Muito mais do que apenas três mechas entrelaçadas, as tranças representam a herança cultural de um povo e o seu legado ancestral. Por isso, antes mesmo de pensar em colocá-las, existe a necessidade e importância de reconhecer sua origem e história.
Para muitas mulheres negras, o ato de fazer trança é sinônimo de conexão com os saberes ancestrais passados de geração a geração e o retirar das tranças um momento de afetividade e conexão ancestral. E é sobre isso que vamos falar nesta matéria!
Os acontecimentos do Big Brother Brasil sempre repercutem bastante fora da casa e direcionam os olhos do público para pautas relevantes acerca de questões sociais, tendências comportamentais e de moda e beleza nas redes sociais. Um deles foi o retirar das tranças de algumas participantes do reality, como este momento aqui com Linn da Quebrada:
Rízia Cerqueira, Thelminha, Camilla de Lucas, Maria, Natália Deodato, Lina e Brunna Gonçalves são algumas das mulheres que já trocaram esse momento de afetividade dentro da casa.
Cada desenho, traçado e destrançar contam uma história. Conversamos com a hairstylist Lu Safro, responsável por um trabalho ancestral minucioso e que, diga-se de passagem, já trançou as madeixas de Mc Soffia, Lellê, Camilla de Lucas, Taís Araújo e a própria Lina, do BBB22!
Como um processo afirmativo e de memórias afetivas, as tranças trazem muitas lembranças gostosas e únicas para meninas e mulheres negras, e o fazer manual de mães, pais, irmãs, tias e avós é uma delas. “É um momento de você estar com a sua família e proporcionar essa questão do toque – que, hoje em dia, está cada vez mais difícil até com os nossos [pessoas negras] – e de você resgatar essa memória de infância”, explica Lu Safro em entrevista à CAPRICHO.
Para ela, o processo de desmanchar as tranças é tão importante e significativo quanto o de colocar. “São memórias de quando sua mãe te colocava entre as pernas e começava a cuidar do seu cabelo. É um momento que a gente tem para se conectar, para se tocar, se sentir e para se perceber.“
“A gente tem uma vida tão corrida e tudo é tão dinâmico. Então, ter essa oportunidade de parar, por mais que seja um parar com o objetivo de tirar as tranças ou resolver algo, acaba se tornando um momento de afetividade, porque tirar as tranças demanda tempo. Também trata-se de um momento em que você conversa e percebe o outro”, explica a profissional, que ainda diz que esse processo de parar com a sua família para te ajudar com o retirar das tranças e na necessidade de ter ajuda conta como trocas afetivas.
Guardiãs de um legado ancestral
Em contrapartida a um sistema que durante muito tempo marginalizou as culturas negras, Lu e outras profissionais mantêm a herança cultural e ancestral de pessoas negras africanas e afro-brasileiras vivas.
“Assim como outras mulheres, eu me enxergo como uma guardiã, guardando toda essa técnica ancestral e transpassando nesses momentos […] Nossas tranças foram marginalizadas e demonizadas durante muito tempo devido a todo esse processo da construção e imposição de um belo”, explica a profissional, que relata como o belo sempre foi visto a partir de um padrão eurocêntrico.
A falsa ideia de que mulheres precisam sofrer para estarem bonitas
Lu Safro também salientou e questionou a falsa ideia de que, para mulheres estarem bonitas, elas precisam sofrer. “Tudo para nós sempre foi como um processo de dor ou muito dolorido. Então, desde criança eu ouvia que para ficar bonita tinha que sofrer mesmo”, conta. “Nós não tínhamos produtos, cremes e escovas adequadas para os nossos cabelos. Nós usávamos pentes com dentes extremamente finos e apertados e, consequentemente, contribuíam para que esse processo fosse muito mais doloroso.”
“Trançar o cabelo, por exemplo, era um sinônimo de dor. A gente tinha que deixar o cabelo bonito e suportar esse processo de dor, porque tínhamos essa ideia devassada de beleza, especificamente direcionada para mulheres negras. A gente teve uma ditadura do liso e do que era belo, ambos impostos pela branquitude”, relata a profissional. “E não é isso, sabe? Não temos que ficar reafirmando que o nosso cabelo é difícil ou duro, como diziam”, complementa.
Ressignificando o passado e criando um processo memorável
“Buscando equacionar isso e como resolver esse processo de dor e como torná-lo, de fato, mais agradável, bom e menos traumático do que foi a vida inteira, eu fui buscando formas de amenizar essa dor e trazer um aspecto mais natural possível para o cabelo e para as pessoas.”
“Assim, elas teriam liberdade para usarem as tranças além da forma que usávamos anteriormente, estático e sem penteados diversos”, continua a responsável por desenvolver o método Lu Safro, técnica autoral indolor e aplicada em Linn da Quebrada dias antes da sister ser confinada. Dá só uma olhada:
A hairstylist também contou que, após desenvolver sua técnica, passou a observar outros pontos. “Depois que eu desenvolvi o meu método, entendi que o que doía no couro cabeludo das pessoas era a forma em que o cabelo fora comprimido, adicionado e entrelaçado na raiz dos fios. Como eu mudei a forma de adicionar esse cabelo, transformei a compressão nesses pontinhos que antes causavam dores de cabeça, bolinhas no couro cabelo e alopecia nas pessoas”, conta Lu Safro. Revolucionário, né?
Tá aí a importância de reconhecermos as ferramentas acolhedoras e revolucionárias criadas por pessoas negras e indígenas durante séculos, não é mesmo? Ver as sisters do reality reunidas em torno do cabelo vira um momento de afetividade e conexão com outras coisas, não só para elas, mas para quem está fora da casa também!
Ficou com o coração quentinho também? <3
Quem deu as informações: Lu Safro, Hairstylist e criadora do método Lu Safro.