes, intensos e capilarizados.
A adaptação climática deve estar relacionada à prevenção, mais do que apenas à reação frente aos eventos climáticos. Não trata-se apenas de criar abrigos emergenciais para desalojados ou disponibilizar novos móveis para quem perdeu tudo.
Claro que isso é importante e essencial, mas a adaptação deve ser um passo anterior, de conseguir prever o máximo possível, a partir de todo conhecimento social, técnico e científico que já existe, quando, como e qual o impacto de uma enchente ou seca, por exemplo. E, a partir disso, reduzir as vulnerabilidades de todo o ecossistema a ser afetado (estado, cidade, equipamentos, pessoas, animais, flora e fauna) por meio dos recursos que temos disponíveis. Não é impossível, mas com certeza exige bastante vontade política, dinheiro (ele existe, acredite, só está concentrado) e pesquisa.
Como jovens, essa agenda está profundamente conectada com nosso presente e futuro. Se não mitigarmos o aquecimento global conforme indica a ciência, enchentes, inundações, secas e outros desastres serão cada vez mais frequentes, intensos e capilarizados. É um papo de presente e um papo de “quando acontecer”, e não “se acontecer”.
Voltando ao enunciado desse texto: todo mundo precisa de adaptação climática. Mas, dada as desigualdades que ainda forjam nosso mundo, uns precisam mais do que outros.
Por isso é essencial que cobremos dos tomadores de decisões — alô, eleições municipais chegando! – políticas de adaptação contundentes e multissetoriais, que levem em conta as múltiplas injustiças territoriais, sociais, de gênero, de raça e de classe que assolam nosso mundo. Dessa forma, poderemos (tentar) garantir um presente menos doloroso para nós e um futuro mais possível para quem virá depois.
Como jovens, essa agenda está profundamente conectada com nosso presente e futuro.
Barbara Poerner, especial para a CAPRICHO
Para se engajar: A Rede por Adaptação Antirracista submeteu uma proposta no Plano Clima Participativo.
Para seguir: Mariana Belmont, que está sempre falando sobre adaptação climática nas redes, e Karina Lima, que é doutorando em climatologia pesquisando eventos extremos.