Lola Ferreira colunista negritude CAPRICHO
para pensar feminismo e negritude em uma perspectiva diferente. Lola Ferreira
Lola Ferreira é repórter com trajetória focada em questões de gênero e raça. Começou na Capricho, rodou veículos do Brasil inteiro e voltou para falar sobre isso e mais.
para pensar feminismo e negritude em uma perspectiva diferente. Lola Ferreira
Lola Ferreira colunista negritude CAPRICHO Lola Ferreira é repórter com trajetória focada em questões de gênero e raça. Começou na Capricho, rodou veículos do Brasil inteiro e voltou para falar sobre isso e mais.

Meninas continuam a parir num Brasil que não garante seus direitos

Com média de 57 partos por dia, meninas do Brasil estão longe dos seus direitos.

Por Lola Ferreira, colunista da CAPRICHO 7 out 2025, 08h00
E

xatamente agora, uma criança acaba de dar à luz outra criança. Daqui a mais ou menos 30 minutos, outras duas passarão pela mesma experiência: nascer e parir, quando isso não deveria acontecer. 

E assim tem sido no Brasil, em média, 57 vezes ao dia. Meninas de 10 a 14 anos têm passado pela experiência traumatizante de gerar, parir e educar outra criança, mesmo sem corpo e mentes prontos para isso. Mesmo com uma lei feita para protegê-las. Por que esse cenário ainda existe?

No Brasil, gravidez decorrente de um estupro de vulnerável garante o aborto em unidades de saúde. São consideradas vulneráveis pessoas de qualquer idade que não podem oferecer resistência (deficiências, estado de saúde, embriaguez etc) ou aquelas de até 14 anos, independentemente do modo como a gravidez se deu. 

A menina que pare é principalmente negra, pobre e moradora do interior do Norte ou Centro-Oeste. Todas essas informações foram coletadas pela revista AzMina, num especial chamado “Meninas Mães”. Reportagens, dados e mapas mostram alguns dos motivos que afastam meninas do aborto legal no Brasil. 

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O material tem relatos de meninas que foram desencorajadas a abortar por profissionais de saúde ou que sequer sabiam ter esse direito, apesar de terem essa vontade. A partir do momento do parto (agora ou daqui 30, 60, 90 minutos), a vida dessas duas crianças muda para sempre. A mais velha se vê com pouco ou nulo suporte social, econômico e educacional. A mais nova herda somente a falha do Estado, que não garante saúde, não garantiu o aborto e não pode garantir o futuro. A falha deste minuto impacta ao menos duas vidas inteiras. 

Em tempos de discussões longas sobre adultização, o que prefiro chamar de exploração sexual infantil, é urgente manter a garantia ao aborto legal no radar. E é no seu, no meu, no radar de todas nós.

Elas enfrentam um cenário de abusos, promessas enganosas e obrigações que lhes roubam a infância. E não há combate proporcional para mudar essa realidade, porque as campanhas de conscientização são poucas. Além disso, os serviços de aborto legal se concentram nas grandes cidades e se mantêm longe dessas meninas – podem estar a uma distância de até 2.500 km (o equivalente a quase três viagens de carro, ida e volta, entre São Paulo e Rio). 

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São elas que fazem “chá de bebê” em sala de aula, mas não estudam por muito tempo. Cuidam da família, mas não conseguem que cuidem dela da forma correta. Veem seu direito de abortar ser sufocado por crenças alheias, julgamento e naturalização do que não é e nunca vai ser natural. 

Em tempos de discussões longas sobre adultização, o que prefiro chamar de exploração sexual infantil, é urgente manter a garantia ao aborto legal no radar. E é no seu, no meu, no radar de todas nós.

Sabe aquela história de “não podemos deixar ninguém pra trás”? É agora que ela vale. Precisamos entender como a política atual enxerga mulheres, meninas e seu futuro. Precisamos conversar com nossas amigas e famílias, se possível. Só assim é possível compreender que a realidade imposta a elas também nos afasta de um futuro melhor. Para todas nós. 

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