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Vítimas de abuso não podem confiar na Justiça e aqui está a prova

'Não houve constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça', afirma juiz que julgou caso de homem que ejaculou em mulher em pleno transporte público.

Por Isabella Otto Atualizado em 2 set 2017, 11h28 - Publicado em 2 set 2017, 10h51

“Entendo que não houve constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça”, foi o que disse o juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto, responsável por julgar o caso em que um homem ejaculou no pescoço de uma mulher em pleno ônibus na Avenida Paulista, um dos endereços mais movimentados de São Paulo. A sentença veio alguns dias depois de Clara Averbuck sofrer um estupro e justificar a sua escolha de não ir fazer uma denúncia na delegacia. “Não quero impunidade de criminoso sexual mas também não quero me submeter à violência de estado. Justamente por ter levado tantas mulheres na delegacia, eu sei o que me espera”, lamentou.

Reprodução/Reprodução

Esses dois crimes – mais dois na imensa lista de crimes contra a mulher – aconteceram com pessoas distintas, em lugares e situações diferentes, mas eles conversam entre si de uma maneira assustadora. É medonho pensar que nós, mulheres, estamos vulneráveis não só às violências da cidade grande, como assaltos, mas também a crimes que configuram feminicídio, dentro e fora de casa. E se você pensa que só porque a Lei Maria da Penha existe temos o apoio pleno da Justiça… Bom, não é bem assim que acontece.

1. Justiça solta homem que assediou passageira em ônibus
O caso aconteceu na tarde de 29 de agosto, quando Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, ejaculou no pescoço de uma mulher que estava ao seu lado no transporte público. O juiz responsável pelo caso deu a seguinte declaração: “na espécie, entendo que não houve o constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco do ônibus quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado”. Vale reforçar que agressão não é apenas física, mas também psicológica, e que estupro é uma cruel violência sexual que não acontece apenas com a penetração de um pênis em uma vagina. Contudo, não é isso que a nossa Justiça prevê, para dor e pavor de todas nós. O cidadão Diego Ferreira de Novais já tinha 15 passagens pela polícia por crimes sexuais cometidos e, na manha deste sábado, 2, ele mais uma fez foi pego em flagrante abusando de uma mulher.

2. Proposta que torna estupro crime imprescritível é aprovada
A princípio, isso pode parecer uma boa notícia, mas, na verdade, só mostra como a nossa Constituição é machista com relação a crimes contra a mulher. Se há a proposta de uma mudança, é porque algo não está certo. Contudo, não podemos deixar de comemorar mais esse passo na luta feminina. A caminha, porém, ainda é grande.

3. Após ser humilhada, jovem é demitida por ir trabalhar sem sutiã
As mulheres também não estão livres de injustiças no ambiente de trabalho. Em julho, a inglesa Kate Hannah, de 21 anos, foi demitida após ir trabalhar sem sutiã. Apesar de estar de camiseta e vestir um avental por cima da roupa, o chefe alegou que ela estava atrapalhando a concentração de outros homens. Indignada, Kate não ficou calada e seu chefe (ou ex, no caso) a chamou de estúpida e exagerada – porque é aparentemente isso que acontece quando vamos tentar lutar pelos nossos direitos.

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4. Jovens negras são as que mais morrem no Brasil
Se ser mulher no Brasil é difícil, ser mulher e negra é ainda mais complicado. De acordo com o Atlas da Violência 2017, publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as oportunidades de emprego para elas são menores, o mercado de trabalho é preconceituoso, as diferenças socioeconômicas são maiores e os homicídios também. De cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras. A Justiça? Dá uma falsa impressão de que a inclusão existe.

5. Delegado faz pouco caso de mulher agredida: ‘Foi o guarda-roupa?’
Em maio, Flávia Batista Florêncio foi denunciar um ex-companheiro por agressão, mas viveu na delegacia outra situação de abuso. O delegado que estava trabalhando perguntou se a mulher tinha certeza de que o hematoma não havia sido causado pela porta do guarda-roupa, não só duvidando e fazendo pouco caso da palavra da vítima, mas também reforçando o estereótipo machista de que mulheres só servem para cuidar da casa. Esse é o tipo de pessoa que mulheres encontram na delegacia quando vão atrás de seus direitos. Esse é o tipo de pessoa que estão lá para defendê-las.

Reprodução/Reprodução

6. Polícia indiana é acusada de estuprar mulheres
Na primeira semana de janeiro, mais de 15 mulheres já tinham sido estupradas por autoridades indianas. E se você acha que esses casos diminuíram ou cessaram só porque não tivemos mais conhecimento deles por meio de notícias, você está muito enganada. A Índia é um dos países mais perigosos para se viver sendo mulher. A cultura machista estimula os estupros em massa. E o que fazer quando os próprios policiais são os criminosos?

7. Caso de militares que estupraram mulheres até a morte fica marcado na história
O Dia da Não Violência Contra a Mulher, 25 de novembro, só existe porque, em 1960, Patria, Minerva e María foram vítimas de uma emboscada em plena ditadura da República Dominicana. O Serviço de Inteligência Militar as torturou e as espancou até a morte, e depois fez o crime parecer um acidente. Os anos passaram e, apesar da constante luta e das suadas conquistas, às vezes, parece que não saímos do lugar…

8. Mulheres sírias estariam se matando por medo de estupro coletivo
Vídeos de sírias pedindo ajuda começaram a pipocar nas redes sociais em dezembro de 2016. Elas diziam que algumas mulheres estavam cometendo suicídio por medo de serem estupradas pelas forças de Bashar al-Assad, durante ofensiva em Aleppo. Difícil acreditar em uma realidade dessas, mas se você acha que só porque mora no Brasil está a salva, se engana. Um estudo realizado pelas Nações Unidas, em 2016, mostra que ser garota no Brasil é mais difícil que no Iraque. Os fatores levados em conta para montar o ranking foram casamento infantil, gravidez na adolescência, mortalidade materna, número de mulheres na política (comparado ao dos homens) e chances de completar o ensino fundamental.

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9. Brasil é o 3º país com menos mulheres em cargos de liderança
Um estudo realizado pela Women in Business, em 2015, foi o responsável por apontar essa conclusão misógina. Quantas mulheres estão efetivamente ocupando cargos de poder na Justiça e nas delegacias que prestam apoio às pessoas do sexo feminino? Representatividade não só importa, como faz a diferença na hora em que uma mulher precisa de apoio e suporte. Na teoria, é fácil dizer que a garota não pode ficar calada e que deve denunciar qualquer tipo de abuso e/ou agressão. Na prática, contudo, a gente sabe que elas podem se sentir ainda mais expostas e vulneráveis na delegacia. Infelizmente, nossas leis são muito falhas com relação a nós, meninas.

10. No brasil, apenas 10% dos estupros são denunciados
Depois de todos os tópicos discutidos acima, não é tão chocante se dar conta desse dado. Essa porcentagem assustadora sinaliza que nosso Sistema sofre uma grande falha e precisa ser debatido e alterado. “Quem vive na fantasia de que ‘é só ir à Delegacia da Mulher’, certamente jamais esteve em uma. Eu estive. Dezenas de vezes. Infelizmente, acompanhando mulheres absolutamente fragilizadas que precisavam de apoio e lá apenas encontraram despreparo e desencorajamento para a denúncia. Eu não estava e não estou em condições de passar por isso”, relata Clara Averbuck em texto escrito especialmente para a CLAUDIA, após estupro sofrido. Acho que nenhuma de nós está…

 

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